Irreal escrita por Pepper


Capítulo 3
Lágrimas clandestinas




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Oh! Que bom que veio! Fico feliz... Demorou muito, hein? Mas tudo bem, não se acanhe. Sabe... Nesses dias eu estava me lembrando de como ganhei este apelido de ser Irreal...

Faz muitos anos atrás, já tinha um pouco de tempo livre, então eu vagava apenas com minha essência, observava os amores que plantei, e acompanhava os seres humanos, preferia os jovens, tão mais ousados! Como se o mundo fosse acabar nos próximos 60 segundos. Por isso, gostava de tocá-los com o amor adolescente. Certo dia, passeava por Santos, litoral de São Paulo, ah, como amo aquelas prais! Naquela época, claro, eram águas cristalinas! Enfim, foco, a menina de uns 16 anos (minha idade favorita para tocar o amor nas pessoas) chorava sentava num muro que separava a calçada da praia embaixo. Uma amiga a abraçava e falava coisas, numa tentativa falha de consolá-la. Ela dizia algo como...

– Calma amiga, o amor é assim, faz você sofrer, mas logo passa... - Que lorota! Sempre com essas manias de associar-me ao sofrer de um coração partido...

A menina em prantos se largou irritada e correu aparentemente sem rumo. Chegou até sua casa, e eu a acompanhava, era noite já, morava num prédio, subiu até o quarto andar, e entrou no número 44, atravessou a sala de estar, passou direto por uma cozinha e entrou num quarto todo enfeitado. Ela fitava com lágrimas e raiva uma escrivaninha, cheia de coisas delicadas, e no meio de tudo tinha um coração de vidro sorrindo e nele escrito "Eu te amo",logo percebi o que aqueles objetos tinham. Cada um deles guardava as lembranças de um amor, que acabara de falecer nas mãos da menina, assim como a mãe morrera na frente de Clarinha. Juro-te, era o mesmo olhar.

A menina sucumbiu à raiva do amor destruído sem sua permissão, e atacou a escrivaninha derrubando todos os objetos que um dia continham amor, e eles se espatifaram no chão. A menina se ajoelhou em frente aos cacos do que restara, como se visse diante de teus olhos, uma essência colorida subir dos objetos e dissipar-se no ar. Mas eu vi. Era o amor ele morreu, e eu me senti uma pitada mais fraca.

Me ajoelhei ao lado da garota e notei que ela havia visto algo que não gostava, eu segui teus olhos e vi o que a incomodara, o coração de vidro suportara a queda. Ela o agarrou e o tacou contra a parede com toda sua força que lhe restara. E eu vi e ouvi. A essência sumindo no ar, e risadas e palavras jogadas ao vento, caminhando ao eterno esquecimento. A menina machucada feito um soldado numa guerra perdida, disse apenas uma única frase:

– O amor não é sofrer, não é ser feliz, é apenas Irreal...

Sabendo o significado de tal palavra, eu gostei. E foi assim,criança, que eu aceitei ser chamada de Irreal. Não existo, formalmente, na matéria, estou na sua cabeça, no seu coração. E o amor, está na imaginação de cada um. Cada um me interpreta de teu próprio jeito.

Bom, agora, chega de bobeiras! Contar-lhe-ei o que realmente veio para ouvir. Mais uma história de outra garota.

Janaína.

Adivertir-lhe-ei sobre tal garota. Como diz-se por aí, "A menina não é boba".

A conheci quando nasceu, abençoei pessoalmente, como muitas vezes o faço, o casamento de teus pais, e como recompensa, tornei-me Madrinha de Janaína. E sem saber o que exatamente uma madrinha faz, eu lhe abençoei com o dom de Afrodite. A menina nasceu bela, e amável. Viveu e cresceu bela e amável. Como podes supôr, Janaína era filha de Clarinha, uma das crianças que ouvia-me incansavelmente enquanto teu pai curava feridos na guerra. Contei-lhe, acho eu, que a família havia se mudado? Devo ter-lhe contado, não sei, as vezes confundo-me a cabeça. Mas vi hoje, em minhas devastas anotações (As tenho desde que papel e tinta fora inventado) que a família se mudara, no final da guerra, para Estados Unidos. Me convidaram para ir com eles, pelo fato de Janaína e seus irmãos gostarem de mim. Mas naquela época eu ainda era muito ocupada. Então jurei encontrá-los quando passasse pelo país. Clarinha, que havia virado Clara, Leo, que era agora Leonardo, e seus filhos foram morar Perto do Rio Hudson. Que também era limpo na época.

Eu passei mil vezes por lá, antes de poder fazer uma visita à família. As crianças haviam crescido e eu aparentava cinquenta anos. Clara já não me perguntava mais como era possível, creio que ela já tinha descoberto na época.

Quando revi a família, apenas Janaína se encontrava em casa. Ela tinha 15 anos, foi quando conversamos sobre sua recente vida amorosa. Era um garoto, Richard, apelidado de Rich, ele dizia que a amava, mas ela não consegui dar-lhe a resposta desse amor, mas gostava do garoto, era apaixonada por ele, mas não o amava.

– Diga a ele, - Aconselhava. - Que não o ama, mas que está apenas apaixonada. Converse com ele com plena sinceridade.

Ela seguiu meu conselho, e quando voltei dois meses depois, ela veio me contar o resultado.

– Ele disse que, se eu estou incerta com isso, nós não podíamos ter mais nada... - Seu olhar era ferido, triste com tal separação, mas apresentava melhoras.

– Sabe, se for pra ser, será. Olhe, sou solteira e já vivi muitos amores! O que importa, não é o fato de durar eternamente, mas sim que seja eterno as boas lembranças vividas deste amor.

– Você tem razão tia Bélle... Obrigada... - A menina me abraçou e deixou uma lágrima clandestina escorregar e pingar em meu vestido.

Só voltei para lá quando a menina tinha 17 anos, e lamento até hoje ter chegado tão atrasada. Mal sabia eu, tão preocupada com o amor dos outros, que esqueci o de minha afilhada, que ela precisava mais de mim do que nunca.

Ah, como me culpo pelos fatos macabros relacionados ao amor!


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Notas finais do capítulo

Irreal:
1. Que está fora da realidade.
2. Que existe apenas na imaginação. = IMAGINÁRIO
3. Que é desadequado para uma situação



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