Vida em Erebor escrita por Vindalf


Capítulo 44
Lá vem o sol


Notas iniciais do capítulo

Cantoria e proposta de emprego



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Lá vem o sol

Cantoria e proposta de emprego

Gandalf partiu num dia excepcionalmente quente e ensolarado. A neve havia derretido completamente e a lama era mínima. Sem tanta lama, Anna se arriscava a deixar Darin dar uns passinhos pelo terreno acidentado do Shire, segurando as mãos dele pacientemente. Em geral, as demais crianças não demoravam a ver os dois lá fora e vinham para brincar com eles ou conversar com Anna.

Era inegável que os pequenos estavam fascinados com a mãe de Darin. Anna achava que era devido à sua altura. Hobbits em geral não confiavam em pessoas altas, ou gente grande, como chamavam. Anna era ainda menor do que um hobbit adulto, e as crianças sentiam-se mais próximas a ela.

Era cada vez mais comum vê-la cercada de meninos e meninas das mais variadas idades, querendo músicas novas ou histórias novas. Anna nem precisava incentivar atividades: eles sempre vinham pedir músicas, histórias ou simplesmente saber sobre Darin, o pai dele, ou sobre Anna em si. Crianças hobbit eram curiosas, sagazes e cheias de energia.

Um dia ela voltou para Bag End depois de uma tarde com as crianças e entrou, tirando os sapatos, como sempre fazia.

— Oi, voltamos! — Ela se pôs a tirar os sapatinhos de Darin também. — Alguém em casa?

A voz de Bilbo soou de dentro da toca, dizendo:

— Ah, Anna, que bom que chegou. Venha até a sala.

Ela entrou, dizendo:

— Acabo de notar que Darin cresceu muito nas últimas semanas. Ele precisará de novas roupas para este verão e-

Interrompeu-se ao ver uma reunião de hobbits na sala. Reconheceu os Brandybucks, o Velho Took e Adamanta, os Proudfoots e até Lobélia Sackville-Baggins e seu marido.

E todos olhavam para ela.

— Não sabia que tinha visitas, Bilbo — disse ela, insegura. — Er, olá para todos.

Bilbo disse, revelando que todos tomavam um chá com pãezinhos:

— Entre, Anna. Os Took, os Bradubucks, os Proudfoots estavam falando de você. Junte-se a nós.

Ela obedeceu, indagando:

— Foi alguma coisa que eu fiz?

O Velho Took tomou a palavra, erguendo-se:

— Minha querida Anna, vemos que você tem passado bastante tempo com as crianças de Hobbiton. Elas têm cantado músicas novas, brincadeiras e essas coisas.

Ela enrubesceu:

— Desculpe, eu só queria-

O Velho Took a interrompeu:

— Espere, querida, deixe-me falar até o fim. Os pais têm falado que você pede aos pequenos que obedeçam a seus pais e comam todas as suas oito refeições sem estragar o apetite com lanchinhos fora de hora. E embora os mais velhos achem seus conselhos "chatos", os pequenos adoram as músicas e histórias.

Anna estava vexada. É claro que aquelas pessoas (aqueles pais, lembrou) estavam chateados. O que ela estava pensando? Se algum estranho ficasse passando tempo com Darin ou contando histórias para ele sem pedir sua permissão, ela provavelmente também estaria preocupada.

O Velho Took continuou:

— Entenda que muitos desses pais têm dificuldade em cuidar dos pequenos, pois têm que ensinar as letras e os números aos demais, ou cuidar de seu trabalho. É difícil dar conta e normalmente as mães se ajudam nessas tarefas.

Anna estava morta de vergonha:

— Garanto que jamais tive a intenção de ofender ninguém. Nunca quis fazer mal a quem quer que fosse. Eu sinto muito!

— Mas ninguém aqui está ofendido, minha cara. Você não entendeu — sorriu o Velho Took. — Gostaríamos que se comprometesse a fazer isso algumas vezes na semana. Se quiser, claro.

Adamanta reforçou:

— E é claro que, se aceitar, seu esforço será recompensado.

Só então Anna pareceu entender:

— Querem que eu cuide das crianças?

Mirabella justificou:

— Estão fascinadas com você. Até Asfodélia, que sempre teve temperamento difícil, sai dizendo que vai tomar conta de Prímula, mas ela gosta das suas histórias, especialmente as de princesas.

Anna garantiu:

— Asfodélia é um doce e me ajuda com as demais. Talvez essa fase rebelde seja apenas a chegada à adolescência.

— Então, minha querida? — indagou o Velho Took. — Você aceita?

Lobelia resmungou:

— Mas não podemos pagar muito! Nem todos aqui vivem custeadas por solteirões ricos!

Fez-se silêncio, e Bilbo, que estava calado até então, ia se levantando para responder à insinuação maldosa quando Anna observou:

— Se eu aceitar, será preciso arrumar um outro lugar para as crianças poderem ficar, não em Bag End.

