Ruína escrita por Ofidioglota, MrOrion, Fragile Soul


Capítulo 5
Só Você Mesmo, Chris


Notas iniciais do capítulo

Sim, o momento tão aguardado do encontro chegou! Coloquem os vossos cintos, porque a partir de agora tudo vai acelerar. Obrigada a quem nos acompanhou desde o primeiro dia e espero sinceramente que gostem!



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— Pelos zonzóbulos de Merlim! — Exclamou Christine em pleno sábado, ao ser rudemente despertada pelo seu relógio de cuco portátil. Era duvidosa a utilidade do objeto: estava adiantado cerca de dez minutos, o barulho estridente que reproduzia era capaz de acordar toda a Hogwarts e, como não podia deixar de ser, fora construído pela própria lufana, que pomposamente descrevia a sua invenção como “brilhante” e “jamais vista”.

Retirou a faixa almofadada dos olhos — que, segundo ela, impedia o surgimento de maus sonhos — e coçou as pálpebras, bocejando pouco elegantemente. Talvez por esquecimento, talvez por não admitir uma falha no seu produto, fitou o seu relógio com a pura crença de que as horas nele demonstradas eram as corretas.

— Seis e cinquenta? Mas por que raios o meu cuco despertou com as galinhas hoje?! — Perguntou ao ar, ouvindo reclamações por parte das colegas de dormitório, profundamente embaladas na preguiça da madrugada. Fortemente convicta que não tinha compromissos, recobriu os olhos e atirou o tronco de volta à cama, simulando o ronronar de um gato.

Não tardou até que o dito cuco amadeirado se revoltasse com chiares agudos, cumprindo, pela primeira vez, uma função útil.

— Morgana Narguilar, mas o que se passa contigo hoje, Vicente João? — Perguntou Christine, em tom excessivamente elevado. Novamente deixou os seus olhos descobertos, ordenou ao cuco que parasse de emitir ruído e subitamente.

Lembrou-se.

— SEIS E CINQUENTA? — Bradou, abrindo demasiadamente os olhos numa demonstração quase cômica de surpresa.

Irrompeu da cama com uma repentina energia, despindo as partes dos pijama e atirando-as para todos os ângulos possíveis. Vestiu as suas vestes negras com apontamentos de amarelo-canário, manteve o cabelo na selvajaria matinal e, à pressa, tentou encontrar em vão algum dos incontáveis pares de meias listradas. Foram gavetas e travesseiros revirados, colchas e cobertores torcidos, caixas esvaziadas e nem um sinal das suas estimadas peúgas.

— Narguilés. — Sussurrou para si mesma, semicerrando os olhos e perscrutando o ambiente em volta como se, de alguma maneira, conseguisse localizar as criaturas responsáveis pelo roubo. Isto até se lembrar que estava muito atrasada, claro.

Cada um dos nomes que constava na lista estava presente, com a exceção inevitável de Christine. As expressões ao adentrar as cozinhas eram variadas: via-se ânimo, excitação, medo, insegurança e, comum a todos, sono. Ainda o sol se refugiava no aconchego incognoscível do horizonte e já estava o grupo de alunos todo reunido, preparado para algo que não sabia ao certo o quê.

— Onde está a Chris? — Sussurrou Bran para Rufo, batendo com o pé impacientemente no chão.

— Acho que nem ela sabe. — Respondeu o sonserino, esboçando um sorriso imperceptível com o canto da boca, que, face às circunstâncias, seria mais facilmente associado a nervosismo do que a graça.

O início da reunião não estava a ser, de todo, semelhante ao cenário perfeito que eles haviam criado nas suas mentes. O ambiente não era silencioso nem tenso, antes pelo contrário: todos falavam, num timbre desnecessariamente volumoso; questões eram lançadas no ar, mas logo dissolvidas no ruído humano; os elfos agiam com uma repulsa anormal, como se não quisessem estar envolvidos nas “ilegalidades” alheias. O que os salvou foi o encantamento Abaffiato, que Rufo tivera a cautela de verbalizar logo ao entrar nas cozinhas. Com o mesmo, todo o barulho se transformava em silêncio para além daquelas paredes, como uma barreira cuja não-existência era impensável.

O convívio e amizade reprimidos desde o início do ano estavam a ser fortemente compensados naqueles instantes, o que revelava uma imaturidade ridícula. Ou, se calhar, apenas humanidade.

Eram sete e um quarto quando Christine irrompeu pelas cozinhas, salva pelo facto de serem muito próximas do dormitório lufano.

— CHEGUEI! — Gritou, repetidamente, ao dar entrada no grande espaço. Tal era o som das vozes humanas que ninguém reparou na seu aparecimento escandaloso, à exceção dos elfos.

— Menina Christine, mas que saudades! — Murmuravam docemente as criaturas. — Folgo em vê-la, pequena Chris. — Acrescentavam outros.

