Os Reis do Inferno escrita por Thaís Teixeira


Capítulo 1
O antes.




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Epílogo – O antes.

Costumam-se começar histórias por “era uma vez”, ou “naquele dia de sol”, coisas do gênero. Essa não é uma delas. Esta história começa há um tempo, não certamente definido.

Eram três, três irmãos. Dois homens e uma mulher que viviam em harmonia, na harmonia em que podiam viver. Normalmente cada um tinha uma função: trazer almas. Não importava quantas almas, mas trazê-las para casa. Perceba, normalmente. Hoje em dia, não era mais necessária tal ação, não era mais necessário tal esforço. Em pleno século vinte e um, as pessoas faziam isso por eles: elas se matavam.

Na época da Peste Negra, você deve estar pensando, foi pior. Sim. Mas não houve assassinatos, e sim mortes naturais. As mortes naturais não levam ninguém à casa deles, levam à casa de outros seres, como Ângela. Também não havia como culpar alguém pelas mortes da Igreja Católica, afinal eles acreditavam que estavam realmente salvando o mundo de algo ruim. O ditado “o que importa é a intenção” nunca foi tão real numa situação como na Idade Média. O mundo nunca foi tão sangrento e assassino como o de hoje em dia. Então, não era mais um esforço necessário. Eles podiam simplesmente sentar-se e observar. O que não os agradava.

Sebastian era o irmão mais velho. Digamos que ele conhecia o mundo a mais tempo do que os outros dois. Demônios não costumam ter data de nascimento certa, dizem eles, mas possuem idade. Não importa. Ele era o irmão mais velho e tinha visto o mundo passar por várias fases, e ele tinha presenciado muitos assassinatos, muita crueldade, muitas coisas horríveis. O mundo sempre foi ruim e não está melhorando, o mundo está cada vez pior. Os homens das cavernas se matavam por instinto, por defesa. Os homens de Hitler matavam por ódio, preconceito. Os homens de hoje matam por prazer.

Vincent era o irmão do meio. Tinha visto menos do que o irmão anterior, mas ainda sim sabia que o mundo era ruim. Ele também tinha a certeza de que ele não ia melhorar, que estava piorando. Ele temia – não temia, na verdade ele apreciava isto – que o mundo fosse acabar em sangue e ódio. Quando as pessoas perderem o controle, elas irão deixar os instintos tomarem conta e não terão mais a racionalidade que têm agora. Se é que elas têm, não é mesmo? Ladrões atiram mesmo que a vítima entregue tudo, homens arrastam crianças em carros, homens estupram mulheres, homens disseminam ódio entre os homens.

Katherine era a irmã mais nova. Não era inocente, mas havia chegado há pouco tempo. Sim, ela sabia dos horrores existentes no mundo, mas não de todos eles. Ela aprendeu sobre o passado, mas não o presenciou; não é a mesma coisa. Ela gostava de seduzir homens casados e ver até onde chegariam com a crueldade, com a malícia, com os pecados capitais.

Ah, os pecados capitais! As igrejas costumam ensinar que todos – exatamente, todos – os pecados te levam para a casa dos irmãos. Não, não levam. São poucos os pecados que te levam para lá: o ódio extremo, o assassinato, o desejo cego por sangue, o prazer pela tortura. Antigamente, os irmãos tinham que andar por aí, influenciando as pessoas a terem estes desejos para que o lugar não ficasse parcialmente vazio. Hoje não. Chegaram a pensar que tinham ido longe demais com a disseminação do ódio, mas perceberam que não. Eles apenas plantaram a idéia, o resto foi feito pelos homens. Os homens, que dizem que o amor é tudo.

Sebastian estava sentado no lugar de sempre, no trono do meio, esperando sabe-se lá o que acontecer, enquanto Katherine brincava com seus cabelos ruivos entre as unhas bem-feitas sem esforço algum. Sim, os irmãos eram lindos, precisavam disso. Vincent não estava. Bom, ele nunca estava em casa; estava sempre no pequeno bar que regia, cheio de strippers e homens suados pedindo mais bebida para a atendente assustada. As pessoas chamavam o local de “inferninho”, palavra que o fazia rir bastante, tendo em vista suas origens.

