E se...? escrita por Nicoly Faustino


Capítulo 14
Capítulo 13




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JACK

O dia parece passar em câmera lenta. Passo na gravadora, e descubro que fechamos contrato com a artista pop mais famosa da atualidade. A segunda notícia boa que recebo num só dia. Quando as coisas estão bem demais, a gente tem que desconfiar. Talvez não, mas a vida me ensinou a ser assim. Coisas boas, vem acompanhadas de coisas ruins. No começo da noite, vou para o pub, ajeitar as coisas para mais tarde. Tento não pensar muito no fato de que Emilly pode estar agora mesmo a pouca distância daqui. Minha vontade, é ir até a casa dos Foster, apenas para vê-la. Mas, o que eu poderia dizer? Tanto tempo sem trocar palavra alguma, pode ter nos transformados em estranhos. Ou como diz uma música...” agora você é apenas alguém que eu costumava conhecer”. Isso resume muito bem as coisas. Ela voltou, sim. Mas por quanto tempo? E o seu namorado, o sr. Perfeito, pode ter vindo com ela. Uma cena que eu preferia morrer, ao ter que ver, é Emilly com seus pais, naquela sala onde passamos tardes tão agradáveis, na companhia de outra pessoa. Apenas espero que a fama e dinheiro não lhe tenham subido a cabeça. Mas isso é algo que eu acho difícil, pois ela sempre foi extremamente linda, e nunca se fez de metida por isso. Melissa acaba de chegar. Ela sempre entra antes do seu horário, diz que gosta de me fazer companhia. Ela é tão doce. Eu devia dar uma chance de verdade a ela, visto que ela é muito bonita também. Só que eu simplesmente não consigo. Seu único defeito, é ficar tagarelando o quanto ela admira uma designer. Que no caso é Emilly. Me pergunto se ela sabe de nosso relacionamento do passado. E se sabe, deve fazer isso de propósito, para ver minha reação. Quando ela começa com esses assuntos, eu fico calado, as vezes sorrio, mas logo dou um jeito de sair de perto. Nós chegamos a ter um breve namoro, mas não deu certo. Inventei uma desculpa qualquer falando sobre o trabalho, que eu era seu chefe, que não era certo, a questão da ética, todas essas coisas. Mas a verdade é que eu não consigo namorar com mulher alguma. Algumas, me fazem lembrar Emilly nos pequenos gestos, ou em algum detalhe como cabelos longos, olhos azuis. Outras, não tem absolutamente nada que me lembre ela, mas eu me vejo a procurar defeitos, e justificativas, para não ir adiante.

– Pensando na vida chefe? – Melissa se aproxima e me cumprimenta com um beijo no rosto. Perto demais da minha boca.

– Não, pensando no show de hoje à noite – minto.

– E por que? Você sabe que toda a noite isso aqui lota. Ainda mais quando é você quem canta.

Olho para ela e apenas sorrio. Não sei porque ela insiste em andar com roupas tão decotadas. Quem a vê, pensa que ela é um tipo de pessoa, mas quem a conhece, sabe que ela não é como aparenta.

– Tomara que aquela doida não apareça aqui – ela continua, puxando conversa.

Sei que ela está se referindo a Jéssica.

– Ela não irá aparecer, pode ter certeza – digo, sério.

Melissa dá de ombros, e vai para o caixa “organizar” as coisas, mas na verdade eu sei que ela fica apenas me observando, enquanto ensaio um pouco no palco. Que distração mais estranha.

Horas depois, como Melissa disse, o pub está lotado. Isso é estranho, já que nem estamos no final de semana. Talvez ela esteja certa, as pessoas gostam de me ouvir cantar. Eu recebi algumas propostas, para lançar um cd, coisa que eu mesmo poderia fazer, já que tenho uma gravadora. Mas eu não quis. Nunca quis ser famoso. Nunca quis ser reconhecido por todos, em qualquer lugar do mundo que eu estivesse. Me contento com a “fama” que tenho apenas nessa pequena cidade, porque meus fãs, são nada menos que meus amigos ou colegas. Isso me basta. Percebo que estou com fome, então belisco algumas coisas na cozinha. Leonard, responsável por preparar as porções, fica louco quando eu faço isso. Ele tem sido meu braço direito, pois eu não sou muito organizado. Se não fosse por ele, mesmo com toda a lotação, eu já teria fechado as portas.