— Bialaer, como vais? A lordose melhorou ou nem por isso? — Respondeu ela, ainda ofegante da corrida. — Garrik, estás diferente. Novo corte de cabelo? — Brincou, observando o rosto do elfo a corar progressivamente. Sim, para Christine era fisicamente possível um elfo enrubescer.

Depois da tarefa demorada de cumprimentar todos as criaturinhas, dirigiu-se a Brandon e Rufo, que a olhavam reprovadoramente. Pelo caminho, foi apertada por Lucas, Megan, Mel, Jhessy, Lara, enfim, todos os que libertaram o desejo apelante de apertar as bochechas rechonchudinhas da menina. Após uma jornada repleta de amor — até demais! — foi recebida pouco amigavelmente pelos rapazes.

— Atrasada logo no primeiro encontro, isso não é começar com o pé direito. — Desbobinou Bran, anormalmente irritado.

Chris refletiu por segundos, indiferente à repreensão que acabara de receber.

— A culpa foi do Vicente João, sabem? O meu cuco de madeira.

Rufo e o amigo trocaram olhares suspensos, que depois se dissolveram em riso. O sonserino deu um leve toque no braço da menina e sorriu.

— Só você mesmo, Chris.

— Silêncio, pessoal. — Verbalizou Brandon, com um tom de voz elevado. Não houve resposta. — Por Morgana, vocês vieram aqui para trocar mexericos ou para fazer algo de útil?! — Indagou, revoltado. Barulho.

Christine deu dois passos em frente e bradou um “shiu” estridente, que abafou o som proveniente de algumas parcelas do grupo. Este efeito pouco demorou, já que segundos a seguir retornaram as conversas de café, cuspidas incessantemente pela escassez de oportunidades anteriores.

Rufo, que certamente não estava habituado a ser ignorado, retirou a varinha das vestes em uma sequência intimidante. Apontou-a à sua garganta e, com uma voz particularmente atraente, sibilou “Sonorus”. Pigarreou e o efeito foi logo notado. Silêncio instantâneo.

— Bom dia, companheiros. Queremos pedir desculpa pela demora a começar este encontro, mas eventos fora do nosso controle retardaram tudo. — Levantou uma sobrancelha, divertido, e fitou Christine de relance. Ela gargalhou de forma exageradamente pronunciada e, envergonhada, concentrou-se no chão. Incrível como nas alturas de constrangimento este se transforma no nosso melhor amigo.

Rufo passou a palavra a Brandon que, tentando esconder uma intimidação pouco racional, não necessitou de ampliar a voz para ser ouvido no silêncio instalado. Anuiu para o colega, num sinal de agradecimento.

— Sim, agora é a parte do discurso motivacional. — Sorriu e estabeleceu contacto visual com o máximo de pessoas presentes. — Eu olho para vocês e vejo rostos conhecidos. Vejo amigos. Vejo colegas. Vejo companheiros. Mas acima de tudo, eu vejo família. Não quero saber dos riscos que corremos ao estar aqui, prefiro ser castigado ou expulso do que continuar a viver nesta Hogwarts que se tornou numa prisão. — Afirmou, convicto, esperando Christine dar continuidade ao seu discurso. Contudo, a mesma permaneceu com um sorriso contrastante e alheio à situação, como se não tivesse ouvido nada. Foi preciso um leve encorajar murmurado para ela começar a falar.

— Ah, sou eu? Pensei que primeiro… — Cessou a justificação ao observar os gestos de “avante”, “despacha-te” e “não interessa” dos rapazes. Anuiu. — Eu acho que temos de tirar aquele Brian daqui, ele não deixa espalhar incenso de lírio pelos dormitórios.

Houve um momento de suspensão, em que todos esperavam ouvir algo mais por parte da lufana. Obviamente, isso não aconteceu.

— Todos estamos aqui porque sabemos duas coisas: Kenton é inocente e Brian é culpado. Pensam que somos os únicos que chegamos a esta conclusão? Não. Acho que o todo o mundo mágico sabe disso, mas há um medo generalizado de fazer algo para o contrariar. A questão é, Brian não está sozinho. Há toda uma máquina atrás dele, que provavelmente está a tentar apoderar-se, ou já se apoderou, do ministério, do Mungus, de tudo.

Caminhava paralelamente aos colegas, que prendiam toda a atenção nas palavras de Rufo. Christine interviu.

— Mas nós, amigos, nós somos as formiguinhas que andam no sentido contrário do trilho. A rebelião. A faísca que vai deflagrar o incêndio. Vamos não só provar que ele é um assassino como iremos fazê-lo tomar um pouco do seu remédio! — Burburinhos de surpresa ouviram-se.

— Sim, matá-lo! Até nos surgir uma ideia aceitável de como o fazer, vamos nos fortificar. Ou vocês estão conosco, ou contra nós. Quem não estiver a favor, conhece a entrada destas cozinhas. — Acrescentou Brandon.

