O Meu Melhor Amigo escrita por MilaScorpions


Capítulo 5
Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem.


Notas iniciais do capítulo

A imagem não me pertence, foi encontrada a net. (Mas vcs já sabem disso.) Créditos ao artista.

Boa leitura!



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Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem.


— Oi — disse Aioria, com um sorriso matreiro, parado na porta enquanto eu o olhava de boca aberta; e Pen, escondida corajosamente debaixo do sofá, latia em demasia para o visitante.

Era muito azar meu que Aioria resolveu aparecer inesperadamente no mesmo dia e hora em que eu havia planejado levar Kiki ao parque de diversões com Aldebaran. Já fazia um bom tempo que o garoto queria conhecer o meu amigo lutador.

— Erm... entre — articulei, ainda aéreo e já imaginando a confusão que isso iria dar.

Durante toda a semana, Aioria havia arrumado mil e uma maneiras de tentar atrapalhar os meus encontros com Aldebaran, que já estava tremendamente irritado com a presença frequente dele. Tenho que admitir, Aldebaran estava sendo muito paciente.

A princípio, essas suas atitudes estranhas me deixaram meio confuso. Comecei a fantasiar que, talvez, Aioria poderia estar sentindo por mim algo a mais do que só amizade, visto como seu excesso de ciúmes era inegável. No entanto, cheguei à conclusão de que estava apenas com medo de perder o melhor amigo, e me forcei a ficar esperto.

Nada nunca vai acontecer entre nós. Para ele, somos apenas amigos. Pensei no instante em que fui trazido de volta a realidade.

Sim, éramos apenas verdadeiros e bons amigos. Nada mudaria isso. Além do mais, ele era hetero e apaixonado pela namorada (essa ideia revirava meu estomago). Quando Marin retornasse de viagem, suas atitudes voltariam ao normal e ele nem se incomodaria mais com o meu namoro.

Em pensar que, por bem pouco, não lhe revelei o que eu sentia... Como pude pensar em falar para ele?

É claro que, se soubesse dos meus sentimentos, Aioria recuaria. Poderia até mesmo evitar a minha presença. Eu não correria o risco de perder a sua amizade, que é uma das coisas que mais valorizo no mundo. Eu não suportaria viver sem o seu carinho.

— Você está de saída? — perguntou, fazendo-se de surpreso, embora eu soubesse que ele sabia do nosso passeio. Eu havia comentando com ele.

— Vamos ao parque de diversões — respondi, fingindo não me lembrar desse detalhe.

— Ah, claro! Tinha me esquecido... — Sentou-se despojadamente no sofá, pegou a pequena Pen, que já havia se acostumado (rápido até demais) com a sua presença, e começou a acariciá-la. — Adoro parques. Estou pensando em ir com vocês...

Abri a boca para dizer alguma coisa, qualquer coisa, mas não consegui. Eu não sabia mesmo o que falar.

A verdade é que ele estava minando os meus planos da esquecê-lo. E, por mais que eu estivesse disposto a fazer esse meu namoro dar certo, com Aioria atrapalhando o tempo todo ficava bem difícil. Só que eu não conseguia afastá-lo.

— Você também sabe lutar como Aldebaran? — Kiki, curioso, inquiriu antes mesmo que eu pudesse dizer alguma coisa. Fiquei aliviado pela mudança de assunto.

— Claro que sei. Sou um ótimo lutador — afirmou convicto.

— Duvido! E acho que Aldebaran é muito melhor do que você — provocou o garoto.

— Não é não! E esse Aldebaran não é de nada — Aioria retrucou emburrado, entrando numa calorosa discussão com Kiki para ver quem era o melhor lutador. Revirei os olhos. Aioria, às vezes, era tão infantil. Mas depois sorri internamente enquanto o observava. Isso o tornava tão adorável!

O meu telefone tocou tirando-me daquele estado de contemplação. O identificador de chamadas piscou com o número de Aldebaran.

— Oi — atendi, saindo de perto deles e os deixando naquele bate-boca. Ficava constrangido em atender ligações do meu namorado na frente de Aioria, porque nunca conseguia, em sua presença, retribuir o carinho que Aldebaran tinha comigo.