O irmão do meio gostava bastante do lugar, ele podia presenciar ódio, prazer, tortura e muito mais em apenas um local. Ele adorava a sintonia na qual as pessoas entravam e adorava mais ainda na qual elas saíam. Muitas moças da vida – prostitutas – que trabalhavam no local não agüentavam e iam embora. Mas sempre surgiam novas, afinal a dificuldade de arranjar emprego é grande, principalmente para uma colegial bonita sem experiência alguma em nada, nada mesmo.

Após um longo dia, os três reuniram-se novamente e fizeram o que sempre faziam: observaram o mundo humano, a extrema crueldade, e recolheram algumas almas sem salvação. Como – quase – sempre, imploraram pelo perdão, choraram e fizeram uma imensa encenação, que não dava em nada. Sebastian achava tedioso, Vincent era indiferente e Katherine achava extremamente divertido pessoas implorando pela salvação inexistente. O irmão mais velho, no começo, costumava assustar almas, dizendo coisas como “não há nada como Deus”, mas quem fazia isto agora era a mais nova – e ria, ria muito.

– Eu não agüento – Disse Vincent, pronunciando uma palavra com sua voz grossa e estrondosa no local fechado – Está chato. Precisamos fazer algo.

– O que você quer dizer com isso? – Disse Katherine, levantando-se do chão rapidamente e arrumando as roupas amassadas – Como assim? Estou dentro!

– Você não sabe nem o que é. Cale a boca – Disse Sebastian, entediado – O que você quer fazer, irmão?

– Recorrer aos instintos humanos – Respondeu Vincent com um sorriso doentio – Ao medo e pânico.

Vincent então começou a explicar seu plano. Ele queria influenciar os humanos, começando pelos mais vulneráveis até os menos – os mais difíceis. A idéia era influenciar as pequenas e insignificantes criaturas a se matarem, como numa batalha pela vida e a arena seria o mundo inteiro. Poderiam começar agora. Eles eram poderosos, poderiam fazer o que quisessem. Então decidiram que seria um jogo: sobrariam apenas dez pessoas no final de toda a batalha. Entre estas dez, apenas duas sobreviveriam, e, talvez, repovoassem o mundo sabe-se lá de que forma. Já havia acontecido tantas vezes, nada impediria de acontecer novamente.

E Deus? Deus não tinha mais poder na mente humana, ou no coração. Ninguém tinha tempo para rezar, para agradecer, para ajudar ou até mesmo sorrir para o próximo na rua. O egoísmo predominava no mundo. Os que ainda acreditavam e tentavam influenciar o próximo eram comidos pela rejeição. Era isso o que acontecia. O holocausto era iminente.

O ano era 2001, e tudo começou naquele mesmo mês, setembro. O país que mais se destacava no mundo era os Estados Unidos e foi por lá que os irmãozinhos começaram: jogaram um avião em torres. Assim foi dado o pontapé inicial para o assassinato em massa entre todos os seres humanos.

Desde 2001 o ódio era crescente: as pessoas se odiavam em qualquer lugar possível. Nas ruas, nas redes sociais criadas pelo mecanismo da internet, até mesmo dentro das suas próprias casas.

Talvez eles influenciem você, ou seus amigos, até mesmo os seus parentes. Você pode tentar fugir, mas eles estarão sempre lá, nas sombras, com os pequenos olhos vermelhos, te deixando com raiva, piorando seu dia. Não há escapatória. Os humanos podem tentar mudar o que são, mas jamais conseguirão: jamais tirarão o instinto assassino de dentro de si mesmos; estarão sempre a um ou dois centímetros de surtarem completamente. E irão surtar. Pode ser hoje, pode ser amanhã, porém já começou. Está acontecendo exatamente agora, seja lá onde você estiver. Talvez você não veja, pois ainda não chegou tão perto de você. Exatamente: ainda. Não há como fugir da natureza humana: são assassinos. E quando tiverem que lutar por algo, lutarão entre si.

A guerra está vindo e não há nada que possa impedi – lá, e sabe quem é o inimigo? O inimigo é você mesmo.


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