A Ordem do Santo Graal escrita por Alba Diniz


Capítulo 1
............. Reencontrando um amigo.


Notas iniciais do capítulo

Esta fict é continuação das aventuras de Zina e Gabrielle, iniciada em "Encontrando o caminho".



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............. Reencontrando um amigo.

O famoso British Museum é guardador de grandes e importantes obras e artefatos com o objetivo de documentar a história da cultura humana na terra. São mais de seis milhões de peças cuidadosamente inventariadas, vindas de todos os continentes. Aberto ao público desde 1759, desde então é visitado anualmente por milhões de pessoas, ansiosas por apreciarem preciosidades históricas preservadas no melhor estado possível.

Aproveitando sua estadia em Londres Zina vai visitar um velho amigo. O carro estaciona em frente ao enorme edifício já fechado para o público. Zina e Gabrielle aproximam-se da cabine do segurança ao lado do grande portão.

O segurança pergunta: - Pois não senhora, em que posso ajudar?

 Zina responde: - Desejo falar com Mr. Hércules Sorbo, ele está nos esperando.

— Um instante, por favor. - Com um telefonema o homem confirma a informação de Zina.

O segurança as deixa entrar e outro as acompanha até a porta principal do museu.  O frontão triangular com várias figuras em relevo realça a entrada principal. Embora já conheça o museu Gabrielle nunca deixa de se admirar com a imponente fachada. Ela tropeça nos degraus de acesso ao patamar.

— Se viéssemos em serviço secreto, seríamos apanhadas. - Diz Zina com um toque de humor.

— Se viéssemos em serviço secreto, não estaríamos entrando pela porta da frente. - Gabrielle responde prontamente.

Zina sorri com a perspicaz observação da loira. Ouvem barulho de passos e a conversa é interrompida. Um homem muito alto, bonito, rosto de traços másculos, porte atlético, cabelos muito lisos aproxima-se delas.

Um largo sorriso aparece no rosto de Hércules, que é correspondido por Zina. Eles se abraçam calorosamente e se encaram por alguns segundos.

— Você está cada vez mais linda! - Diz o homem. O brilho no olhar dele não passa despercebido de Gabrielle que observa a cena com certo incômodo.

— Hurruum. - Pigarreia a loira.

Como acordando do transe o homem se dirige a Gabrielle: - E quem é essa loirinha?

— Essa é minha amiga, Gabrielle. - Responde Zina sorrindo, abraçando a loira pelos ombros.

Após as apresentações todos seguem para o interior do museu e sobem a escadaria rumo ao escritório. - Não soube mais de você! Por onde tem andado? - Pergunta Hércules abraçando Zina pela cintura enquanto andam.

O olhar de Gabrielle faísca, sente o rosto corar, tenta não demonstrar seu desconforto com a situação. Sentia no ar que o relacionamento deles em algum momento foi além da amizade.

— Andei viajando à trabalho. - Zina responde.

Mais alguns passos e o homem anuncia: - Chegamos! - Ele abre uma porta larga que dá para uma grande sala decorada com sobriedade, todos os móveis eram estilo vitoriano. Uma grande estante tomava toda parede atrás da suntuosa poltrona. O quadro “O Nascimento de Vênus” de Botticelli enfeita a parede em frente à mesa. Todos se acomodam, mas a atenção de Gabrielle se volta para o famoso quadro. Ela o admira quase sem piscar, a concentração dela chama atenção de Hércules.

— Você gosta de Botticelli? - Pergunta o homem.

— Alguma vez admirou essa pintura? - Pergunta Gabrielle ignorando a pergunta de Hércules e começa a falar sobre a pintura.

O homem ouve admirado. Ele lança um olhar interrogativo para Zina, que não esconde o orgulho da loira. - Gabrielle cursou história da arte e é arqueóloga e pesquisadora da universidade de Nova York.

A surpresa de Hércules é visível. - Então você conhece Dr. Iolaus?! - Pergunta o homem se dirigindo à loira.

Gabrielle sorri e diz. - Além de trabalharmos juntos, somos grandes amigos.

— Que mundo pequeno não?! Iolaus é meu melhor amigo, como um irmão para mim. - Hércules diz. A partir daí a conversa se desenrola por horas.

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Hércules conheceu Zina muitos anos atrás durante uma visita à Iolaus. Ele aproveitava o agradável sol de primavera na caminhada matinal pelo Central Park, quando viu a deslumbrante mulher praticando seu Cooper. Alta, corpo esguio, longos cabelos negros e olhos de incomparável azul. A atração  foi correspondida pelo sorriso belo e perfeito da morena.

A aproximação aconteceu. Nos 25 dias que ficaram juntos, quem os visse nas ruas poderia dizer que eram um casal apaixonado, mas ele sentia que ela escondia alguma coisa, se esquivava de responder algumas perguntas, falava pouco sobre seu trabalho; sabia apenas que ela trabalhava em uma empresa de informática e que viajava muito, excetuando que ela tinha frequentado a academia de policia, nada mais importante sabia a seu respeito, mesmo quando estavam juntos a tensão dela era notada. Era uma mulher fascinante, estranha e misteriosa.

Hércules observa o espetacular hall de entrada do aeroporto JFK, é feita a última chamada para embarque do voo para Londres. Ele esperava encontrar Zina para despedir-se, não seria um adeus, mas sim um até breve. Ela mexera com seus sentimentos, não se tratava mais apenas de atração ou sexo, seu coração tanto tempo adormecido voltara a sentir.

Após passar pelos complexos procedimentos da alfândega americana, ele caminha para o portão de embarque, vira-se ainda algumas vezes na esperança de vê-la, mas acaba aceitando a ideia de que para ela tudo não passou de uma aventura.

No hall do aeroporto, atrás de uma viga de aço Zina observa o homem atravessar o portão de embarque. Era um homem atraente, inteligente; o homem que seria o sonho de qualquer mulher, mas apesar dos momentos agradáveis que passaram juntos, ela sentia no seu íntimo que ele não era sua alma gêmea.

Um encontro de almas é um encontro peculiar, este amor chega sem ter dia ou momento marcado para acontecer, simplesmente chega e se instala. Sempre acontecerão reencontros. Almas que se encontram ficam marcadas e nunca conseguirão se separar, reconhecerão a necessidade que uma tem da outra para toda eternidade e essa sensação de plenitude ela ainda não encontrara, mas algo inexplicavelmente forte dentro de si dizia que iria encontrá-la. Bastaria saber esperar e reconhecer.

............. O incêndio.

O fogo já começava atingir os tapetes e a fumaça vai tomando o salão. Três vultos encapuzados correm para a lateral do salão onde o velho Zelador os esperava nervoso. Ouviam-se cada vez mais próximas o som das sirenes dos bombeiros. Os quatro se amontoavam contra a parede assustados com as labaredas que começavam a rodeá-los.

Numa porta lateral, outro encapuzado está encurralado pelas chamas. O fogo avançava mais rápido que o previsto e atingiu o homem que tentava sem sucesso abrir a porta. Com o corpo em chamas ele se debatia esbarrando nas paredes, os gritos de dor eram aterrorizantes. Os outros tentam se aproximar, mas não conseguem. O fogo já tomava conta de algumas obras de arte. Quase no mesmo instante que os homens fugiam, os bombeiros entravam no edifício com mangueiras jorrando água nas chamas.

O que os fugitivos não viram foi que alguém armado escondido nas sombras os observava atentamente. Um disparo certeiro acaba com agonia do homem que se debatia em chamas no chão. Quando os homens sumiram e antes que os bombeiros pudessem vê-lo, ele aciona uma passagem na parede e desaparece.

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Aquela hora da madrugada a Great Russell Street estava interditada com cavaletes, os policiais tentavam conter os curiosos que queriam saber o que acontecera no museu, enquanto os bombeiros acabavam de apagar os rescaldos ainda fumegantes na ala das relíquias religiosas.

Kevin Nolan saiu para respirar, o assédio dos repórteres era irritante, ele informa aos jornalistas que as investigações foram iniciadas e que seria feito um levantamento para saber a extensão dos danos materiais e possíveis perdas de inestimáveis obras de arte, mas o que ele não disse é que tinha sido encontrado um corpo carbonizado entre os destroços.

O museu nos últimos cinco anos vinha sendo alvo de frequentes tentativas de roubos e incêndios. Esse era o terceiro, no incêndio anterior foram encontrados dois cadáveres carbonizados. A autópsia revelou que ambos eram homens, tinham de 25 a 30 anos e que antes de serem carbonizados tinham sido mortos por tiros de pistola 9mm e para completar os corpos nunca foram identificados.

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Hércules está dormindo quando o celular toca. Ele atende, sua voz soa sonolenta: - Sim?

Kevin lhe dá a notícia do incêndio no museu. De um pulo ele senta-se na cama. - O QUÊ?  - Berra já totalmente acordado. - Estou indo agora mesmo! - Desliga o celular, se veste apressadamente e sai.

O Departamento de Arte era um órgão especial subordinado à Secretaria de Cultura. Dele faziam parte policiais, arqueólogos, historiadores, especialistas em arte medieval, moderna e sacra. Hércules era Doutor em história da arte e durante anos dera ao departamento o melhor de si, com muito trabalho e oportunidades foi subindo na carreira até chegar ao topo, atualmente acumulava os cargos de Curador do museu e Diretor do Departamento de Arte. Nos últimos quinze anos ele zelava pelo imenso patrimônio artístico e cultural da Inglaterra, a carga de trabalho de dezesseis ou dezoito horas diárias o fazia esquecer do fatídico dia de nevasca em que a esposa e os dois filhos foram ao aeroporto buscá-lo do regresso de mais uma viagem. Uma carreta transportando um grande container derrapou na estrada e o pesado veículo descontrolado tombou sobre o carro. Os três passageiros tiveram morte instantânea, esmagados entre as ferragens do veículo.

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Hospedadas no Bloomsbury Hotel London, Zina e Gabrielle assistiam ao noticiário da madrugada. A loira aconchegada nos braços de sua amada, quando ouvem a noticia do incêndio no British Museum. A imagem mostrava Hércules com certa dificuldade, passar pelas pessoas que se aglomeram em torno dos cavaletes de isolamento da polícia. As redes de televisão cobrem a notícia com alvoroço, cada uma querendo apresentar informações mais recentes que as outras. Mesmo com o tumulto Zina consegue identificar Kevin Nolan que faz um apelo aos repórteres, pedindo que tranquilizassem as pessoas e informando que as investigações foram iniciadas.

As mulheres quase simultaneamente sentam na cama. Zina liga para Hércules, depois de várias chamadas a ligação é atendida. Numa breve conversa ele informa Zina do que ele tem conhecimento até o momento sobre o incêndio. Se despedem, Gabrielle percebe uma leve ruga aparecer na testa de Zina. Isso era sinal evidente que a agente da Guarda estava de prontidão.

Gabrielle se exaspera. - Ah não Zina, por favor, não! Estamos aqui para descansar, lembra?

Zina responde: - Eu sei, mas meu instinto me diz que isso não foi apenas um acidente.

— Não acredito que você vai estragar nossa viagem. Será que você não se desliga um minuto sequer? - Questiona a loira irritada.

— Eu não disse que ia fazer nada..., estou só curiosa. - Diz Zina.