— Oi, meu amor. Já estou esperando vocês aqui na portaria — Aldebaran disse parecendo bem humorado. De modo que eu não tive coragem de lhe dizer que Aioria pretendia ir ao parque conosco. Respirei fundo.

— Tudo bem. Já vamos descer.

— Não se esqueça de pegar um casaco. O tempo está esfriando. Parece que vai chover mais tarde.

— Está certo então. — Desligamos e fiquei olhando para o telefone durante alguns minutos enquanto massageava minhas têmporas. Talvez fosse bom levar um analgésico também. O dia prometia.

Peguei um casaquinho para Kiki e voltei para sala. Fiquei surpreso ao vê-los se dando tão bem. Pareciam estarem mesmo se entendendo. Entendendo até demais.

— Então... vamos?

— Infelizmente, eu não poderei ir com vocês. Tenho um compromisso — Aioria fez um muxoxo, surpreendendo-me e, ao mesmo tempo, deixando-me aliviado. — Kiki, cuide bem do nosso amigo. — Ele olhou para o garoto dando uma piscadela do tipo não se esqueça. Achei aquilo muito esquisito, mas deixei pra lá.

Descemos juntos e, ao chegarmos na portaria, vi o aparentemente bom humor de Aldebaran sumir. Ele cruzou os braços lançando-me um olhar de interrogação, o qual se amenizou assim que Aioria se despediu. Entramos no carro e fomos em direção ao “Sanctuary Parque”. O maior parque de diversões de Atenas.

Pessoalmente, eu amava parques de diversões e parques temáticos. E imaginei que seria uma excelente oportunidade para aproximar Kiki de Aldebaran. Este gostava muito de crianças e, com certeza, iria se entender muito bem com o garoto. Acreditei também que Kiki fosse se divertir no passeio, já que, quando eu o havia dito ontem onde iriamos, ele gritou animadamente jogando-se em meus braços. E é por isso que eu não compreendia o porquê, depois de apenas meia hora que havíamos chegado, ele tinha resolvido dar um chilique.

— Eu não gostei desse lugar — Kiki reclamava batendo a perna. — Só tem brinquedo para criancinhas. Mu, você prometeu que seria um passeio divertido.

— Nós podemos ir para o carrinho de choque ou a roda gigante? — Aldebaran começou a sugerir.

— Esse é o melhor parque da cidade, Kiki. Você ficou tão animado ontem. O que aconteceu? — questionei, sem entender o que estava ocorrendo com ele.

— Você prometeu me ensinar a lutar. E até agora nada. — Virou-se para Aldebaran, ignorando a minha pergunta.

— É claro que vou ensiná-lo. Algum dia, ainda te levo para assistir uma luta minha. Não faltará oportunidade... Mas agora, que tal irmos para o carrinho de choque? Tenho certeza de que você vai se divertir muito. — Aldebaran tentava agradar o garoto. Porém, Kiki fez apenas uma careta desdenhando o convite.

— Acho que está mentindo pra mim. Não vai cumprir suas promessas — Kiki acusou Aldebaran. — E Shion não vai deixar eu assistir a sua luta. Aioria estava certo. Você nem deve saber lutar mesmo.

Olhei para Aldebaran, ele estava com a mandíbula apertada e eu não poderia culpá-lo por isso. Respirei fundo. Queria um buraco para me enfiar. Se eu soubesse que Kiki iria reagir dessa maneira, jamais teria sugerido ou, muito menos, o teria trazido a esse parque.

Tudo bem, eu sempre soube que ele era muito travesso, competitivo e quando tinha uma ideia fixa na cabeça, ninguém conseguia tirar. Só que mal-educado ele nunca foi, ainda mais com alguém que ele acabara de conhecer. Além disso, ele estava doido para conhecer Aldebaran.

— Kiki, já chega! — recriminei-o, completamente rubro de vergonha. — Se é o que você quer, nós vamos embora. Vou levá-lo de volta para casa.

— Eu não quero ir para casa. Quero ir para um lugar mais divertido. — O garoto parecia mesmo disposto a arruinar o passeio.

— Aposto que você está é com medo da roda gigante — Aldebaran cruzou os braços e o desafiou em tom de brincadeira.

