A nevasca caia, mais forte do que nunca. A cidade de Alpania nunca havia visto uma tempestade de neve assim em todos os seus 400 anos de história. Os cidadãos se esconderam em suas casas, se cobriram com peles de urso ou de leão-marinho e esperavam. O querosene queimava nos lampiões e a carne seca estava guardada embaixo de camadas de gelo.

Em uma casa, três moradores estavam encolhidos na cama, cobertos com suas peles. Sem ter sono e sem ter sobre o que falar, a família aguardava quieta o fim da tempestade de neve. A mãe, o pai e seu filho pequeno de apenas dois anos de idade olhavam a chama do lampião queimar e acabar com mais um pouco da gordura de baleia que restava. Seria uma batalha levantar da cama e sair dos cobertores quentes para colocar mais óleo no lampião, mas o pai sabia que esse seria seu trabalho.

Enquanto olhava para o único resquício de luz, a porta de sua casa recebeu uma batida. Eles se entreolharam, avaliando se seria alguém ou o vento. Escutam mais uma batida e agora sabem que é uma pessoa.

O pai sai apressado da cama, levando o máximo de peles que podia e se dirige a porta. Ao chegar lá ele olha por uma pequena fresta e vê um vulto baixo, com um capuz cheio de neve. O pai abre a porta.

- Por favor, poderia dar-me água, comida e abrigo? disse uma senhora que estava embaixo do capuz. Seus cabelos pareciam sujos e sua roupa estava esfarrapada e mal cheirosa.

O homem pensou na pequena despensa que possuía e nos poucos pedaços de carde de veado que podiam alimentar sua família por dois dias. Pensou também na gordura de baleia que duraria mais duas horas e nas peles que não poderiam ser repartidas para quatro pessoas.

-Desculpe, senhora. Adoraria ajuda-la, mas a situação aqui não é das melhores.

O homem fechou a porta, mas ao virar-se para voltar para junto de sua família ele ouviu a voz da senhora do outro lado da porta.

- Eu, a shaman Xyul, amaldiçôo seu filho. Durante uma noite, ele perderá o controle e se transformará num urso castanho e devorador de homens até que eu ou alguém do meu sangue retire a maldição.

O pai conhecia a fama da shaman, mas não acreditou que o feitiço tinha sido verdadeiro. Ele voltou para o quarto e ficou olhando para o lampião.

-Quem era, Rodnick? Perguntou sua mulher

-Era apenas o vento, não se preocupe.

Rodnick deu um beijo no capuz da mulher e deitou ao lado dela na cama, se cobrindo com as peles.

Mas o vento não roga maldições e não produz monstros.