A voz de Lobelia subiu uma oitava ao perguntar:

— Mas por que não pode ser? É uma casa grande, deveria estar cheia de crianças, como uma casa de um hobbit decente deve ser. Pode-se saber por que não pode ser em Bag End?

Com calma, Anna respondeu:

— Esta casa é de Bilbo Baggins. Ele é um solteirão que aprecia seus momentos de silêncio, e que gosta de estudar e ler. Já é uma imposição ele ter que aguentar meu filho — Bilbo tentou protestar, e Anna não deixou —, mas isso é bem diferente de ter quase 15 crianças dançando, cantando e gritando. Não me levem a mal: eu adoro todas elas, mas elas são barulhentas, porque crianças desta idade são barulhentas. Quando brincamos lá fora, fazemos barulho. Bilbo não precisa passar por isso dentro da própria casa. Desculpem a franqueza, mas insisto nisso. Não há um lugar onde vocês se reúnem para tomar decisões conjuntas? Talvez possamos usá-lo.

Adamanta Took se adiantou:

— Isso não será necessário. Eu ofereço a minha casa. A sala de jantar está mesmo precisando de uma decoração nova. E vou adorar ajudar Anna.

O Velho Took indagou:

— Tem certeza, minha velha? Não somos mais tão jovens.

— Mas são meus sobrinhos-netos, netos e primos! — garantiu a hobbit mais velha. — Eu não poderia cuidar deles sozinha, mas posso ajudar a querida Anna. Além do mais, sou casada com um Took e o Thain do Shire! É minha obrigação! Humpf!

Anna sorriu:

— Obrigada, Sra. Took. Fico feliz que queira me ajudar, pois é uma grande responsabilidade. Crianças são preciosas além de qualquer bem material. Eu me sinto honrada que queiram me confiar seus filhos.

Mirabella comentou, satisfeita:

— Ouviram? Eu disse que ela é a melhor opção: ela é uma mãe também.

O Velho Took se dirigiu a Anna e disse:

— Você rapidamente se tornou um membro valioso de nossa comunidade. Curadora, agora cuidadora, você é uma bênção de muitos modos. Como Thain, eu digo isso. E como avô de Bilbo, eu digo que meu rapaz tem sorte em ter você por perto.

Lobelia Sackville-Baggins soltou um rosnado de desprezo tão alto que os outros a encararam, e Anna respondeu ao Thain:

— São palavras gentis, senhor. Muito me honram.

A sra. Proudfoot quis saber:

— Então, quando podemos começar?

Adamanta respondeu:

— Assim que o salão lá de casa ficar pronto. Faremos os preparativos em seguida.

Anna teve uma ideia:

— Excelente. Isso dará tempo de confeccionar uma pequena peça que as crianças vão gostar. Sr. Chubb-Baggins, o senhor trabalha com madeira, não?

— Pode chamar de Falco — respondeu ele, intrigado. — Do que precisa?

Anna sorriu:

— De um instrumento capaz de manter a atenção e a disciplina dos pequenos.

— Por Yavanna! — admirou-se Mirabella Brandybuck. — Quer fazer uma palmatória?

Anna horrorizou-se:

— Mahal proíba, não! Eu estava pensando mais nas linhas de um apito.

Eles se entreolharam, intrigados, até mesmo Bilbo. Falco Chubb-Baggins repetiu vagarosamente:

— Um a-apito...? Eu não sei fazer um.

Anna sorriu:

— Eu lhe explico como fazer. Vai ser divertido para o senhor, e um alívio para todos — de uma certa maneira.

O sorriso de Bilbo aumentou. Anna era mesmo engenhosa!

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Em menos de duas semanas, um novo som começou a ser ouvido nos ares do Condado. A Operação Apito foi mais complicada que Anna imaginara a princípio, já que não havia um ferreiro nas redondezas desde que o velho Burrows morrera, há mais de quatro anos. Mas Falco deu conta do recado brilhantemente improvisando uma pedrinha no lugar da esfera de metal.

Então, Anna fez questão de ir de casa em casa, explicando a pais e crianças o que era um apito e o conceito de creche. Adultos e mais velhos ficaram fascinados com o instrumento e Anna explicava a importância da higiene em qualquer coisa que se leve à boca.

A rotina logo se estabeleceu: de manhã, Anna se dedicava a Darin e ao jardim que Hamfast a ajudava a montar. À tarde, ela passava de casa em casa, soando o apito. Era a deixa para as crianças darem tchau aos pais e seguirem com Anna para o local do dia: às vezes era a casa do Velho Took, às vezes era a grande Árvore Comunal, onde se realizavam as festas da colheita, do solstício e as demais.

Os dias ensolarados se enchiam de risos e gritos, brincadeiras, músicas, competições e histórias.

Anna logo descobriu, porém, que as histórias favoritas eram sobre ela mesma.