— Sei..., eu conheço você, duvido que não esteja tentada a ir lá. - Diz Gabrielle e continua já mostrando certa irritação na voz. - Será que é só curiosidade mesmo ou deu saudade do “amigo”?

— Quê?... O que você está insinuando? - Diz Zina surpresa.

— Não tem dúvida que ele é um homem bonitão e atraente. De repente, sei lá... - Gabrielle sente o rosto quente, seus olhos faíscam crivados na morena.

Zina a olha incrédula: - Eu não acredito... Você está pensando que eu estou com saudade dele? Ah, Gabrielle faça-me o favor!

— É mesmo? Eu vi como vocês se olharam quando chegamos no museu... e ele cheio de “gracinhas” com você. - A loira não conseguia controlar a irritação.

Zina percebe o tom enciumado de Gabrielle e sorri se divertindo com a cena. - Gabrielle para com isso! Que exagero, não tem motivo para essa ciumeira.

— Quem disse que eu estou com ciúme. Só estou fazendo uma observação. - Diz a loira.

Zina dá uma risada e abraça Gabrielle com força. - Não vou negar que eu e Hércules tivemos um “namorinho” muitos anos atrás, mas eu me sentia incompleta, até que no dia quando nos conhecemos reconheci em você a minha metade, minha alma gêmea. Aquela sensação de vazio acabou, você deu sentido a minha vida. Você é minha e eu sou sua e nada nem ninguém vai mudar isso meu amor.

Gabrielle escutou tudo em silêncio, emocionada, era raro ouvir Zina expor seus sentimentos de maneira tão aberta.

Gabrielle está certa, estavam ali para descansar, ela não tinha porque se envolver no assunto do museu.— Pensa. - Zina dá um profundo suspiro e volta a se deitar, puxando a loira para junto de si novamente. O contato da pele macia e quente invadem os sentidos de Zina, suas mãos acariciam o corpo de Gabrielle que responde as carícias com a mesma intensidade, entregando seus lábios com o mesmo ardor com que era beijada. As carícias se tornam mais ardentes, as peles arrepiadas, os suspiros e gemidos são a certeza que mais uma vez o momento de entrega de seus corpos e almas se dão de maneira completa, um encontro renovado cada vez, a cada vida, por toda eternidade.

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No dia seguinte o Secretário de Cultura convoca o Diretor do Departamento de Arte para uma reunião. Em pouco mais de trinta minutos o homem se apresenta no gabinete.

A secretária abre a grande porta que dá acesso a sala e anuncia: - Excelência, Mr. Hércules Sorbo está aqui.

O Secretário conhecido por ser um homem afável, inteligente e diplomático se mostrava visivelmente alterado, pelo que acontecera. - Sente-se Mr. Sorbo. - Ordena o Secretário e continua. - Conte-me o que aconteceu. Já sabem quem é o morto?

— Ainda não Excelência. As investigações apontam que o incêndio foi provocado por um curto-circuito. - Hércules responde entregando o relatório recebido da polícia.

— Novamente? - O secretário se exaspera.

O Secretário lê o relatório. Não houve roubo, todos os valiosos tesouros do museu continuam lá, apesar de algumas obras de arte terem sido atingidas pelo fogo. O homem que morreu no museu, apresentava a mesma “Causa mortis” que os anteriores. Todos antes de morrerem carbonizados tinham sido assassinados com tiro de pistola 9mm.

— Isso foge à nossa alçada. - Resmunga o Secretário. - Não faz sentido.

............. A equipe.

Kevin era chefe do Departamento de Artes, um investigador astuto e eficiente, sua figura era imponente, alto, cabelos e olhos negros, porte atlético, o cavanhaque acentuava ainda mais sua imagem viril. Ele e sua equipe trabalhavam na investigação sobre o incêndio no museu e como subordinado tinha que se reportar a Hércules, informando-o sobre o andamentos das investigações.

Pompeu, Gregor, Mynia e Paulina trabalhavam juntos na equipe de Kevin há muitos anos. Tidos como incorruptíveis, eficientes e especialistas cada um em sua respectiva área. Pompeu e Gregor eram ex-agentes de elite da polícia de Londres.

 Mynia era a mais antiga na equipe, tinha abundantes cabelos castanhos quase sempre desalinhados, uma expert em assuntos de informática, alegre e às vezes inconveniente.

Paulina foi a última a se juntar à equipe. Era uma boa investigadora, observadora, não perdia um detalhe por menor que fosse. Trabalhou alguns anos na divisão de homicídios até ser transferida para o Departamento de Arte. Era graduada em história. Não era uma mulher linda, mas tinha seus encantos, esguia, cabelos negros e longos, simpática e inteligente.

Kevin, Gregor e Pompeu sabiam do relacionamento que existia entre elas. Kevin lhes disse uma vez que a vida particular delas só interessava a elas, desde que não deixassem os assuntos pessoais prejudicarem a equipe nem interferir no trabalho.

Paulina faz uma ligação para o departamento e após um rápido cumprimento, ela diz: - Amor, preciso falar com o chefe.

— Ele foi para o museu. Disse que vai ficar por lá o dia todo e o celular cai na caixa postal. - Responde Mynia e continua. - E por favor, comporte-se.

Paulina dá uma risada se divertindo com a observação de Mynia.

— Com tanto museu em Londres, tudo tem que acontecer só no British? Esses vários incêndios, além do corpo encontrado, é sinistro que ele tenha sido morto a tiro antes de carbonizar e não conseguirmos identificá-lo até agora. - Diz Paulina.

— Estamos investigando a empresa que está fazendo a nova instalação elétrica do museu. Gregor interrogou os operários, parece que o fogo começou por causa de um curto-circuito. - Informa Mynia.

— E ninguém viu o fogo começar? - Paulina pergunta.

— Segundo os peritos o fogo começou por volta das três da madrugada. - Explica Mynia.

— E o sistema anti-incêndio não funcionou? - Questiona Paulina.

— É estranho mesmo, em nenhum dos incêndios o sistema funcionou. Não tinha observado esse detalhe. - Mynia responde.

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O grupo de investigadores está em reunião em volta de uma grande mesa com pastas, fotos e relatórios.

— Sabe o que mais me intriga nesses casos? O fato de todos os homens terem sido mortos com tiros antes de ficarem carbonizados e não sabermos até hoje quem são eles. - Diz Kevin enquanto espalha na mesa as pastas de arquivos dos casos anteriores não solucionados referentes aos incêndios no museu.  

— Agora me contem o que descobriram. - Diz Kevin mudando de assunto.

Num relato sucinto Pompeu informa que foi feito um levantamento sobre a empresa responsável pela obra, mas nada foi encontrado que desabonasse a empresa conhecida à mais de oitenta anos no mercado ou seu presidente.

— O Zelador e os cinco seguranças afirmam que inspecionaram o museu antes de fechar e não tinha ninguém. O Zelador é um homem de 67 anos, mora próximo ao museu, diz que estava em casa quando a campainha tocou e um homem avisou da fumaça, chamou os bombeiros e desde então está arrasado. - Informa Pompeu.

— Temos um homem não identificado, morto com um tiro na cabeça e carbonizado. Se tudo foi examinado, como ele entrou? - Pergunta Gregor.

— O museu é muito grande para apenas seis pessoas inspecionarem. - Observa Mynia.

— Ou estão todos mentindo. - Diz Paulina.

Gregor informa sobre seus interrogatórios. Os operários garantem que não houve descuido por parte deles e que ao saírem os fios estavam todos amarrados. Entrega o relatório do legista, apontando a mesma conclusão que as anteriores: Homem entre 25 a 30 anos, morto com tiro antes do corpo ser carbonizado. Foi tentada a identificação do cadáver através do DNA, mas não existe nada sobre ele no banco de dados da polícia nem da Scotland Yard.

— Alguma evidência de cúmplices? - Kevin pergunta.

— Não temos provas, mas é certo que sim. É impossível uma pessoa sozinha planejar e roubar um museu tão grande e vigiado. O relatório da balística afirma que a bala é de uma 9mm e nenhum dos seguranças usa essa tipo de arma.  - Questiona Mynia. - Então não existia apenas ele lá dentro, isso é óbvio.

— Aí que está..., se ele não estava sozinho por onde os cúmplices fugiram? Nenhuma porta foi arrombada. - Questiona Paulina e completa. - Será que existe alguma passagem secreta? Algum túnel?

Pompeu e Gregor se entreolham. - Você anda assistindo muito filme, Paulina. - Diz Gregor com um sorriso debochado.

— É uma possibilidade... Mynia providencie mapas dos subterrâneos da cidade, quero saber a localização de cada túnel que exista em Londres. - Diz Kevin para surpresa dos dois homens.

Kevin alisa o cavanhaque, todos sabiam que esse gesto não era bom sinal, ele tinha certeza que alguma coisa escapava entre seus dedos, as coisas não se encaixavam.

— Não temos provas, apenas suposições sobre existência de cúmplices, então por enquanto vamos dar prioridade a outras linhas de investigações. - Kevin determina ao grupo.

Mesmo que se ponham a discutir assuntos sobre as investigações, ninguém se incomoda com a presença do homem que sempre quando chegam está limpando a sala. Sempre fazem um gesto para que continue com o trabalho, afinal porque suspeitar de um velho de cabelos brancos com um balde de água e um pano de chão?

............. O porão.

O Zelador desceu a escada do porão levando alimento e água, estava ansioso para se livrar daqueles homens, Londres se tornara um lugar perigoso para eles, mas sabia que qualquer atitude precipitada poderia acabar com todos, inclusive ele, na prisão ou mortos. Teriam que seguir o plano de fuga.

— Pelas duas da manhã venho buscar você, vamos pelo túnel até o cemitério. Vai ter um carro no outro lado da rua. Essa é a placa, o motorista vai te deixar na fronteira com a Escócia. - Diz entregando um papel para o homem que aparentava uns trinta anos, era o mais velho do trio. 

— Tem certeza que não tem perigo? - Pergunta o homem.

— Nosso informante disse que por enquanto a polícia abandonou a investigação que tivesse mais alguém no museu além do companheiro morto. - Explica o velho.

Os outros dois eram pouco mais jovens, um era alto, cabelo preto, ombros largos e musculoso, o outro também era alto, mas franzino, cabelos e olhos castanhos, tinha um brilho de impaciência no olhar que incomodava o velho. Ele se dirige aos dois: - Vocês vão ter que esperar mais dois dias.

O homem de cabelos castanhos olhou o velho fixamente e ele sentiu medo, pois os olhos dele refletiam muita raiva por ter que esperar mais dias naquele porão úmido e fétido. O homem musculoso agarra o braço do velho com força e diz: - Não estou gostando de ser deixado aqui. Nós vamos para onde?

— Vocês irão para França. Tenho ordens de evitar qualquer tipo de riscos, portanto sigam as instruções e não teremos problemas. Ninguém sabe do túnel, nem desse porão. O subsolo de Londres tem dezenas de túneis e este ainda não foi descoberto, então fiquem tranquilos. Boa sorte para todos. - O velho sobe a escada e sai fechando cuidadosamente o alçapão.

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Elas entram no Pub onde encontram os dois homens bebendo sem pressa, saboreando cada gole do dourado líquido escocês. Hércules e Gabrielle se surpreendem ao saber que Zina e Kevin já se conheciam. Sem muitos detalhes Zina comenta que ela e Kevin trabalharam juntos quando ele era funcionário da AGT. Depois perderam contato quando ele se mudou para Londres. Um rápido olhar de cumplicidade entre os dois passa despercebido dos outros.