— Eu não tenho medo de nada! — Kiki se indignou.

— Não é o que está parecendo — continuou a provocá-lo.

— Então, vamos. Vou te mostrar que isso é brinquedo para criancinhas. — Aldebaran sabia mesmo como lidar com crianças.

A roda gigante tinha 32 cápsulas, que comportava seis passageiros em cada uma e quase 425 metros de circunferência. Com 135 metros de altura, permitia uma vista panorâmica de quase toda a cidade. Acomodamo-nos. Ela, então, estalou e começou a rodar.

Olhei para Kiki e os olhos do garoto estavam vidrados. Isso era tão estranho para alguém que há apenas alguns minutos estava reclamando do lugar... Deixei esses pensamentos de lado e me permiti curtir o momento. De alguma forma, a altura me fazia sentir bem.

— Está gostando, Kiki? — perguntou Aldebaran, recebendo do outro um gesto de confirmação. Disfarçadamente, segurava em minha mão e me fazia um carinho. Tentei retribuir e ele sorriu verdadeiramente feliz e satisfeito.

Por que eu não o amo?

Eu queria muito estar apaixonado por Aldebaran. Ele era um bom homem, educado, companheiro, carinhoso... E foi aí que me lembrei da última frase do livro que estava lendo. O que Shaka havia me dado. “Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem. O verdadeiro amor acontece por magnetismo, por conjunção estelar.”

Comecei a me questionar se isso realmente iria dar certo. Esse namoro. Porque cada dia que se passava, por mais que eu desejasse, eu não conseguia me apaixonar por Aldebaran. Muito pelo contrário, a cada dia se reforçava ainda mais o meu amor por Aioria. E sei que parte disso era culpa do meu amigo que, como já disse, não nos dava sossego. Mas a culpa era minha também que, do mesmo modo, não conseguia mantê-lo longe.

Só que isso não era certo com Aldebaran. Eu não estava me sentindo bem em namorar com ele, apaixonado por outro. No início, eu tinha esperanças de que daria certo, mas agora eu já começava a duvidar.

A roda gigante parou e nós descemos.

— Você ainda não me respondeu se viajará comigo para o Brasil, agora que está de férias — Aldebaran comentou enquanto seguíamos para a barraquinha de algodão doce.

Eu estava praticamente de férias. Faltava apenas entregar a capa do livro de Shaka que eu já havia concluído. Ele estava viajando essa semana e só poderia se encontrar comigo amanhã. Esperava que ele gostasse do que eu tinha preparado. Caso contrário, era capaz de Saga suspender minhas férias.

— Ainda estou pensando sobre isso. Amanhã, te dou a resposta. Tudo bem? — Não é que eu não queria viajar para o Brasil com ele. É que eu não tinha mais certeza se deveria.

— Tudo bem!

— Eu vou ao banheiro. Kiki, fique aqui com Aldebaran. Eu já volto.

A fila do banheiro estava enorme. Era domingo e o parque encontrava-se lotado, apesar do mal tempo. Olhei para o lado e vi um casal hetero se beijando. Minha vida seria tão mais fácil se eu gostasse de mulheres. Mas isso também a gente não escolhe. Acredito que devo ter demorado uns 10 minutos ou mais somente na fila. Quando voltei, encontrei Aldebaran com uma expressão assustada no rosto.

— O que foi? Que cara é essa?

— Mu, foi questão de segundos... — ele estava mesmo em estado de pânico.

— Onde está Kiki? — questionei preocupado.

— Eu estava comprando um cachorro-quente para nós e quando me virei, ele não estava mais...

— Como assim não estava mais? — questionei já sabendo que a resposta não me agradaria muito.

— O garoto sumiu — ele pronunciou.

Contei até três e me coloquei a praticar a respiração dos chacras. Isso sempre me tranquilizava para tomar algumas precauções necessárias em momentos tensos como esse.

— Calma! Ele pode ter ido me procurar no banheiro. Fique aqui, caso ele volte, eu vou lá atrás dele — falei, tentando me manter pacífico e Aldebaran assentiu totalmente agoniado.

