Eu o analisava. Observava sua pelagem negra brilhante. Suas afiadas garras contraídas. As patas enormes. O peito que subia e descia rapidamente conforme a respiração.
O tigre era assustador ao mesmo tempo que magnífico.
Toquei o pelo negro macio, sem ainda acreditar que era Kishan preso naquele corpo.
Kells me contara algumas coisas. Que Ren e seu irmão sofriam de uma antiga maldição e que na verdade eram príncipes indianos presos em corpos de tigre e que só agora tiveram a chance de se libertarem já que contavam com a sua ajuda.
Minha cabeça girava conforme Kells me explicava sobre a maldição.
Eu não poderia acreditar naquilo, pensei até na possibilidade de tudo ter sido um sonho ou uma pegadinha. Mas eu não acordava logo e todos estavam sérios demais.
Além de que a prova real estava ali, na minha frente em forma de tigre.
Um homem preso no corpo de um tigre. Eu não queria acreditar, mas era a verdade. Sendo ou não acreditada.

~*~
A versão tigre de Kishan dormia calmamente em cima do confortável sofá. Ren arrastara Kishan sozinho, da cozinha até o sofá da sala.
Depois de quase uma hora desmaiado, nossas fontes para fazer com que Kishan acordasse se esgotaram e então decidimos esperar pelo dia seguinte para tentar de novo caso Kishan não acordasse.
Ren e Kelsey levaram colchões para a sala e prepararam três camas no chão. Todos nós concordamos em ficarmos perto de Kishan caso ele acordasse. Quando Kells sugeriu isso, torci o nariz de forma preocupada.
– Mas Kells, ele é um tigre agora e você sabe do que tigres se alimentam... – Observei.
Kells sorriu docemente enquanto esticava um lençol sobre seu colchão.
– Não se preocupe, Liz. – Disse Kells. - Quando os meninos se transformam em tigre, ainda possuem consciência humana. É como se fosse o mesmo Kishan, só que num corpo de tigre.
– Ele ainda pode ouvir e entender o que falamos? – Perguntei.
– Sim. – Kells assentiu.
– Ele fala?
Kells deu uma risada alta e me atingiu com um travesseiro fofo.
– Claro que não! Isso seria estranho.
– Kells, essa situação toda é estranha, maldições, tigres e príncipes? Qual é, a essa altura nem estranharia se o tigre falasse.
Kells riu.
– Tem razão, é tudo muito louco e você foi envolvida nisso tudo tão de repente. Desculpa.
– Sem problemas, só vou pedir que depois vocês tirem um dia pra me explicarem tudo, exatamente toda essa história. – Pedi
– É justo, o mínimo que poderíamos fazer. – Concluiu Kells.

~*~
Eram aproximadamente dez horas, eu tomara um banho e já havíamos preparado as camas na sala, quando percebemos que ainda não tínhamos jantado. Todo o alvoroço de tentar acordar Kishan foi demais e agora nossas barrigas roncavam pedindo por comida.
Kells sugeriu pizza. Ligamos para a única pizzaria da cidade que estaria aberta às dez, porém a moça dissera que naquele dia o serviço de entrega estava com problemas e que demoraria pelo menos um hora para as pizzas serem entregues. A moça disse também que poderíamos buscar as pizzas na pizzaria e que só esperaríamos o tempo de serem assadas.
Após fazer o pedido das pizzas, Ren agarrou as chaves do carro e saiu de casa para buscar nosso jantar.
Kells perguntou se eu me importaria se ela fosse tomar um banho, já que eu teria de sozinha com “Kishan-tigre”.
– Claro que não Kells. – Respondi. - Se você e Ren já me disseram que é seguro, confio em vocês.
Ela agradeceu, subindo as escadas rapidamente em direção ao banheiro.
Enquanto Kells estava tomando banho, tentei ler um pouco. Mas várias vezes eu desviava o olhar para o tigre negro no sofá. Desistindo da leitura, fechei o livro e fui até o tigre.
Estiquei a mão lentamente para tocar o topo de sua cabeça. A ponta dos fios de seus pelos fizeram cócegas na palma da minha mão, acariciei atrás de uma das orelhas.
Algo cresceu dentro de mim, um sentimento. Percebi que, mesmo que eu e Kishan não tivéssemos nos conhecido há muito tempo, eu sentia o contrário, parecia que havia uma história de anos entre nós e que nos conhecíamos há muito tempo. Havia uma ligação entre nós, eu sentia.
– Sinto sua falta Kishan – Admiti baixinho. – Queria que você estivesse acordado.
Suspirei fundo quando Kishan não se mexeu.
– Sabe – Eu disse. – Você acha que eu estou louca por achar que temos alguma ligação? É que... eu sinto que ela existe, por mais que eu não queira. Porque é estranho, afinal, nos conhecemos ontem e hoje você está aí em forma de tigre. Vou precisar de um psiquiatra depois que tudo isso acabar.
Ri amarga.
– Devo estar louca, Kishan. – Sussurrei.
Fechei os olhos por um momento. Instantaneamente imagens de Kishan invadiram minha mente, eu quase podia sentir sua presença ali.
Foi quando ouvi o som de um arrastar, abri os olhos, em alerta.
Observei que uma das patas dianteiras do tigre se arrastaram um pouco mais para a direita, conforme as outras patas também se moviam lentamente, olhei para as pálpebras do tigre, as quais se abriam devagar.
– Kishan! – Exclamei. – Você está acordando!
O tigre virou a cabeça para mim, assustado pelo grito repentino.
Seus olhos dourados me fitaram por alguns segundos, então ele simplesmente ronronou e sentou ao meu lado no chão, como um gato preguiçoso.
– Sabe Kishan, você está parecendo meu gato, Nico. – Eu disse. – Ele também é preguiçoso, seriam grandes amigos.
Kishan bufou e de repente, se transformou em homem novamente.
– Sério Kishan, você me assustou! – Exclamei.
Kishan sorriu.
– Hey, não sou tão feio assim! – Defendeu-se.
Um som alto veio da barriga de Kishan.
– Ren está comprando pizzas. – Antecipei-me.
– Estou com uma dor de cabeça terrível também. – Disse ele. - Não sei bem o que aconteceu... eu fiquei desacordado?
Assenti.
– Do que se lembra? – Perguntei.
Kishan coçou o queixo, pensativo.
– Quase nada, lembro que logo que você saiu, fui até a cozinha pegar um pouco d’água e de repente, eu perdi minha força, meus sentidos estavam estranhos e só.
Ouvimos passos descendo a escada.
Quando Kells entrou na sala, olhou com descrença para Kishan.
– Como é que você... – Kells balbuciou, se dirigindo a mim.
– Consegui acordá-lo? – Terminei.
Kelsey assentiu.
– Sentindo sua presença. – Respondi.