Kevin, assim como Zina tinha uma identidade desconhecida do público; era um agente secreto da Guarda, agora fazia parte da célula Londres, trabalharam juntos em algumas missões muitos anos atrás quando ele era integrante da Central. Ela não podia negar que ele exerceu certo fascínio sobre ela na época. Era um homem manipulador, egoísta, tinha um lado violento e obscuro e nada nem ninguém era empecilho para ele alcançar seus objetivos.

A conversa inevitavelmente rumou para o caso do incêndio no museu. Gabrielle e Hércules se olhavam tentando encontrar um meio de desviar a atenção do outro casal do assunto, mas os esforços eram em vão.

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Em Boston, a milhares de quilômetros daquele porão em Londres, em um edifício de noventa andares de vidro e aço no centro empresarial da cidade, em uma sala com as mais avançadas medidas de segurança para garantir a privacidade, sete homens elegantemente vestidos cuja idade variava dos 50 aos 75 anos se reuniam. Eram conhecidos presidentes de importantes companhias multinacionais, banqueiros e magnatas do petróleo. Todos considerados indivíduos acima de qualquer suspeita.

— E nosso homem no museu? - Pergunta o homem de inquietos olhos verdes.

— Não desperta suspeita, é visto como um bom homem, abalado com o que aconteceu. Nem o Curador, um tal de Hércules Sorbo, nem a polícia suspeitam dele. - Responde o homem ruivo.

— Ótimo, mas o tal Kevin está me preocupando. Ele é inteligente e tem uma boa equipe, temos que reforçar as medidas de segurança. Temos que vigiar cada passo dele, qualquer tropeço e podem acabar encontrando alguma pista que chegue até nós. - Diz o homem mais velho conhecido como Grão-Mestre. Era um homem alto, olhar sério, rosto anguloso como de um imperador romano.

— E os nossos três homens? - Pergunta o homem de óculos.

— Um já está a caminho da Escócia, os outros dois seguirão para França amanhã à noite. - Responde o homem ruivo.  

A reunião prossegue com os homens discutindo as atitudes que seriam tomadas para reforçarem a vigilância sobre a equipe de investigadores. Depois de algumas horas o Grão-Mestre dá a reunião por encerrada.

............. Uma má notícia.

Sem que Zina soubesse Kevin faz um relatório detalhado ao novo Diretor de operações da Guarda, explicando sobre a necessidade de requisitar a agente especial para auxiliá-lo no caso, como também da necessidade de afastar temporariamente o Curador do museu para o bom andamento da missão.

— Você sabe que não posso trabalhar num caso sem determinação superior. - Observa a agente.

— Vai dizer que não se interessou e além do mais seria uma oportunidade de voltarmos a trabalhar juntos. Sinto saudades da nossa parceria. - Os olhos negros de Kevin brilhavam enquanto ele acariciava o rosto de Zina.

Zina se esquiva. - Esqueça Kevin, nosso tempo já passou. Além do mais estou em Londres à passeio.

Kevin sorri e diz: - Lamento minha querida, mas acho que seu descanso acabou!

— Não se atreva a fazer nada, entendeu? - Os olhos azuis de Zina faíscaram de raiva, sua fisionomia ficou tensa.

— Já fiz. Pedi que designassem você para trabalhar comigo nesse caso. - Diz o homem não escondendo o ar de malvada satisfação.

Num rompante de raiva Zina segura o homem pela gola do casaco. - Desgraçado! Filho da P - Kevin interrompe a frase.

— Ora ora, que coisa feia..., uma mulher tão linda como você falando essas coisas? - Kevin debocha enquanto tenta soltar as mãos da agente de seu casaco.

Zina já previa um sério desentendimento com Gabrielle. Ela não podia recusar uma missão, mas seria quase impossível fazer Gabrielle entender isso.  Aquela meiga criatura explodiria num acesso de raiva e depois reagiria mergulhando num silêncio gélido, ignorando sua presença por dias e isso a irritava imensamente.

Fuzilando Kevin com o olhar ela pergunta: - E como você vai explicar ao Hércules minha participação nas investigações?

— Isso já está sendo resolvido. - Responde Kevin. O homem se aproxima e tenta acariciar Zina, mas recebe um violento empurrão.

— Não se atreva a me tocar cretino! - Diz Zina. O olhar carregado de raiva mostra que ela estava a um passo de explodir toda raiva contida até o momento. Kevin conhece aquele olhar e se afasta. Ela sai furiosa batendo a porta da sala de Kevin.

Certos interesses trilham caminhos desconhecidos da população em geral. Quando esses interesses ultrapassam as fronteiras internacionais, não são medidos esforços para conseguirem seus objetivos e assim Hércules é designando para temporariamente substituir o Curador da National Gallery.

A notícia surpreende Hércules ao mesmo tempo que o preocupa. Será que o caso do incêndio tinha repercutido negativamente junto ao Secretário? Quanto ao departamento, Kevin sendo um investigador graduado o substituiria sem problemas.

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O celular toca, a chamada é atendida imediatamente. Zina recebe as instruções, seu semblante se torna tenso. Ela respira fundo pensando como dar a notícia a Gabrielle, que outra vez teriam o descanso interrompido pois tinha sido designada para uma missão.

Gabrielle observa a companheira, já pressentindo o que virá. A loira sentada na cama diz: - Deixe ver se eu adivinho... É sobre o caso do incêndio no museu, não é?

Zina responde: - É sim. - Ela já se preparava para a explosão raivosa de Gabrielle, mas não ouviu nenhuma palavra. Gabrielle se levanta e observa a rua pela janela.

— Diga alguma coisa. - Zina insiste.

— Não quero começar uma discussão. - A loira responde rispidamente, sem desviar os olhos da rua.

A reação de Gabrielle a deixava angustiada, antes a loira tivesse reclamado, gritado, xingado, mas não, ela se fechara em sua raiva e frieza.

Muitos minutos se passam até que Gabrielle sai da janela, excetuando um seco “boa noite”, não houve mais nenhuma palavra ou carinho. Deitou-se de costas para Zina, num claro sinal que não estava disposta a conversar sobre nada. Aconteceu o que ela temia, Gabrielle a ignoraria por dias.

............. A reunião.

Os homens espalhados por todo perímetro da mansão garantiam a segurança dos sete homens. O Grão-Mestre estava sentado na cabeceira de uma imensa mesa de madeira entalhada, a poltrona de encosto alto acolchoado lembrava um trono, realçando seu porte imponente.

No grande salão havia quatro janelas, mas as pesadas cortinas não deixavam entrar nem um raio de luz. Iluminado apenas pelas luminárias de parede, o ambiente assumia um ar soturno.

O homem de olhos verdes inquietos iniciou a conversa: - O tal Kevin está se intrometendo demais. Ele recebeu reforço na equipe, uma mulher.

— Temos como afastar esse pessoal do Departamento de Arte? - Pergunta o homem de óculos.

— Poderíamos pressionar o Secretário ou recorrer ao Primeiro Ministro, eles não vão gostar de saber que estão perturbando uma das maiores empresas do país. - Responde o homem de sotaque francês.

— Não, ainda não, vamos guardá-los como carta na manga. Usaremos nossa influencia como último recurso. – Diz o Grão-Mestre.

— Também poderíamos dar sumiço em alguns deles. Não podemos facilitar que uns investigadores curiosos se intrometam além do permitido. Concordam? - Diz o homem ruivo.

O Grão-Mestre cravou os olhos no homem. - Discordo. Acho que não devemos nos precipitar. Seria um erro afastar ou eliminar alguém da equipe agora, isso só confirmaria que existe mais coisa por trás do incêndio. Aí é que Kevin e o resto da equipe não desistiriam da investigação, mesmo contrariando ordens superiores.

 - E a tal mulher que chegou para a equipe? - Pergunta outro homem que estava calado até o momento.

— Se chama Zina, soubemos que ela e Nolan trabalharam juntos na AGT, uma empresa de informática sediada em Nova York, é analista especialista em Web. - Respondeu o homem de óculos.

— E nosso informante no departamento? - O Grão-Mestre pergunta.

— Fique tranquilo, ninguém suspeita dele. - Responde o ruivo.

— Mais alguma coisa? - Pergunta o Grão-Mestre.

— Os três homens já saíram de Londres, estão fora do alcance do Nolan. - Diz o homem de óculos.

O Grão-Mestre recostando-se na cadeira dá um profundo suspiro, tentando acalmar a raiva que mexe com suas entranhas. - Novamente nosso plano fracassou. Vocês não tem nada a dizer? - O silêncio dos homens irritou ainda mais o Grão-Mestre. Os seis homens se remexeram nas cadeiras inquietos, se entreolharam incomodados sem entender se ele os estava acusando.

............ O cálice.

Um dos fatos que intrigava Kevin além dos cadáveres era a coincidência que todos os incêndios sempre tinham origem na ala das relíquias sacras. A peça mais importante que estava sendo exibida naquela ala era o cálice que supostamente Jesus teria utilizado na última ceia e que segundo a lenda teria poderes milagrosos de cura e imortalidade. Desde que essa relíquia passou a ser exibida no British Museum, o prédio já tinha sido alvo de várias tentativas de roubo e incêndios “acidentais”. Kevin não acreditava em coincidências.

Kevin estava sentado a alguns metros da urna que guardava o cálice. - Já imaginou se o que dizem sobre os poderes que esse cálice tem forem verdade? - Questiona o homem.

Zina observa a urna calada, estava de péssimo humor. Se esforçava para manter a concentração, não podia deixar seus problemas particulares se misturarem com o trabalho. - Particularmente não acredito que esse artefato tenha poderes extraordinários como dizem. Não passa de uma lenda. - Zina responde secamente.

— Lenda? O teste de carbono 14 é indiscutível. O artefato já foi examinado pela NASA e mais três laboratórios diferentes e todos foram unânimes em dizer que o cálice é do século I. A probabilidade de erro é de 5%, a própria Igreja aceitou esse resultado. - Ele responde.

Ficaram em silêncio olhando a urna. O museu permaneceria fechado para o público por algum tempo; o cálice será levado para a caixa-forte do Bank of England. O Santo Graal era um dos tesouros mais preciosos do museu e dadas às circunstâncias estará mais protegido no banco.

Gregor se aproxima: - Chefe, o carro-forte já chegou.

— Certo, nós também iremos no carro-forte até o banco. - Diz Kevin olha para Zina e ordena. - Vamos indo.

Kevin a tratava como se fosse sua subordinada. Zina só devia obediência a seus superiores na Guarda e ele perceberia isso mais cedo do que poderia imaginar.

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Zina detestava deixar assuntos pendentes, ela entra no quarto e vê a loira sentada próxima à janela olhando a chuva que escorria pela vidraça. - Gabrielle, precisamos conversar.

— Tem razão, precisamos mesmo. - Gabrielle responde, senta-se na cama e encara Zina.

— Gabrielle... Sei que estou exigindo demais de você... Me culpo a cada dia por ter te envolvido nesse meu modo de vida. Sempre tive medo que você não suportasse as pressões e resolvesse seguir seu próprio caminho..., esse dia chegou, não é? - Zina sentia o gosto amargo do medo, a ideia de perder Gabrielle começa a desmoronar suas defesas, as lágrimas começam a escorrer pelo rosto e as palavras silenciaram sufocadas.