Faltam poucos minutos para o show começar. Eu nunca fico nervoso, pois estar no palco, é como estar em casa para mim. Mas esta noite, tem algo diferente no ar. Eu sinto um frio na barriga. Os outros integrantes da banda já estão no palco. Consigo escutar os gritos histéricos, das adolescentes que agem como se fossemos os artistas mais famosos de todo o universo. Quando subo ao palco, o barulho é ensurdecedor. Uma vez, alguma menina maluca, que pode ter sido Jéssica, jogou uma calcinha para mim. Elas parecem ter desenvolvido uma espécie de fetiche por mim. Acho graça nisso. Começo o show com uma música da banda The Killers, o que é quase um ritual para mim. Ás vezes fico até emocionado ao ver que tudo isso é fruto do meu suor, ao ver que as pessoas preferem vir aqui, ao invés de ir a qualquer outro pub numa esquina mais próxima. Eu sorrio para as garotas abaixo de mim, mas nunca as olho por muito tempo. Isso pode ser entendido de forma errada. Já basta Jéssica que me perseguia, achando que eu sempre senti algo por ela. O nervosismo anterior passa devagar, enquanto me concentro na música. Até que meu olhar encontra alguém. Esqueço momentaneamente tudo o que estou fazendo, o que estou cantando, e fico enfeitiçado com aquele par de olhos azuis que tanto atormentam meus sonhos. Não acredito que ela veio até mim. Não acredito que Emilly está aqui. Ela está ainda mais bonita, como se isso fosse possível. Quando saio do meu transe, as pessoas gritam para eu continuar, mas a maioria está voltada para Emilly. Não penso duas vezes antes de soltar os acordes da música que cantei para ela há nove anos atrás. Quando começo a cantar, sinto um nó na garganta, porque todas as lembranças me assaltaram ao mesmo tempo. Cada beijo, cada noite de amor, a cruel despedida. Enquanto canto olhando fixamente para ela, me pergunto se ela ainda guarda todas as nossas lembranças em sua memória. Acredito que a resposta é sim, pois em seus olhos eu vejo ao menos um pouco da dor que estou sentindo nesse momento.

Chego em casa, depois da noite mais intensa de meus últimos anos, e me jogo na cama sem tirar ao menos o tênis. Meu coração está apertado, um nó na garganta quase impede minha respiração. Não sai da minha cabeça, o que acabou de acontecer. Emilly confessou, depois de tanto tempo, que se pudesse voltar atrás teria ficado comigo. Mas eis a questão. Por mais que a gente queira, não podemos voltar no tempo. O fato dela ter se arrependido não muda nada. Eu só não acredito que eu tive a coragem de dizer isso a ela. Eu apenas abaixei a cabeça e as palavras saíram tão rápido que eu não pude impedi-las. Naquele momento, eu soube que isso não foi só um impulso. Foi a verdade querendo se revelar. Por mais que eu ainda a ame, eu não posso simplesmente me jogar de cabeça nesse abismo. É um caminho sem volta. Se ela me abandonar mais uma vez, eu vou ficar perdido para sempre. Agora, eu tenho pelo menos uma chance. Quero me agarrar a ela como se minha vida dependesse disso. Na verdade, ela depende mesmo. Mas lembrar de Emilly com os olhos marejados, o vestido molhado de Martini, parada a alguns metros de mim, esperando uma resposta que vem como uma adaga afiada faz eu me sentir muito pior. Faz eu pensar como as coisas podem ser. Ela pode estar apenas carente, por ter rompido seu namoro, mas e se ela voltou por mim? E se eu lhe desse uma segunda chance? E se nós déssemos certo dessa vez? E se eu me machucasse novamente? De uma coisa eu tenho certeza. Ficar aqui me torturando sobre o que pode ou não acontecer, não irá mudar nada. Tenho que descobrir as coisas eu mesmo. Pego meu celular e disco o número que está na minha lista de favoritos.

– Alô?

– Helenna, sou eu, Jack.

– Oi querido – ela hesita – quer falar comigo?

– Na verdade não, eu gostaria de falar com Emilly – respondo decidido.

– Hum... É que ela já está dormindo, eu acho. Mas se quiser...

– Jack – Emilly grita, e pelo barulho, deve ter tomado o telefone de sua mãe.

– Oi. Gostaria de almoçar comigo amanhã? – pergunto, antes que minha razão vença e faça eu desligar o telefone.

– É lógico, quer dizer, pode ser, acho que posso sim – ela gagueja, e pela sua voz esteve chorando. Odeio pensar que eu possa ser o motivo. - E a propósito, obrigada por cuidar de mim, e ainda me acompanhar até em casa. Foi muito gentil da sua parte desviar seu caminho só para se certificar de que eu estava bem.

– Eu me mudei, passar em frente à sua casa, faz parte do meu caminho para qualquer lugar que eu vá. Você tem que parar com essa mania de sentir tão importante.

Silêncio. Eu sorrio, me lembrando de todas as vezes em que disse para ela não se sentir tão importante, mesmo não sendo verdade. Pela sua respiração do outro lado da linha, sinto que ela está sorrindo também. Ficamos assim por um bom tempo, um sentindo o sorriso do outro, como dois adolescentes bobos e apaixonados, até que me lembro de como um dia fomos realmente assim, e de como as coisas estão diferentes agora.

– Até amanhã. Passo ai para te pegar meio dia – digo, encerrando a conversa.

Antes que ela responda, desligo o telefone, arrependido de ter acendido essa faísca que há tanto tempo luta para se apagar dentro de mim. Isso pode causar um incêndio, deixando marcas ainda mais profundas, do que as marcas anteriores, que ainda nem cicatrizaram.


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