Conferi por três vezes o ambiente perto do banheiro e de alguns brinquedos nos arredores, mas Kiki não estava. Pensei que, talvez, ele tivesse voltado e então retornei.

Para meu desespero, Kiki não havia voltado.

— Temos que falar com os seguranças do parque, a fim de fazer uma busca em todo o local — Aldebaran disse, ainda mais angustiando. — Mu, não foi minha culpa.

— Eu sei. Ele não deveria ter saído de perto de você. Mas nós vamos encontrá-lo. Fique calmo. — Eu tentei acalmá-lo, embora eu também já estivesse perdendo totalmente a minha tranquilidade. Onde se enfiou esse garoto?

Duas horas depois, eu já estava aflito. Com a ajuda dos seguranças, procuramos em todos os lugares, mas o menino parecia ter se evaporado. O tempo estava se fechando e eu não sabia mais o que fazer. Tinha que ligar para Shion, contar-lhe o que estava acontecendo. E foi quando peguei o celular e disquei o número, que ouvi uma voz muito conhecida e animada atrás de mim.

— Olha o que eu ganhei. — Virei-me e vi Kiki com um enorme sorriso de orelha a orelha.

Ele tinha um bicho de pelúcia, uma cobra de duas cabeças em volta do pescoço, um grande refrigerante em uma mão e seu outro braço em volta de uma espada falsa. Segurava também uma maçã do amor.

— Graças aos Deuses! — Aldebaran falava completamente aliviado. — Vou avisar aos seguranças.

— Estamos procurando por você a mais de duas horas. Onde estava? E onde você conseguiu tudo isso? — Fiquei muito aliviado ao vê-lo. Pasmado também com a quantidade de coisas que ele tinha e com a sua evidente despreocupação.

— Ah, eu fui atrás de você no banheiro, mas aí vi os brinquedos. Foi tão divertido! — respondeu, parecendo muito animado.

— Nunca mais faça isso. Você tem ideia do susto que nos deu? — arrazoei verdadeiramente chateado pela sua travessura. Estava na cara que ele havia sumido de propósito para fazer o que bem quisesse. — Isso é muito perigoso. E se não conseguíssemos mais nos encontrar? Pelo amor de Deus, você é só uma criança...

— Desculpa, Mu — o garoto disse, vi sua expressão de felicidade ir sumindo do rosto. — Não queria deixar você preocupado.

— Estou muito chateado com você. Vou ligar agora pra Shion e contar tudo que aconteceu.

— Por favor, Mu. Não conte para Shion. Ele vai me castigar.

— E você não merece? O que fez foi muito sério, Kiki.

— Eu pro... prometo, Mu... que não f... faço mais isso. — Kiki começou a chorar. Eu respirei fundo e o abracei. Não queria que ele ficasse assim.

—Tudo bem! Em casa a gente conversa. Vamos embora.

De repente, um relâmpago cortou o céu. E senti algumas gostas de água cair sobre mim.

— É melhor irmos logo. Já avisei aos seguranças que o encontramos — Aldebaran, que até então estava apenas observando a conversa, disse e eu assenti.

O trânsito estava horrível e demoramos muito para chegar ao meu apartamento. Kiki veio durante todo o trajeto em silêncio, observando minha expressão de desgosto. Aldebaran tentava quebrar o gelo sem muito sucesso. O fato é que ele também estava aborrecido com a situação. Nosso passeio havia sido um fracasso.

Assim que chegamos ao meu apartamento, Aldebaran se despediu (não muito satisfeito), e recomecei o meu sermão com Kiki. Eu só o levaria para casa de Shion mais tarde, no horário do nosso jantar de domingo.

— Acho que precisamos ter uma conversinha, rapazinho — falei enquanto me dirigia para a cozinha e pagava um copo d´água.

— Mu, por favor. Não conta pra Shion. Eu não queria deixar você com raiva. Você nunca falou assim comigo. Eu só queria... — ele parou de falar, estava choroso.

— Eu não estou com raiva. É que eu fiquei muito preocupado com você. O que você queria, Kiki?

— Eu não posso falar. Mas não fique assim comigo. Eu gosto tanto de você — ele dizia, realmente triste.