Gabrielle olha para Zina confusa e ao mesmo tempo surpresa. Ela se atira nos braços de Zina, as duas se abraçam com força como se quisessem fundir os corpos num só e choraram. 

Gabrielle contém o choro e acaricia o rosto de Zina enxugando as lágrimas dela e emocionada diz: - Confesso que quando aceitei as consequências de nossas vidas juntas não imaginava que minha vida se transformaria tão radicalmente, mas cheguei a conclusão que a vida é uma aventura para ser explorada. Sem aventura qual é a graça? Com você às vezes a aventura extrapola, mas é aí que fica interessante. Você faz parte da minha vida e eu te amo, mesmo com todas essas caóticas reviravoltas, jamais pensei em te deixar.

Zina segura o rosto de Gabrielle entre as mãos e a beija ternamente. O amor que sentia por aquela mulher era indescritível.

............. Pesquisando o passado.

— Então? - A poderosa voz masculina irrompe pela sala.

Qualquer novato saltaria de susto com essas entradas inesperadas de Kevin. Embora esteja com atenção voltada para a tela do computador, o sutil fechamento da porta não passa despercebido da agente.

— O que está lendo? - Pergunta Kevin se debruçando sobre a cadeira de Zina. Ela se limita a um olhar de canto de olho e continua a ler a pesquisa.

— A história do Santo Graal. - Zina responde friamente.

— E encontrou alguma coisa que possa ajudar nas investigações? - Kevin pergunta com sarcasmo.

Sem se abalar Zina responde: - Não, é só pesquisa por enquanto.

Kevin insiste: - É uma bela história, mas será que é verdade? - Pergunta o homem com olhar fixo nela.

— Muitos historiadores dão como certo alguns fatos que são lendas e nós achamos que são lendas alguns fatos que são história. - Zina responde, sem desviar os olhos da tela do computador e continua. - Que o cálice existe desde o século I, isso não tem o que discutir, mas daí acreditar que é milagroso... Aí a coisa muda para o mundo dos mitos.

Kevin dá uma risada: - Você sempre descrente não é?

Nesse momento, sonoras gargalhadas anunciaram a chegada de Mynia, Paulina, Gregor e Pompeu. Kevin tinha convocado a equipe para nova reunião. Foram relatados os procedimentos e novamente nenhum fato relevante que apontasse onde estava o fio da meada. Kevin sentia certo desânimo, pois a investigação não avançava.

Paulina se interessa pela leitura de Zina, senta ao seu lado e pergunta: - O que está procurando?

— Não sei..., sinceramente não sei. Está tudo muito confuso. Existem várias versões sobre o cálice, seus constantes aparecimentos e desaparecimentos durante os séculos. - Zina responde.

Com o conhecimento de historiadora Paulina fazia vários comentários complementando ou desmentindo as informações das pesquisas. Mynia fez várias interrupções durante a conversa entre as duas, como se quisesse chamar atenção da companheira. O olhar de Paulina silenciosamente recriminava Mynia que insistia em falar sem embasamento. Com as insistentes interrupções Paulina se impacienta: - Se você me deixar falar, já vai entender.

— Desculpe tem razão. Vocês duas aí conversando e eu fico atrapalhando. - Respondeu Mynia, fazendo uma careta.

Zina se divertia com a cena. - Não se preocupe, entendo bem o que é isso. - Murmura para Paulina com um sorriso significativo e uma piscadela. A conversa continua animadamente sobre o Santo Graal.

— Tem um episódio muito confuso na história do Graal. - Diz Zina.

— Só um? Eu diria todos. Segundo algumas histórias, o Santo Graal teria ficado sob a tutela da Ordem do Templo, também conhecida como Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão ou Ordem dos Templários, instituição militar-religiosa criada para defender as conquistas nas Cruzadas e os peregrinos na Terra Santa. Segundo uma das versões da lenda, os Templários durante as Cruzadas teriam encontrado e levado o cálice para a aldeia francesa de Rennes-Le-Château. Em outra versão, o cálice teria sido levado de Constantinopla para Troyes, na França, onde ele desapareceu durante a Revolução Francesa. - Conclui Paulina.

— Os Templários o levaram? - Interrompe Mynia.

— É difícil saber. Tudo é atribuído aos Templários, como se fossem super-homens capazes de qualquer coisa. - Zina responde.

As três mulheres continuaram falando um bom tempo sobre o assunto. Mynia fantasiando sobre os Templários, Paulina dando informações e Zina ouvindo e questionando as informações. Realmente a história do cálice não era um mar de rosas: guerras, incêndios, roubos... e tudo por sua posse, por homens acreditarem que certos objetos são mágicos.

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Zina não conseguia dormir, sua mente trabalhava as informações sem descanso, inexplicavelmente sentia que o fio da meada estava ligado ao passado, a história dos Templários era a chave para os mistérios.

Abriu a janela do quarto para deixar o ar frio da madrugada entrar.  Nesse instante Gabrielle se encolhe sob o cobertor. Ela olha a mulher com ternura, se aproxima da cama, acaricia e beija os loiros cabelos da companheira.

Gabrielle se remexe na cama, Zina se afasta para não acordá-la e liga o notebook. A história dos Templários martelava na sua cabeça. Embora desconfiando das  informações da Internet, encontrou uma página supostamente da própria ordem, mas como os Templários não existiam, resolveu telefonar para Marcus pedindo informações.

Alguns minutos depois, ele retorna a ligação. O endereço dessa página dos Templários estava em Londres, perfeitamente registrada e legal.

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Elas conversavam sentadas no banco da praça aproveitando o morno sol de meio dia. Gabrielle se distrai jogando comida aos pombos.

— Quer dizer que a senhora está interessada nos Templários. Para mim foi surpresa saber que a ordem ainda existe e que tem um site na Internet. - Diz Gabrielle.

— Não se iluda, os Templários como imaginamos, não existem mais. Não dê asas à imaginação pensando em cavaleiros com espadas em punho e escudos. Estamos no século XXI. - Zina debocha.

— Engraçadinha. Pode deixar que vou pesquisar, afinal nós somos parceiras não é? - A loira dá uma risada.

Gabrielle marca uma entrevista com o diretor da instituição para o dia seguinte. Mal consegue dormir tamanha a ansiedade do encontro. Ela toca a campainha da casa que parecia residência de algum rico lorde. Recebida pelo mordomo foi encaminhada para a sala onde estava um senhor que aparentava pouco mais de oitenta anos. O homem a recebe com a tradicional formalidade inglesa.

Ao mesmo tempo em que ela se acomoda na poltrona, o mordomo entra com o serviço de chá. Durante alguns minutos Gabrielle respondeu as perguntas do homem que mostrava interesse pelo seu trabalho de arqueóloga, até que finalmente decidiu ir ao assunto.

— Em que posso ajudá-la jovem? - Pergunta o diretor.

— Para mim foi uma surpresa saber que a Ordem dos Templários ainda existe. Queria saber o que fazem..., a que se dedicam e também gostaria de lhe perguntar sobre alguns fatos históricos de que tomaram parte. - Diz a loira.

Durante vários minutos Gabrielle escuta a narrativa desde a época em que a Ordem foi criada no século XII, de sua participação nas Cruzadas, de quando foi proscrita pelo papa Clemente V no século XIV, passando por sua participação em vários eventos nos séculos XV, seguindo pelos séculos posteriores, até sua participação na Revolução Francesa, na independência da Grécia e na resistência francesa na II Guerra.

— Mas como... - Gabrielle tenta perguntar algo, mas o idoso a interrompe continuando com a narrativa.

— Durante séculos os Templários se mantiveram participando silenciosamente desses acontecimentos, mas desde 1705 a Ordem não se oculta mais. Atualmente nossa instituição se encarrega de estudar a história da Ordem do Templo desde a sua fundação até hoje, revisando como historiadores alguns acontecimentos obscuros.  Insisto que você não encontrará uma organização como a dos séculos XII ou XIII.

Após alguns minutos de silêncio, o diretor volta a falar: - Estou vendo que ficou decepcionada.

— Não, é que... - Novamente Gabrielle é interrompida pelo homem.

— Você esperava que eu fosse um cavaleiro com armadura? - Diz o homem sorrindo. - Sou apenas um professor aposentado estudioso sobre o assunto.

Gabrielle sentia que por trás das palavras do idoso tinha muito mais a ser dito e resolveu continuar a entrevista: - O senhor poderia me ajudar a entender um acontecimento, que pelo que sei os Templários estiveram envolvidos.

— Se for do meu conhecimento... - Diz o homem.

— Queria saber se os Templários eram guardiões do Santo Graal na época da Revolução Francesa, que é quando foi visto pela última vez! - Pergunta Gabrielle.

Embora o homem demonstrasse controle de suas emoções até o momento, uma remexida na poltrona não passou despercebida da loira.

— Ah o Santo Graal! Quantas polêmicas e lendas... Minha opinião como historiador é que a Ordem do Templo nada teve a ver com a guarda ou o desaparecimento da relíquia... Bem jovem, agora se me der licença tenho um compromisso, vou deixá-la na companhia do professor Barnes, ele lhe dará as informações que precisar. - O homem toca a sineta e o mordomo aparece. - John, acompanhe a jovem até a biblioteca.

Gabrielle fica maravilhada com o gigantesco acervo, é cumprimentada pelo professor, um homem agradável, aparentando pouco mais de sessenta anos. Gabrielle fica impressionada com as explicações e documentos que o professor Barnes lhe fornece sobre a história dos Templários.

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— Chefe, por favor, não tire os pés do chão. - Diz Gregor.

As palavras de Gregor incomodaram Kevin. - Porque você acha isso?

— Você está se deixando levar por essa mulher e pela Paulina. Acham que os incêndios têm a ver com o passado, passagens secretas, túneis misteriosos..., isso é irracional, chefe. - Desabafa Gregor.

Kevin avaliou as palavras do investigador. Tinha lógica o que ele disse, mas seu instinto dizia que devia dar crédito a Zina, por mais estranha que parecesse sua linha de investigação. - Pode ser que você tenha razão, mas não temos nada a perder. Tudo tem uma relação. - Rebate Kevin.

— Então me explique que relação é essa! - Desafiou Gregor.

— Você me parece um bom policial para que se explique o óbvio, mas já que insiste... - Todos se viram para olhar Zina que parada na porta assistia a conversa. Ela se aproxima da mesa e senta-se em frente à Gregor encarando-o.

— Vejam o Zelador do museu, estava lá no último incêndio e em todos os que aconteceram e curiosamente, nunca viu nada... Seria bom você e Pompeu voltarem a falar com ele e insistir se tem algum detalhe que ele tenha esquecido de falar. - O tom de comando com que Zina se dirigiu aos dois investigadores, surpreendeu a todos.

Gregor e Pompeu se entreolharam e em seguida olharam para Kevin, como questionando com que autoridade aquela mulher falava daquele modo. Kevin pego de surpresa se limitou a um sorriso sem graça.

— Quem você pensa que é? - Esbravejou Gregor se dirigindo a Zina.

— Calma, calma... - pediu Kevin tentando amenizar a situação. - Seria ridículo brigarmos entre nós. - O clima ficou tenso na sala.