Muitos se entreolharam, mas ninguém se moveu.

— Estão de brincadeira? Com o sofrimento que ele causou a tantas pessoas, a morte até parece um destino demasiado bondoso. E para além disso, alguém tem de proteger esta texuguinha linda. — Lucas disse, dando alguns passos em frente e abraçando Chris.

— O que é que temos mais a perder? Estou dentro. — Mel avançou, com uma expressão confiante.

“Estamos juntos”, “Contem comigo” e até um “Se eu morrer, mato vocês” por parte de Rick preencheram a sala. Em pouco tempo, já se tinha formado uma meia-lua com centro nos três mosqueteiros.

— Então vamos a isso. — Incentivou Bran, invadido por um daqueles sorrisos largos impossíveis de contrariar.

Foram dadas indicações rápidas e o grupo acabou por se dividir fluidamente. Grande parte dos alunos foi ao encontro de Rufo, que se encarregou de ensinar feitiços de ataque normalmente leccionados em anos mais avançados. Brandon ficou com a função de ajudar os menos habilidosos a melhorar, tanto a nível dos feitiços como da confiança propriamente dita. Christine, por sua vez, responsabilizou-se dos feitiços defensivos. Por muito desajeitada que fosse, sempre fora admiravelmente instruída nesse tópico, em grande parte devido à sua paranoia com seres invisíveis.

— Eles espreitam pelas janelas, pelas portas, por todo o lado. Dão por vocês e BAM!, aparece um heliopata mesmo em frente aos vossos olhos. E aí, o que fazem? Rezam que os vossos reflexos e conhecimentos sejam bons o suficiente para lidar com a situação. — Repetia ela vezes excessivas, aproveitando todas as oportunidades para fugir, inconscientemente, ao contexto da situação onde estava inserida.

— O truque está em utilizar os feitiços simples corretamente. É um erro irem por caminhos mais complicados se ainda não dominam o básico. — Instruía Rufo.

Criou uma fila de colegas que, respetivamente, demonstravam o encantamento em que eram mais habilidosos. Um boneco inflável jazia no fundo das cozinhas, pronto a ser utilizado para a tarefa infeliz de alvo. Após cada ataque, ele voltava ao seu estado inicial, fruto de um bruxedo alternativo inventado por Brandon.

Este último parecia desempenhar um papel eficaz na tarefa de remendar os menos talentosos. Eram em maior número dos primeiros anos, e alguns nem sabiam o que era a Hogwarts antiga pela qual os outros tanto lutavam.

— Tenta segurar a varinha assim. — Ajudava Bran, girando a mão de Luke Bringstrow para uma posição menos constrangedora. Logo se ouviu um estrondo e o boneco desfez-se em chamas.

— Uau! Isso ajudou! — Exclamou o pequeno, com um sorriso de puro júbilo completamente impagável.

No outro lado das cozinhas, Christine desenhava formas no ar, indicando aos seus adeptos alternativos os movimentos de cada feitiço defensivo. Variavam de círculos a quadrados, passando por espirais a linhas. A lufana atacava os colegas com magias leves, analisando e corrigindo de seguida os erros que fossem demonstrados na defesa. Passado algum tempo — não muito, já que tinham as badaladas contadas —, houve uma permuta dos grupos, de modo a que todos se aprofundassem nas diferentes áreas do saber. Entretanto, os elfos haviam adotado uma postura mais dócil, chegando até a oferecer alguns petiscos aos desordeiros. Influências da “menina Christine”, naturalmente.

Faltavam cerca de vinte minutos para as nove horas, momento em que teriam de terminar o encontro. Rufo fez um gesto amplo com o braço direito, indicando a todos que se juntassem em duas filas bastante separadas. Estas posicionaram-se uma perante a outra como um espelho e, sem grandes explicações necessárias, todos batalharam com o oponente defronte de si.

Cada um deles imaginou o colega em frente de si como Brian e, então, a ira facilmente despontou em feitiços perfeitamente executados. Proteções eficazes, resultado das lições de Christine, permitiram que ninguém se ferisse — pelo menos com gravidade.

No fim, todos foram preenchidos por um sentimento de autossatisfação e felicidade, como há muito não sentiam. Já não existiam regras ou rigor, haviam-se dissolvido os limites para o que a união podia conquistar.

Rufo, Christine, Brandon, Mel, Megan, Lara, Jhessy, Gary, Lucas, Sophie, Lara, Ryan, Franccesca, Isaac, Sirius, Rick, Ariel, Katrina, todos unidos em um só... Inderrotáveis.


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Notas finais do capítulo

Não se esqueçam de comentar, pois é muitíssimo importante para todos nós. Para sabermos o que estão achando, se pecamos, onde pecamos, tudo é imensamente crucial para o andamento confortável a todos. Até o próximo, amorecos! s2