— Kiki, eu não estou entendendo isso. Acho bom você me falar o que está acontecendo ou vou ficar ainda mais triste com você. A propósito, como conseguiu dinheiro para ir em todos aqueles brinquedos e comprar todas aquelas coisas?

— Tudo bem, eu te falo. Não quero que fique triste. Eu só queria estragar o passeio. — Abaixou a cabeça envergonhado.

— Parabéns! Você conseguiu. E por que você queria fazer isso? Se não queria ir, devia ter me falado... — Eu não conseguia compreender sua atitude.

— Eu queria ir. Eu estava gostando. Mas tinha que fingir que não estava.

— Hum?! Não entendo. Explique isso direito. — A cada fala eu ficava ainda mais sem entender.

— Foi o seu amigo. Aquele que você olha com cara de peixe morto.

— O que ele tem a ver com isso? — eu quis saber, meio constrangido pelo comentário de Kiki sobre meu olhar, provavelmente estava falando de Aioria.

— Ele disse para eu atrapalhar o passeio porque Aldebaran queria roubar você pra ele. E também disse que ia me dar um videogame novo de presente e me deu dinheiro para comprar balas no parque. — Arregalei os olhos completamente atônito com a informação. Por todos os Deuses do Olimpo! Aioria havia passado de todos os limites possíveis. Eu não conseguia acreditar no que estava ouvindo. — Foi com esse dinheiro que eu fui para os brinquedos e ganhei aquelas coisas. Tentei atrapalhar, mas eu estava gostando do lugar. Aí eu pensei que se eu sumisse, vocês iriam ficar me procurando e eu ainda podia brincar um pouquinho.

— Ele disse pra você fazer isso?! — Perguntei muito espantando com a possibilidade. Não era possível que Aioria tivesse sugerido tal coisa para Kiki. Ele não poderia ser tão desatinado a esse ponto.

— Não! A ideia do sumiço foi minha. Achei que você culparia Aldebaran por não ter cuidado de mim — contou, como se achasse que aquilo fosse realmente uma ótima ideia.

— Devo parabenizá-lo, Kiki? Pelo seu feito? Sua ideia genial?

— Não olha assim pra mim. — Sua voz soou bem triste e, nesse momento, deu ares de estar realmente arrependido.

Atentei para a janela. A chuva não estava tão forte. Respirei fundo. Kiki era apenas uma criança. A culpa era de Aioria. Era a ele que eu teria que pedir explicações. E era exatamente isso que eu iria fazer.

— Vamos, Kiki — falei decidido.

— Para onde? Está chovendo...

— Vou deixá-lo em casa. Tenho algumas coisas para resolver.

Contei mentalmente até três. Respirei fundo. Passei a mão pelos meus cabelos, que estavam um pouco molhados por causa de alguns pingos de chuva. E toquei a companhia da casa de Aioria. Eu não estava preparado para essa conversa. Mas também não aguentava mais a situação. E, pela primeira vez em toda minha vida, deixei-me levar pelo momento de ansiedade.

— Oi, Mu — Foi Aioros quem abriu a porta. — Entre antes que você pegue um resfriado.

— Obrigado. Aioria está?

— Está sim. Está malhando. Pode ir até lá... Fique à vontade. Você já conhece o caminho — ele disse e voltou para o que estava fazendo. Olhei para sala e vi que estava acompanhado de uma garota. Não saberia dizer se era namorada ou amiga. Não deu para ver o rosto. Não estavam de chamego. Acredito que estavam vendo um filme.

Subi as escadas e fui em direção a academia. Aioria era a única pessoa que eu conhecia que malhava até no domingo. Era tão fissurado com isso que tinha uma academia em casa.

Encostei-me na porta e fiquei o observando. Ele estava deitado num banco e levantando uma barra de ferro muito pesada. Dava para ver seu peito subindo e descendo com o movimento. Todos os seus músculos semelhavam ainda maiores pelo esforço. A temperatura do meu corpo começou a subir e achei que aquele não fosse um bom momento para conversarmos. Já tinha desistindo e me virado para ir embora quando o ouvi.

— Ei, Mu... — Virei-me novamente para ele, que estava vindo em minha direção, vestido uma calça de moleton cinza caída daquele jeito nos quadris e uma camiseta sem manga, escura de suor, assim como seu cabelo. Deu um sorriso tão lindo que eu tive que me lembrar de respirar. — Ia sair sem falar comigo?