Zina questiona sobre o velho que está na sala, mesmo durante as reuniões. O idoso se sentia embaraçado com o olhar fixo da mulher.

— Ele é o faxineiro, trabalha aqui há muitos anos. - Responde Kevin. Diz que estão acostumados com ele que nem percebem sua presença.

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Em Boston brilhava um sol primaveril. O Grão-Mestre afastou-se da janela que filtrava a luz da manhã.  Não ouviu os passos do homem de sotaque francês, que era seu sucessor na hierarquia. Era o único a quem o Grão-Mestre permitia um tratamento mais pessoal.

— No que está pensando? - Pergunta o homem.

O Grão-Mestre dá um profundo suspiro e diz: - Vou viajar e você assumirá o comando temporariamente. Tenho que resolver alguns problemas.

— Você não deveria ir. Principalmente agora que a polícia está investigando a empresa. É uma jogada demasiado óbvia você se ausentar nesse período. Pode ser uma armadilha. - Diz o homem de sotaque francês.

— Sou presidente de uma empresa multinacional. Para todos os efeitos estou viajando à negócios. - Responde o Grão-Mestre.

Eles se encaram em silêncio por alguns segundos. - Porque não deixamos a clandestinidade? - Arrisca o homem.

— Ficou louco? Acha mesmo que sobreviveríamos se disséssemos quem somos? - Esbraveja o Grão-Mestre.

— Centena de vezes disse a mim mesmo que deveria ir embora, mas não fiz e não farei e você sabe disso. Muitas vezes me pergunto se nossos métodos são corretos, estamos nos tornando, principalmente você, sem sentimentos, sem piedade de nada nem de ninguém, duvido dessa loucura que vem se perpetuando à séculos. - Diz o homem de sotaque francês. 

— Você se atreve a questionar as bases de nossa Ordem? Atreve-se a dizer que nossos antepassados estavam errados? Acha que é fácil cumprir os mandamentos de nossos antecessores? - Pergunta o Grão-Mestre encarando o homem nos olhos. - Vou viajar amanhã está resolvido, agora me deixe trabalhar.

O homem de sotaque francês se dirige à porta, fechando-a com força.

............. A investigação.

— Você só pode estar louca. - Diz Mynia.

— Mynia, tenho certeza que os homens entram e saem por algum lugar que não é a porta e o subsolo de Londres é um verdadeiro queijo suíço. Estão cheio de túneis, vocês sabem disso. - Diz Paulina.

Zina ouvia as duas mulheres em silêncio, mas concordava com Paulina. Zina estava convencida que essas operações em torno do cálice eram obra de uma organização que pretendia roubá-lo do museu, mas que organização seria essa? Esse método de trabalho não era característico da Dragão Verde. Seus pensamentos são interrompidos pela voz de Mynia.

— Nós estudamos as plantas, não tem nenhum túnel que chegue perto do museu, a não ser o do metrô. - Insiste Mynia.

Zina interfere: - Mynia, não sabemos tudo que existe no subsolo de Londres, não duvido que alguma dessas galerias que parecem não dar em lugar nenhum, na verdade leve ao museu.

— Resumindo, você acha que existe uma organização ou uma pessoa que quer o cálice? - Questiona Kevin.

— Pode ser um colecionador ou uma organização criminosa que depois pediria um valor bilionário para devolvê-lo. O cálice é um ícone para toda comunidade cristã mundial. - Diz a agente.

— Vocês continuam insistindo nessa história de passagem subterrânea que levaria até ao museu? Não tem cabimento. - Diz Gregor olhando para Zina e Paulina e continua. - As plantas foram inicialmente feitas pelo exército na época da II Guerra, o próprio Churchill mandou aproveitar túneis e ampliá-los em alguns ramais para abrigar a população durante os bombardeios e a partir daí foram atualizadas a cada dez anos e em lugar nenhum se menciona a existência dessa passagem.

— Mas isso não quer dizer que não exista. - Paulina insiste.

— Nem que exista. Não acredite em todas as histórias fantásticas que contam sobre os subterrâneos de Londres. - Diz Pompeu.

— Eu sei, mas acreditem que nem toda história está escrita, não sabemos tudo que aconteceu no passado. - Paulina diz.  

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Zina passa boa parte da manhã reexaminando as plantas. - Você está obcecada com essa ideia das galerias subterrâneas hein? - Ironiza Kevin.

— É só uma especulação, para não deixar nenhum ponto solto. - Responde a agente. - Meu instinto diz que devemos investigar essas galerias. - Kevin se mantém calado alisando o cavanhaque.

Kevin decidiu no último minuto que iria acompanhar Zina e Paulina na exploração dos túneis fechados ao público. Acompanhados de quatro homens do Corpo de Bombeiros, começaram a percorrer os túneis.

Nos mapas da Londres subterrânea que a prefeitura tinha, existia uma outra cidade onde a história e a fantasia se cruzavam a cada passo. Sempre que ela e Paulina insistiam em seguir por um túnel em mau estado ou indicavam alguma parede para derrubar e ver se por trás haveria algum túnel desconhecido, o comandante da equipe de bombeiros era irredutível quando se tratava de segurança. Dizia que tinha ordens de guiá-los pelos túneis e não de por em risco nenhuma vida entrando em galerias com escoras precárias e nem abririam buracos nas paredes.

............. Os Templários.

Os sete homens eram depositários de um segredo que marcavam suas vidas como marcaram a de seus pais e antepassados. Todos carregavam o peso de suas linhagens de descenderem de grandes Templários, recebendo honrarias e sacrificando sua natureza humana durante séculos, todos fizeram votos de castidade e obediência, não frequentavam festas de famosos e apesar de bilionários, não faziam alarde do dinheiro ou do poder que possuíam.  Por séculos a Ordem do Templo mantivera o segredo do Santo Graal.

Caía a tarde quando o Grão-Mestre chamou os seis homens da Ordem para uma reunião na mansão. Chovia demasiado, os homens conversavam animadamente no salão acomodados em confortáveis sofás de couro. O Grão-Mestre entra, os homens o cumprimentam. Ele quer informações sobre o andamento das investigações.

— Nosso homem do museu garante que está sendo vigiado, que no museu ninguém confia nele e que os policiais permanecem investigando para pegá-lo. Ele está amedrontado, deveríamos tirá-lo de lá. - Informa o homem de óculos.

— Senhor estamos preocupados. Nosso contato na polícia disse que os investigadores acreditam que os incêndios no museu não foram acidentes. Continuam interrogando os operários, estão percorrendo as galerias subterrâneas tentando encontrar uma passagem para o museu. Temos que tomar uma providência, eles estão chegando perto demais. - Diz o homem de sotaque francês.

— Chegou a hora de agir - disse o homem de óculos. - É hora de pressionar nossos “amigos” para frearem o tal Kevin e seu grupo.

— Talvez devêssemos esperar os próximos passos deles antes de agir. - Pondera o homem ruivo.

— Discordo, eles não são bobos, são experientes. Seria perigoso deixar as investigações avançarem. - Insiste o homem de óculos.

— O que o senhor quer fazer? - A pergunta do homem de inquietos olhos verdes foi dirigida ao Grão-Mestre. Um silêncio pesado se instalou entre os sete homens.

— O que deve ser feito. Seremos mais radicais, acontecerão “acidentes” com alguns investigadores. - Responde o Grão-Mestre.

— Não deveríamos nos precipitar. - Insiste o homem ruivo.

— Não fizemos nada até agora, por isso eles chegaram tão longe em suas investigações. Quero o consentimento de vocês, mas a palavra final é minha. - Afirma o Grão-Mestre.

Os homens se mostraram desconfortáveis com a situação. A tensão era cada vez maior. - Decidam, não temos mais tempo. - Pressiona o Grão-Mestre.

— Que seja feito! - Responderam todos.

O Grão-Mestre comunica a todos que vai viajar e que a Ordem e a operação ficarão sob o comando do homem de sotaque francês e dá a reunião por encerrada.

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O professor Barnes olhou Gabrielle desanimado. Fazia dois dias que ela estava remexendo os arquivos. Ele tinha sido cuidadoso, procurando evitar que ela tivesse acesso a fatos que não podiam ser de conhecimento do público. Gabrielle fazia perguntas procurando encontrar algum fato que pudesse ajudar Zina.

Ela faz uma pergunta que deixa o professor embaraçado. - Que tesouro é esse que os Templários se referem? Era algo de muito valor, não?

— Que interessante! E que tesouro seria esse que você acha que eles guardavam? - Pergunta o professor.

— Uma coisa concreta, um objeto de muitíssimo valor para a Ordem do Templo e de certo para toda comunidade cristã como o Santo Graal, por exemplo. - Gabrielle responde como uma “alfinetada”.

O homem dá uma risada nervosa, o tom de voz áspero denuncia que Gabrielle tocou num ponto frágil. - Isso é a coisa mais absurda que já ouvi. - Diz o homem.

Ignorando a observação do professor Gabrielle insiste: - O senhor poderia me mostrar os registros da última vez que o Graal desapareceu?

— Já está tarde, mas vou tentar conseguir os documentos para amanhã. Se conseguir lhe telefono. - Afirma o homem.

— Sei que estou atrapalhando o seu trabalho, mas como vocês se dizem os verdadeiros herdeiros da Ordem do Templo, nenhum lugar melhor para se conseguir informações confiáveis para escrever meu livro. Depois de amanhã estarei voltando para Nova York. - Blefa a loira.

— Ah, vai embora? - Pergunta o homem sem esconder seu alívio.

— Vou e pelo visto o senhor ficou contente com minha partida. - Diz a loira.

O homem ficou desconcertado com a observação: - Por favor, me desculpe... não foi isso que... - Gabrielle o interrompe. - Tudo certo, não se preocupe.

Gabrielle se despede e sai da mansão. Estava cansada, passara o dia inteiro lendo. Para alguns fatos havia relatos detalhados, outros se limitavam a dados sem datas e relatos anônimos.

Foi direto para o hotel. Uma coisa martelava em sua cabeça, por que sempre que ela perguntava sobre a possibilidade dos Templários serem os guardiões do Graal, o professor se irritava e dizia não existir nenhum documento, nenhuma fonte que confirmasse essa teoria absurda. O professor dizia que entendia a superstição das pessoas, mas como historiador só lhe interessava os fatos incontestáveis, comprovados por várias fontes.

Entrou no quarto, Zina não estava, queria se enfiar na cama, pois a noite estava muito fria. Com as informações que colhera durante o dia borbulhando em sua cabeça ela adormece.

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— O que vamos fazer? - Pergunta Pompeu.

— Você não ouviu o chefe? Nós agora estamos subordinados aquela vagabunda. - Responde Gregor.

— Incrível... A mulher aparece do nada, não sabemos quem é e de repente está mandando em todo departamento... Até no chefe. Ela deve ter as “costas quentes”. Só pode ser. - Diz Pompeu.

— Do jeito que o chefe olha para ela, tenho certeza que ele está completando a investigação na cama. - Diz Gregor soltando uma risada maliciosa. - E verdade seja dita, ela é muito gostosa, um pedaço de mulher.

Pompeu responde com outra risada e completa: - É..., o cara está se dando bem, mas vamos trabalhar. Vamos ver o Zelador.