— Eu não queria atrapalhar. — Coloquei uma mecha do cabelo atrás da orelha, na tentativa de ocupar minha mente com outra coisa que não ficar admirando o corpo dele.

— Você não atrapalha... Se incomoda se eu tirar minha camiseta? Está encharcada. — Sim. Eu me incomodava. Mas não disse nada. Ele a retirou numa só puxada. Pegou uma toalha pequena e secou o rosto e alguns gotas de suor que desciam pelo toráx bronzeado. Meu coração subiu até a boca.

— P... precisamos conversar — quase gaguejei.

— Aconteceu alguma coisa? Você parece estranho.

— Sabia que Kiki desapareceu hoje no parque e tivemos que acionar os seguranças para procurá-lo? — Seus olhos se arregalaram. — O que você tinha na cabeça Aioria?

— Eu...

— Kiki me contou que você prometeu a ele um videogame para que transformasse o nosso passeio num desastre.

— Dedo-duro...

— Aioria! Ele é uma criança. Como pode ser tão irresponsável? — falei perplexo.

— Ah, Mu... Não imaginei que ele fosse fazer algo desse tipo. Achei que faria apenas algumas travessuras normais para a sua idade. Pentelhar Aldebaran. Só isso... — explicou, aparentando realmente surpreso com o ato de Kiki.

— Para quê? E por que ele deveria fazer isso? — questionei totalmente nervoso. Sentimento esse que somente Aioria era capaz de despertar em mim com facilidade. Ele deu um longo suspiro e se sentou num banquinho que estava ao lado, passando as mãos pelo cabelos enquanto me fitava com aqueles seus lindos olhos verdes. — Por que o meu namoro está te incomodando tanto? Eu preciso saber.

— Eu já te falei...

— Não, Aioria. Dizer que Aldebaran não serve para mim, não é justificativa para tudo o que está fazendo?

— Eu sei disso... É que... é que eu estou bem confuso. — Ele se levantou e começou a andar de uma lado para outro. Estava inquieto e sua respiração parecia mais rápida. — Mu, eu não consigo ver você com aquele cara. Eu tenho vontade de espancá-lo toda vez que imagino vocês dois juntos.

— Por quê?!

— Eu já disse. Eu não sei explicar...

E foi então que aquela expectativa surgiu novamente. Será que Aioria estava sentido alguma coisa por mim? Era por isso que estava confuso?

Não! Não havia nenhuma chance dele mudar seus caminhos por mim... Ou havia?

Fechei os olhos e respirei fundo sentindo minhas mãos suarem. Queria revelar os meus verdadeiros sentimentos para ele, só que as palavras não saiam da minha boca. Ele me fitava com atenção, como se também estivesse tentando adivinhar os meus pensamentos. Encostei minhas costas na parede, escondendo meu rosto entre as mãos, enquanto refletia sobre o meu dilema de falar, ou não, para ele.

Percebi ele se aproximando de mim, estava muito próximo. Eu podia sentir o seu cheiro de sabonete e suor. Meu coração martelava descompassado dentro do peito. Eu não estava aguentando mais. Iria enlouquecer. Seus fortes dedos suavemente puxaram minhas mãos para baixo, mordi o lábio inferior nervosamente e desviei o rosto para que eu não tivesse que enfrentá-lo. Mas ele me olhava fixamente. Oh Deus, como eu o amava. Ouvi o seu suspiro e tive o desejo de abraçá-lo.

— Ah, Mu... Eu sou mesmo um idiota. Você está certo. Fui muito irresponsável e não pensei nas consequências. Não sei fazer nada direito. — Senti sua respiração tão perto... tão perto... — Não queria te deixar assim. Não quero vê-lo sofrer. Se você gosta desse cara, eu irei respeitar...

Cortei suas palavras com um beijo, o surpreendendo.

Ele deu um gemido quando a minha boca cobriu os seus lábios, que estavam cheios e quentes. Nenhuma das fantasia que eu tinha sobre o sabor da boca de Aioria chegou perto da coisa real. Meu corpo tremia. Era como se todo o sangue tivesse simplesmente desaparecido da minha cabeça deixando-me zonzo.

Eu precisava resolver aquilo, precisava saber o que ele sentia, mas, naquele momento, era completamente impossível para mim fazer qualquer declaração inteligível ou coerente. Sendo assim, eu só tinha um jeito para descobrir. Tinha que beijá-lo. Eu não podia simplesmente perguntar a ele como uma pessoa normal.

Então, eu tive a minha resposta.

Ele não estava me beijando. Seu corpo estava rígido.

— Desculpe-me — eu murmurei baixinho, rompendo e empurrando seu peito. Aioria pairava sobre mim, ofegante.

Senti as lágrimas queimarem em meus olhos. Ah, o que foi que eu fiz? Agora eu havia destruído nossa amizade e estava terrivelmente envergonhado. O meu coração estava quebrado e doendo muito. Mas eu não o deixaria me ver chorar. Recusava-me a deixá-lo ver o quanto isso me machucava. Eu precisava sair dali.

— Mu!... — Eu o ouvi me chamar assim que corri para fora.

Eu mal era capaz de ver através das lágrimas, que estavam agora fluindo livremente por meu rosto, enquanto eu descia as escadas correndo, quando esbarrei em alguém que estava subindo. E só quando ela perguntou se estava tudo bem é que percebi quem era.

Marin. A voz era de Marin.

Então era esse o seu compromisso. Era por isso que ele mesmo não foi ao parque. Ele estava com ela.

Ignorei-a e apenas segui meu destino.

Um soluço saiu livre e depois outro até que eu estava chorando incontrolavelmente quando entrei no meu carro, saindo em disparada para longe, enquanto a chuva caía copiosamente.

A enormidade do que fiz me submergia. Arquejei sentindo uma dor dilacerante. Acabei de perder o meu melhor amigo.

Como pude...? Como pude fazer isso? Tive sorte dele não ter me dado uma bofetada. Talvez eu merecesse pela minha ousadia. Porque eu sabia que ele era hetero, eu sabia que ele tinha namorada. Eu me recriminava em pensamento. Não conseguiria olhar novamente para Aioria. Não seria capaz. Tudo mudaria entre nós.

Já em casa, fui direto para o meu quarto. Deixei-me cair na beira da cama e dei um grito de tristeza. A dor era indescritível... física... mental...

Pen se aconchegou em mim, triste do mesmo modo, como se compartilhasse do meu sofrimento. Meu telefone tocava insistentemente. Não olhei. Nem atendi. Naquele momento, não queria falar com ninguém.

Devia ser Adebaran. Outro assunto que eu precisava resolver com urgência. Tudo estava muito claro em minha mente agora. Não poderia continuar com esse namoro. Não era justo comigo. Não era justo com Aldebaran. Ele era uma boa pessoa e merecia alguém que o amasse de verdade. Amanhã eu contaria tudo para ele. Era o certo a se fazer. Mas agora não. Agora eu precisava curtir a minha dor-de-cotovelo.

E assim, imerso em meus lamentos, fiquei jogado sobre minha cama, agarrado a Pen. Até que peguei no sono muito tempo depois.

***


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Notas finais do capítulo

Olá, meus leitores lindos...

Nem vou comentar as atitudes de Aioria, deixarei que ele mesmo faça isso no próximo capítulo, que será o penúltimo da fic.

Obrigada a todos que estão acompanhando e principalmente aos que gostaram e favoritaram.

Myrho, delencei, SweetTangerine, Jenferr, Musha, nane yagami, Kiba-Ino, Italo Calixto e Amore. Obrigada pelos comentários no capítulo anterior. Eu me sinto tão entusiasmada para escrever quando leio os comentários de vcs. Não consigo nem escolher o melhor. Sério mesmo. Então, só posso agradecer e esperar para saber o que vocês acharam desse cap.

Ah, o título da fic, assim como o trecho "Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem (...) O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar é do texto: Crônica do amor, de Martha Medeiros.

Desculpe-me qualquer erro no cap. Eu já estava cansada. Então, depois eu releio aqui e faço a correção.

Beijos e até o próximo.