A campainha toca. O velho abre a porta e ao deparar com os dois investigadores, imediatamente começou a tremer. - Gostaríamos que o senhor tentasse se lembrar de algum detalhe, alguma coisa que tenha chamado sua atenção. - Diz Gregor.

Com a voz trêmula ele responde: - Eu já estou velho, tenho medo que pensem que já não sirvo como Zelador e me demitam justamente por que não tive atenção quando fiz a vistoria pelo museu. Vocês não podem me deixar em paz? Já contei tudo o que lembro.

Os homens o olham sem saber se era um bom ator ou se era mesmo inocente como parecia. - Bem, mas voltemos ao dia do incêndio. - Insiste Gregor.

— Eu já disse tudo que me lembro. Se tivesse lembrado mais alguma coisa teria procurado vocês. - Afirma o velho.

Após várias perguntas, Gregor fez um sinal para Pompeu. Se despediram e saíram. - O que você acha? - Pergunta Gregor.

— Perdemos nosso tempo. Não sei, parece que ele está abalado mesmo, mas é como a morena falou, é muito estranho ele trabalhar no museu e em nenhum dos incêndios ver nada. - Responde Pompeu.

............. O dossiê.

Gabrielle relata o que descobriu sobre os Templários e o Graal, mas sinceramente não via em que essas informações poderiam ajudar nas investigações, mas enfim agora era com Zina analisar e investigar.

Zina se surpreendeu com a quantidade de informações que Gabrielle tinha conseguido. - Como conseguiu tudo isso em tão pouco tempo? - Diz Zina curiosa olhando a quantidade de papéis sobre a mesa.

A loira dá um sorriso e responde: - Segredo profissional.

— O que você andou aprontando? - Diz a agente olhando Gabrielle com seriedade.

— Nada demais, eu apenas disse que estava escrevendo um livro, uma história documentada sobre os Templários, distante de interpretações mágicas, lendárias e misteriosas. Queria fatos e não especulações e aí foi fácil. - Explica a loira e continua. - Por que está tão interessada no Graal?

— Por que é um objeto polêmico e que além disso, parece atrair mortes, incêndios, roubos de museu e etc. - Responde a agente.

— Veja isso que interessante. - Diz Gabrielle mostrando um papel assinalado. - As grandes famílias dos tempos dos Templários tiveram descendentes e chegaram até nossos dias.

— Mas eles não eram celibatários? - Questiona Zina.

 - As grandes famílias se sucederam em vários ramos e muitos membros preservaram o juramento e as tradições dos Templários e os descendentes dessas famílias vivem atualmente na França, na Escócia e aqui em Londres. - Explica Gabrielle.

— É isso! Agora as coisas estão se encaixando. - Diz a agente radiante.

— Como assim? - Pergunta Gabrielle confusa.

— Veja, segundo esses registros da Ordem a notícia que se tinha do cálice foi que durante a Revolução Francesa ele tinha desaparecido não é? - Sem dar chance da loira responder, ela continua. - Então significa que até esse período o cálice estava em poder dos Templários. Como naquela época as pilhagens eram constantes, em algum momento o cálice foi encontrado e roubado deles, sendo novamente encontrado no povoado de Lirey, no norte da França. A partir daí as viagens do Graal foram acompanhadas e fortemente vigiadas até ele vir parar no museu.

— Então talvez essas tentativas de roubos e os incêndios... - Gabrielle é interrompida.

— Isso..., talvez eles estejam querendo reaver o cálice. - Completa Zina.  

—  Mas e os homens mortos, onde eles se encaixam nisso? - A loira questiona.

— Lembre-se que a Ordem dos Templários sempre foi uma comunidade secreta e com certeza pretende continuar a ser. Eles devem ter gente que se encarregam que não tenham delatores, caso o plano não dê certo. - Responde a agente.

— Mas por onde eles entram e saem do museu? - Gabrielle pergunta.

— Isso é o que tenho que descobrir. Meu palpite são os túneis. - Afirma Zina.

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— Andei investigando mais a fundo o presidente e a empresa. Geoffrey DeCharnay tem participação em seis grandes empresas: produtos químicos, siderúrgicas, petrolíferas, bancos, enfim um verdadeiro tubarão das finanças. - Diz Paulina.

— Não tem nada demais esse homem ser sócio em várias empresas. Tem muita gente como ele. - Diz Pompeu.

— Mas vejam que interessante, todos as seis empresas em que ele participa, também são grandes acionistas da empresa dele. Um circulo quase fechado. - Responde a investigadora.

— E o que isso tem a ver com os Templários? - Questiona Gregor.

— Esse assunto sobre os Templários sempre me fascinou. Há cinco anos venho estudando tudo que se refere a eles. - Explica Paulina - Descobri uma coisa curiosa: todos os presidentes das companhias que fazem parte dessas empresas são homens solitários, riquíssimos bem relacionados e com uma ideia fixa: impedir que estranhos entrem nesse círculo. Acho que existe um grupo Templário bem estruturado, silencioso e seus integrantes ocupam posições eminentes acima de qualquer suspeita, encravada no coração da alta sociedade. Não sei quem são, mas acho que os herdeiros dos verdadeiros Templários, fazem parte dessa organização.

— Lá vamos nós de novo! Menos fantasia, por favor. Vocês estão fazendo uma novela desse caso. Essa história do cálice, de Templários já virou obsessão. - Reclama Gregor.

Zina olha para o homem. Kevin se remexe na cadeira e olha Zina como se esperasse uma reação, mas ela ouve tudo calada. Kevin sabe que ela está analisando cada palavra dita.

Paulina continua: - Eu acredito que existem dois mundos: o que vemos e onde vivemos e outro clandestino, do qual nada sabemos que é onde vivem diversas organizações, econômicas, esotéricas ou lá o que sejam que movem os fios dos acontecimentos conforme suas conveniências. - Kevin lança um rápido olhar para Zina, que entende o significado. Paulina não sabe o quão perto ela está da realidade que envolve os dois agentes secretos e sua organização. - E nesse submundo é que está o novo Templo, a nova Ordem dos Templários. - Paulina conclui.

Os ânimos entre Paulina e Gregor foram se exaltando. Kevin percebe que as coisas estavam fugindo ao controle e chama atenção rispidamente dos dois subalternos. Como a reunião não progredia, Kevin encerra a reunião, que todos fossem para casa esfriar a cabeça e queria todos bem cedo no gabinete no dia seguinte.

Zina, Paulina e Mynia caminham em silêncio pelo corredor em direção à saída. - Paulina você não vai entregar o documento para ela? - Mynia sussurra, quebrando o silêncio.

A agente olha para as duas mulheres. Paulina examina o corredor e entrega discretamente um dossiê a Zina.

— Esse é um resumo do meu trabalho durante os últimos cinco anos. As “coincidências” entre as mortes de todos que investigaram e se aproximaram muito deles. Estou confiando em você, mas não mostre isso a ninguém, não confie em ninguém. “Eles” tem ouvidos em toda parte, na polícia, no parlamento, no judiciário... em toda parte.

— E por que está confiando em mim? - Questiona a agente.

— Pense o que quiser, mas eu e Mynia confiamos em você. Nossa linha de investigação está coincidindo em muitos pontos. - Responde Paulina e completa: - Se esses papéis caírem em mãos erradas, todos nós correremos risco de vida.

............. O assassino.

O ar do Pub era pesado, a fumaça das dezenas de cigarros e charutos pairava no ar criando uma atmosfera quase irrespirável. O barulho das vozes dos frequentadores, a maioria deles bêbados, era muito acima do normal. Todos estavam eufóricos comemorando a conquista de mais um título no futebol. Não era um local que ele frequentaria, mas tinha certeza que ali se mantinha a salvo de olhares curiosos.

O encontro seria às dezenove horas, ainda faltavam trinta minutos, mas fazia mais de uma hora que ele andava pelas redondezas observando a área. Os trinta minutos se passaram e nenhum sinal do homem, ele vai ficando nervoso com a demora, alguma coisa estava errada era melhor sair dali. O choque do ar gélido da noite batendo em seu rosto o faz encolher-se com frio, ele fecha o casaco. Poucas pessoas caminham pelas ruas de Edimburgo aquela hora, o vento frio é cortante.

O passageiro de um luxuoso carro preto de vidros escuros estacionado próximo ao Pub observa o homem caminhar pela calçada com passos rápidos, certificando-se que ele não está sendo seguido. Ninguém sabia que ele estava na Escócia, nem mesmo seu sucessor que tinha ordens expressas para coordenar a operação contra os investigadores do Departamento de Arte, mas ele por sua vez montaria uma operação paralela. O homem que estava seguindo era um assassino profissional que sob as ordens dos cavaleiros da Ordem era encarregado de manter a clandestinidade da Ordem do Templo. Um homem que trabalhava sozinho e que nunca falhava.

O carro fica paralelo ao homem, abaixando o vidro o passageiro diz: - Procuro um homem para uma sagrada missão. - A voz forte do Grão-Mestre o assusta, nunca tivera contato direto com ele, sempre as ordens foram transmitidas por terceiros. O matador entra no carro, o Grão-Mestre faz sinal que o motorista siga passeando pelas ruas da cidade sem destino certo.

— Quero que elimine uma pessoa. - Diz o Grão-Mestre. Sua figura imponente provoca respeito até mesmo num homem sem respeito pela vida humana, que faz da sua frieza uma profissão.

— É o que faço de melhor senhor. Trouxe a foto? - Diz o homem.

O Grão-Mestre passa a foto do alvo. O assassino examina a foto. Uma linda mulher de cabelos negros, rosto de traços fortes e olhos azuis. Ele se surpreende, pois nunca tinham mandado matar uma mulher, se assim estavam querendo é porque ela representava um grande perigo para Ordem e seus membros. Mas ele não discutia ordens, apenas as executava. Ela estava com os dias contados.

Durante vários minutos o matador recebeu as informações necessárias, saiu do carro e sumiu nas sombras da cidade.

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Zina e Paulina convenceram Kevin a ativar seus contatos para autorizar continuarem sua investigação pelos túneis. Apesar de contrariado, o chefe do Departamento de Arte fez o pedido diretamente ao Secretário de Cultura. O homem esbravejou, alegando que seria colocado em risco várias vidas. Isso repercutiria negativamente em sua vida política caso acontecesse algum acidente, mas por fim Kevin o convencera de que era necessário para a investigação, pelo menos ficaria definitivamente descartada a hipótese da existência de uma passagem desconhecida para o museu.

Quando Kevin contou, Paulina sorriu satisfeita: - Chefe você é ótimo, sei o que deve ter te custado.

— É melhor vocês não darem nenhum fora ou o Primeiro Ministro vai nos mandar tirar pó dos arquivos. - Responde o chefe.

............. Caçando um pássaro.

— Ficou claro? - Perguntou Kevin.

— Sim chefe. - Mynia, Gregor, Pompeu e Paulina responderam quase juntos. Zina limitou a balançar a cabeça afirmativamente. Kevin montara um esquema junto ao comando do Corpo de Bombeiros para explorarem minuciosamente os túneis. O comandante não teria como dificultar os trabalhos, uma vez que agora a ordem vinha de seu superior.

Mynia não sabia por que, mas estava nervosa e sentia que Paulina também estava, já Kevin, Gregor e Pompeu mostravam que para eles aquela era apenas mais uma operação. Todos exceto o chefe estranhavam a frieza que Zina demonstrava. Será que ela tinha noção do risco que correriam explorando aqueles túneis abandonados, mal escorados e sem iluminação? E o que uma especialista em Web estava fazendo naquela equipe? Uma pergunta que o chefe nunca deu explicação.

— Kevin, tenho motivos concretos para acreditar que nossas respostas estão naqueles túneis. - Zina disse. - Todos olharam na direção da mulher sentada na outra cabeceira da mesa.

— Quanta besteira! - Esbraveja Gregor. - Quanto tempo ainda vamos aturar essas explicações irracionais?

Repentinamente Zina se levanta e se dirige para onde Gregor está sentado. Ele tenta se levantar, mas um violento empurrão o fez sentar aos tropeços na cadeira. Com os olhos azuis chispando de raiva, Zina apoiou as mãos nos braços da cadeira, encarou seriamente o investigador e disse: - Estou farta da sua idiotice. Você não tem o direito de desqualificar tudo que não coincida com o que você pensa.

O homem se descontrola. - VAGAB... - Foi interrompido com um forte tapa que calou sua fala. Toda equipe que até o momento se limitava assistir o confronto ficou em alvoroço, tentando acalmar os dois lados. Gregor tenta reagir, mas é dominado por Pompeu e Mynia; volta a sentar-se limpando o sangue do pequeno corte no lábio, encara Zina com um olhar de puro ódio.

— PAREM COM ISSO! - Interveio Kevin fazendo valer sua autoridade. - TRATEM DE SE ACALMAR AGORA MESMO!

Zina volta a sentar-se sem desviar os olhos de Gregor.

— Por mais absurda que possa parecer essa teoria, não podemos desprezar nenhuma possibilidade. - Afirma Kevin irritado.

Zina e Gregor se encaram como se a qualquer momento fossem se atracar numa luta corporal. A tensão entre ambos era evidente.

— Eu acho é que estamos diante de uma organização criminosa, uma quadrilha de ladrões com conexão em vários países, isso sim. - A observação de Pompeu quebrou parcialmente a tensão da equipe.

— Pelo menos a investigação nos leva a um ponto comum. Nenhum de nós acredita que os incêndios foram por acaso. - Completa Mynia.

Gregor era um bom investigador, mas se descontrolava com facilidade. Embora fosse um ex-agente de elite da polícia de Londres, não era páreo para um agente da Guarda do nível de Zina.

O assunto da reunião é retomado e Zina continua a expor suas análises, sempre mantendo os sentidos em alerta esperando qualquer reação de Gregor, mas o homem se limita a remoer seu ódio, alheio ao assunto que o grupo passa a analisar e discutir.

.................................................

Longe dali, em Boston era noite e chovia, já passava da meia-noite, os sete homens se reuniam novamente no prédio de noventa andares. Não podiam mais esperar. A polícia continuava investigando o museu, a empresa, o Zelador, os operários e os túneis.  O contato na polícia se queixava daquela mulher que sempre o olhava de um jeito estranho. Ela era cordial com ele, mas havia algo em seus olhos que o avisava para ter cuidado com ela. Um olhar frio, analítico e intimidador. Era assim que o velho sentia.

A missão que os membros leais da Ordem tinham pela frente era necessária, era preciso dar fim as investigações antes que fosse tarde demais. Contariam com alguns membros infiltrados na polícia que não deveriam correr riscos de serem descobertos, no entanto se algum deles tivesse oportunidade de matar algum investigador, deveria fazê-lo sem hesitar.

— Está tudo pronto, mas estou preocupado com a situação. O tal Kevin não está poupando homens nem meios. Não vamos nos expor demais se começarmos a matar os investigadores? - Perguntou o homem de sotaque francês.

— Eu também acho que a eliminação de alguns deles levantará mais suspeitas. - Acrescentou o homem ruivo.

— Estou mais preocupado com a Paulina e a tal de Zina. As conclusões que ambas chegaram se aproximam perigosamente de nós. Temos que detê-las. - Diz o homem de inquietos olhos verdes.

Um silêncio se instalou na sala. - Vamos fazer o que tem que ser feito e não vamos esperar nem mais um minuto. - Disse o Grão-Mestre e continua. - O contato com nosso homem já foi feito, o serviço já foi determinado. - Todos se calaram, sabiam que no fundo ele tinha razão.

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Ninguém reparou no homem que andava calmamente olhando as vitrines. Por três dias seguiu os passos de Zina, montava vigia próximo ao hotel e na entrada do departamento. Observou que sempre após o almoço ela saía do hotel acompanhada de uma loira. Caminhavam até a Trafalgar Square, a praça mais visitada e conhecida de Londres. Sentavam por algum tempo em qualquer banco, conversavam enquanto loira jogava alimento para os pombos. Depois retornavam para o hotel e a mulher voltava para o departamento. Não podia atirar nela, seria loucura. Teria que mudar a tática, não estava disposto a arriscar a pele. Sua maior qualidade além de assassinar era a prudência, nunca deu um passo em falso.

Zina sentia-se vigiada, seu instinto alertava que não era seguro se expor e nem Gabrielle daquela forma, por mais que a loira insistisse que deveriam aproveitar o ar londrino pelo menos algumas horas. Ela observava a paisagem ao redor, analisando o local e as pessoas que andavam pela praça. Sua atenção se concentrava no homem que a seguia à três dias.

No terceiro dia Zina muda o itinerário de retorno ao hotel. Das quatro saídas da praça ela escolhe o caminho que dá para a National Gallery. Após deixar Gabrielle no hotel, no percurso a agente para em frente algumas lojas, o homem a segue à distância se misturando aos pedestres; agora ela tem certeza absoluta que está sendo seguida. Ela vira-se e segue na direção do homem. O homem cravou os olhos em Zina durante alguns segundos e apressa o passo para o portal de saída.

Zina acelera o passo, põem a mão em concha sobre o ouvido e informa a alguém do departamento: - Estou seguindo um “pássaro”.

O homem está tenso, tinha sido descoberto. Zina se aproxima, o homem vira-se rapidamente, ela tem tempo de se desviar da facada mortal, mas mesmo com a rapidez dos seus reflexos seu braço é atingido provocando um corte profundo. Ela reage e com um preciso golpe o fere com sua própria faca.

As pessoas próximas que presenciaram a cena pensam se tratar de assalto e começam a correr e gritar, o homem pôs-se a correr. Paulina vê Zina ferida e corre para socorrê-la.

— Nosso “pássaro” está voando. - Zina se comunica com os outros dois investigadores que estavam misturados as pessoas.

............. Encontrando o ninho.

Kevin acompanha o episódio pelo transmissor. - PAULINA! O QUE ESTÁ ACONTECENDO? - Kevin perguntava nervoso.

— Zina foi ferida, mas já pedi socorro. - Responde Paulina pelo transmissor.

— Estou indo para aí. Onde vocês estão? - Pergunta Kevin.

— Calma chefe, ela está bem. - Responde Paulina.

Nesse instante Zina pega o transmissor: - Kevin eu estou bem. Se tentaram me matar é porque estamos muito perto de descobrir esses mistérios. O “pássaro” está ferido, agora é só segui-lo que ele vai nos levar ao ninho. Agora já achamos o fio da meada. - Diz fazendo uma careta de dor.

O assassino respirava com dificuldade. De início sentiu a carne queimar, mas agora a dor era insuportável. Parou na entrada de um prédio para se recompor. Achava que tinha conseguido despistar sua perseguidora. Sua única chance agora era chegar ao cemitério, mas estava longe e devia esperar a noite. Encontrou a porta da lixeira do prédio aberta, sentou no chão junto dos sacos de lixo tentando não desmaiar, estava perdendo muito sangue. Tirou as meias improvisando uma gaze tentando estancar o sangramento. Estava exausto, não sabia quanto tempo poderia ficar escondido ali. Sentiu a cabeça rodar e desmaiou.

Pompeu fez a troca da vigia com Gregor por volta de meia-noite. O homem estava ferido e apenas um policial seria suficiente para segui-lo se ele decidisse sair para a rua.

O dia amanheceu. O homem ouviu um barulho e se assustou, acabara de voltar a si. O ferimento doía demais, mas o sangue estancara formando uma crosta na camisa suja. Nesse instante a porta se abre, uma mulher com um saco de lixo na mão o viu e deu um grito. Com um esforço sobre-humano ele a agarrou e tampou sua boca, empurrou a mulher contra parede. Com a faca pressionando a garganta da mulher, ele sussurra: - Faça o que eu mandar e não lhe acontecerá nada. Se gritar ou tentar fugir, vou matá-la entendeu? ... Você tem carro?

A mulher apavorada assentiu com a cabeça.

.................................................

Zina e Paulina renderam Gregor na vigia, se afastaram do ponto onde Gregor estava, pois o homem as tinha visto, seria fácil identificá-las à distância.

A mulher levou o assassino até seu carro, ele empurrou-a para dentro e sentou ao volante. O suor frio escorria pelo seu rosto, ele dirigia se esforçando para ficar atento ao trânsito caótico daquela hora da manhã.

As duas mulheres os seguiam a uma distância segura. O assassino precisava se livrar da mulher, não podia deixá-la viva, pois avisaria a polícia. Para o carro a cem metros do cemitério e sem qualquer piedade com uma facada certeira perfura o coração da mulher que mal estremece.

Sentia uma fraqueza enorme. Desceu do carro e com muita dificuldade apoiou-se no muro e continuou andando, temia voltar a desmaiar antes de entrar no cemitério. A dor era insuportável, a ferida voltou a sangrar. Num esforço extremo ele chega ao portão e se dirige para o mausoléu 177.

Zina avista a figura cambaleante do homem, descem do carro e correm a tempo de vê-lo se esgueirando entre os túmulos. Ele para junto a um mausoléu com um grande anjo de mármore empunhando uma espada, pega uma chave escondida debaixo de um vaso de flores. O portão de ferro rangeu ao ser aberto, ele entrou e acionou uma alavanca atrás do ataúde que abria o acesso a uma escada que entrava num túnel e que levaria até o museu.

A falta de ar e o ar pesado do subterrâneo lhe provocavam tonteira e náuseas, mas sabia que a sua única chance seria procurar ajuda do Zelador do museu e se manter escondido por algum tempo. A luz do isqueiro não era suficiente para iluminar a passagem, mas era só o que tinha. Seu maior medo era ficar no escuro e perder o rumo.

— O “pássaro” entrou no ninho. - Zina sussurra com a mão sobre o ouvido.

— Onde vocês estão? - Pergunta Kevin.

— Cemitério, jazigo 177, vamos deixar a passagem aberta. - Responde a gente.

— Estamos indo. - Responde Kevin.

Acharam a alavanca e em poucos segundos estavam nas profundezas do cemitério seguindo o homem ferido.

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O Grão-Mestre estava furioso, a operação estava fugindo ao seu controle. Pela primeira vez seu assassino fracassara. Isso significava que aquela mulher não era uma simples especialista em Web como souberam. Ordenou que o Zelador se mantivesse de prontidão, pois talvez um homem o procurasse e que o mantivesse seguro até poderem tirá-lo de Londres.

O Zelador foi para o subterrâneo conforme o Grão-Mestre ordenara, caminhava pela galeria quando ouviu passos. O assassino só teve tempo de ver o velho, depois tudo escureceu e ele desmaiou. O velho se ajoelhou ao lado do ferido tentando tirar a camisa ensanguentada, quando as duas mulheres irromperam no túnel com armas apontadas para ele.

— PARADO! NÃO SE MOVA! ESTÁ PRESO! - Gritou Paulina.

O velho se levanta lentamente e de repente um tiro vindo das sombras atinge o ombro de Paulina. Outro disparo quase atinge Zina. Aproveitando a confusão o velho corre para as sombras com agilidade nada comum para um homem de 65 anos. Ele conhecia aquela passagem como a palma da mão. A escuridão para ele não era problema. A sonora risada do velho e sua voz ecoa pelo túnel. - IDIOTAS, NÓS NUNCA ESTAMOS SOZINHOS!

A vibração dos disparos provocou pequena queda de areia do teto da galeria.

— Como você está? - Zina pergunta. - Ajudando Paulina a se sentar encostada na parede.

— Estou bem, pode deixar. Vai atrás dele, corre! - Responde a investigadora com uma careta de dor. - Daqui a pouco o chefe e os outros vão chegar. VAI!

Zina entra na escuridão da galeria. Apurando os sentidos ela ouve o chiado da areia caindo as suas costas e os passos apressados de duas pessoas à sua frente. Ouve o som da areia e pequeninas pedras caindo, os passos param, instintivamente ela se joga no chão ao mesmo tempo em que vários disparos eram dados em sua direção, a quantidade de areia e pedras caindo aumenta. Ela continua se guiando pelo som das passadas, que recomeçaram agora bem mais apressadas. Pedras maiores começaram a cair com mais força e uma mais pesada, atinge seu ombro. Ouvia a voz de Kevin gritando seu nome. A escuridão envolvia tudo, não sabia onde estava, o estrondo do desabamento a impedia de ouvir os passos à sua frente, já não ouvia mais a voz de Kevin. Tenta se comunicar com alguém pelo transmissor, mas não tem resposta. Pensou em Gabrielle, a imagem da loira vinha a sua mente com nitidez quase palpável. Seus olhos verdes, a pele branca e macia... Ela pressiona um determinado ponto junto ao ombro e a dor melhora em segundos, mas o sangue escorre pelo ferimento.

— Todos nós vamos morrer Gabrielle, mas eu prometo que meu dia não será hoje. - Diz para si e segue apalpando as paredes.

— Estamos perdidos, não vamos conseguir sair daqui! - ecoa uma voz masculina.

— Fique quieto! - Responde o velho.

O homem mais jovem apalpando as paredes percorreu o lugar onde estavam presos. O desabamento provocou-lhe um ataque de pânico. - VAMOS MORRER NA ESCURIDÃO! EU NÃO QUERO MORRER AQUI, ENTERRADO VIVO! - Berrava o homem descontrolado.

Zina se guiava pelos berros. A galeria onde ela estava era ligada a outra que foi parcialmente bloqueada com o desabamento. O ar empoeirado sufocava. Ela ouvia os berros do homem e a voz do velho tentando controlar o outro. - CALE-SE, VOCÊ É UM SOLDADO TEMPLÁRIO, CONTROLE-SE! - Berrava o velho.

Então ela estava certa os Templários existem. Ela se lembra de Gabrielle, da primeira vez que a viu. - O celular! - Lembrou-se do aparelho no bolso do casaco, quem sabe o potente transmissor do telefone fosse capaz de levar sua voz para além daquelas paredes do subterrâneo, mas o telefone continuou mudo.

Ela sente que está bem próxima dos dois homens até que sente a entrada bloqueada por onde os dois túneis se comunicavam e começa a berrar chamando atenção dos homens do outro lado da parede.

— ESTAMOS AQUI! - Grita o homem mais novo.

— Pare com esse histerismo seu idiota! - Esbraveja o velho.

O homem ignora o Zelador e continua gritando. As vozes estão alteradas e de repente dois disparos; silêncio e após alguns segundos novos barulhos de desabamento. Novo silêncio. O grito desesperado pedindo socorro se fazia ouvir do outro lado da parede, o homem jovem estava em total estado de pânico. Zina tenta acalmá-lo dizendo que o socorro já estava chegando e que sairiam logo dali. Apesar do risco de novo desabamento, ela vai removendo vagarosamente pequenas pedras entre as duas galerias. Zina enxugou o suor do rosto, estava muito abafado, mas ainda tinham ar para respirar, por quanto tempo ela não sabia dizer.

O som do choro do homem foi ficando mais nítido até que pôde ouvi-lo por um buraco menor que um punho. O homem ao ouvir a voz tenta desesperadamente remover mais pedras tentando aumentar a passagem, a areia começa a cair novamente. Zina grita que ele pare ou ficariam soterrados de vez, o homem totalmente descontrolado não lhe dá ouvidos.

— PARE OU VOU METER UMA BALA NA SUA CABEÇA! - Ela grita. - SE VAMOS MORRER, VOCÊ VAI PRIMEIRO, PODE TER CERTEZA! - O homem para e recomeça a chorar.

Estava ferida, sua cabeça doía, procurava manter o autocontrole a todo custo. Ouviu a voz de Gabrielle chamando seu nome. Sentia-se fraca, tonta, perdera bastante sangue, o ar faltava. Novamente a voz de sua amada ecoava em seus ouvidos, mas dessa vez era um chamado aflito, desesperado, concluiu que estava delirando. Lembrou-se de uma frase dita por Gabrielle: “A maioria das pessoas pensam na morte como o fim, quando na verdade a morte pode ser o começo. A vida é eterna, não tem começo e não tem fim. Os entes queridos que encontramos em nossa jornada retornarão várias e várias vezes. Nós nunca morremos, porque na verdade estamos sempre nascendo.”

Zina dá um profundo suspiro, ainda tem tempo de pensar: Então é assim que se morre! - depois com um fio de voz ela diz: - Me perdoe meu amor, por tudo que fiz você passar. - Então no momento seguinte não há mais nada. Tudo escureceu.

............. Voltando à vida.

— ZINA!... ZINA! - Gabrielle gritava desesperada. Fazia alguns segundos que a ligação tinha caído. Na certa a bateria do celular de Zina tinha acabado. Ela ouvira tudo, os gritos de alguém pedindo socorro, os gritos de  ameaça. Sem vacilar correu para o departamento. Encontrou com Mynia que chorava descontroladamente com o transmissor na mão. Sacudiu-a para tirá-la do ataque histérico.

— Mynia, por favor! O que está acontecendo? - Esbraveja Gabrielle.

Com dificuldade Mynia contou a loira tudo que tinha acontecido. Elas correm para rua, não havia um único carro do departamento disponível. O barulho das sirenes das ambulâncias e bombeiros era ensurdecedor. O Departamento de Arte estava em polvorosa, os homens corriam para salvar os que estavam presos pelo desmoronamento da galeria no cemitério.

Encontram com Pompeu no corredor indo para o local do acidente. Chegam a tempo de ver o assassino ferido e Paulina serem colocados na ambulância. Mynia segue com Paulina para o hospital.

Gabrielle fica desesperada quando vê Zina. Perdia muito sangue pelos ferimentos, além da fratura no ombro. Gabrielle segue com ela na ambulância. Os paramédicos prestavam socorro, mas Zina não reagia. O pânico de ver a vida de sua amada se esvaindo, o sentimento de impotência doía na alma.

Em prantos ela segura e beija a mão da companheira: Sei que pode me ouvir. Onde você estiver eu sei que sempre me disse para ser forte. Não pode me deixar, não agora. Não é a sua hora, eu sinto no meu coração. Lute, lute para voltar! Eu preciso de você.

.................................................

Os três dias se passaram lentamente, Zina acorda mais uma vez, sob forte efeito dos sedativos, os poucos momentos em que passava acordada eram como um borrão de consciência. Agora ela se sentia melhor, o raio de sol que entra pela janela parece convidá-la a ficar de pé e sentir seu calor. Ela vira a cabeça e depara com o lindo sorriso de Gabrielle.

— Bom dia! - Exceto por poucos instantes, a loira não saía de perto da cama.

Zina tenta se levantar, mas o ombro dói, o corpo dói. A tonteira a faz se deitar novamente, tinha perdido muito sangue e passara por uma cirurgia, por isso estava fraca e cansada. Pede que Gabrielle conte o que aconteceu.

A loira conta que com o desabamento da galeria uma das entradas dos túneis, fechada por parede cedeu abrindo uma passagem, a equipe de resgate a encontrou e ao homem quase mortos. Ele era um dos seguranças do museu e confessara tudo sobre o Zelador e de tê-lo matado enquanto estavam presos no desabamento, delatou a Ordem e o plano para se reapossarem do Graal e sobre o túnel que levava ao museu e os incêndios. Que ela e Paulina estavam certas sobre os Templários; Paulina estava bem e o estado do assassino ainda inspirava cuidados.

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Kevin Nolan está na sala do Primeiro Ministro acompanhado do Secretário de Cultura. Entrega um minucioso relatório do caso do Santo Graal contando tudo, inclusive a confissão do “inocente” faxineiro que era o informante da Ordem dentro da polícia e do matador profissional que tinha confessado ser o autor das mortes no museu e sobre os mandantes das execuções. Delatou os nomes dos sete mestres da Ordem do Templo.

As autoridades lhe disseram que a história era inacreditável. Não podiam acusar de associação ilícita homens cujas empresas eram imprescindíveis para o desenvolvimento e a economia do país. Não podiam acusá-los de nada, mesmo que toda história contida naquele dossiê fosse verdadeira. Eles não conspiraram contra o país, não tinham ligações com máfias, não tinham feito nada de errado e quanto a serem Templários... Bem, se de fato eram, isso não constituía nenhum crime. O caso estava encerrado, mas a opinião pública não podia ser informada. Era segredo de Estado.

Kevin os encara com indignação e desprezo. Ele se despede, sabendo que a denúncia da existência de uma organização secreta formada por homens poderosos que se acham acima de tudo e de todos, não daria em nada, ninguém iria investigá-los, iriam continuar nas sombras mexendo os fios do poder.

.................................................

— O que vai fazer agora? - Kevin pergunta, sentado junto a cama de Zina, mantendo as mãos dela entre as suas.

— Vou voltar para casa... e para o meu amor! - Ela responde e olha para Gabrielle, que sorri.

Ele olha surpreso para Gabrielle em seguida para Zina, percebendo que se tornou uma figura desnecessária no quarto. - Bem, então nos despedimos aqui. Obrigado pela ajuda. - Se debruça sobre Zina, beijando-lhe o rosto murmura: - Nós faríamos uma boa parceria.

— Eu já tenho uma parceira. - Zina responde.

Ele se encaminha para a porta, quando volta-se para fechá-la vê Gabrielle acariciando o rosto de Zina. A loira aproxima os lábios dos de Zina e murmura: - Prometa que não vai me deixar de novo!

— Nunca meu amor, nunca vou te deixar! - Zina responde.

Kevin desce os degraus da saída do hospital sem olhar para trás, entra no carro e por alguns minutos fica parado olhando a rua, os carros e as pessoas que transitam sem se dar conta que existe um mundo paralelo, sombrio e misterioso pronto para interferir nas nossas vidas. Ele parte se dirigindo para a National Gallery, resolve convidar Hércules para um drink e conversar sobre mulheres e futebol.

 


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