— Você vai casar com tio Bilbo, Dona Anna?

— Não, Prim, seu tio é meu tio também. Como posso me casar com ele? — Ela sorriu, paciente. — Além do mais, eu já sou casada e tenho um marido, que é o pai de Darin. Não é, Darin? Papai.

Darin gritou a palavra que aprendera:

Adad!

— Muito bem, filhinho.

— O pai dele se chama Adad?

— Não, adad é papai na língua do povo de meu marido. Mamãe é amad, que sou eu.

A pergunta inevitável veio logo:

— Onde está o pai dele?

Anna respondeu:

— O pai de Darin é uma pessoa muito importante e não pôde vir conosco. É uma pena, porque sentimos muita falta dele.

Adad! — repetiu Darin.

— Onde ele está?

— Ele está numa cidade muito bonita chamada Erebor. Foi lá que Darin nasceu.

— Qual é o nome do papai do Darin?

— Thorin. Thorin Oakenshield. Ele é um guerreiro e um líder, como o seu Thain.

Isengram Took IV gritou:

— O Thain é meu vovô!

— E meu tio!

— E tio da minha mãe!

— E primo do meu tio!

Anna começou a ver a gritaria escalar fora de controle e usou o apito. Era a deixa para todos ficarem quietos e prestarem atenção. Anna então sugeriu:

— Muito bem! E agora, vamos a uma história. Quem quer que eu continue a contar a história do menino bruxo Harry Potter?

— Eu! Eu!

Anna tinha adaptado os livros de J. K. Rowling para não assustar tanto os pequenos hobbits. Eles adoravam as histórias e de repente havia duelos com varinhas improvisadas e jogos de quidditch adaptados pelos campos do Shire.

As inocentes perguntas das crianças sobre Thorin e Erebor despertaram em Anna emoções intensas. Ela tentava ser discreta. Só durante a madrugada ela se permitia chorar a saudade do marido, quando não precisava ser forte para as crianças ou Bilbo. Ela viu Darin dormindo no bercinho e lembrou-se das noites que Thorin passava fazendo isso: olhando o filho dormir, falando com ele baixinho em Khuzdul, prometendo ser o melhor pai do mundo. A emoção triplicava.

Após todos aqueles meses longe de seu amor, Anna não sentia Thorin como uma figura distante ou inatingível. Ela o sentia forte em seu coração, perto de sua alma, sempre em sua mente. Para Anna, o adágio "longe dos olhos, longe do coração" parecia ser um arrazoado de bobagens.

Thorin estaria sempre em sua mente.

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— Bilbo, o que está fazendo?

Anna chegou em casa uma tarde e encontrou o hobbit concentrado em revirar seus baús, separando alguns objetos e organizando outros. Darin, cujos passinhos eram cada vez mais firmes, logo ficou curioso: ele não tinha permissão de mexer no baú.

— Bibi! — Era como o menino chamava Bilbo.

O dito Bibi respondeu:

— Oh, não é nada. Estou separando mathoms. Meu aniversário já passou, mas é sempre bom estar preparado.

Anna sorriu:

— Oh, é verdade! É como hobbits comemoram aniversários. O seu é em setembro, isso mesmo. Mas os outros podem dar presentes também?

— Sim, é claro. Hobbits gostam muito de dar e receber presentes.

Ela lembrou:

— E é um aniversário duplo, você e Fr-

Anna se deteve, subitamente, lívida de susto. Bilbo dividia o aniversário com o sobrinho Frodo Baggins, mas não podia mencionar isso. Frodo ainda nem nascera. Ele seria o futuro Portador do Anel, levando-o até Mordor para ser destruído após muito sofrimento, sacrifício e provação.

Mas Anna não podia mencionar Frodo, que levaria pelo menos mais 20 anos para nascer. Ela não podia mencionar o Anel, nem coisas que sabia sobre as crianças de suas crianças. Sim, pois Anna era babá de ambos seus pais, Prímula e Drogo.

Era esquisito pensar nisso. Ainda mais que ela nem sabia se viveria tempo suficiente para conhecer Frodo bebê.

Anna ainda estava perdida nessas considerações quando Bilbo indagou:

— Eu e quem?

— O quê?

Bilbo explicou:

— Você falou em um aniversário duplo, eu e uma pessoa que começa com Fr. Quem é esse?

Ela tentou pensar rápido, e respondeu a primeira coisa que veio à cabeça:

— Fred! É, Fred, que é apelido de Frederico. Ele é meu... er, primo. É, isso mesmo: primo.

Bilbo estranhou:

— Pensei que não tivesse tios ou primos. Não é filha única?

— É que... ele é primo de minha mãe, um primo distante. Como eu disse, a aventura para Erebor está em livros, e seu aniversário também. Fred também nasceu no mesmo dia. Minha mãe e eu achávamos engraçado que nossa família fosse tão pequena, mas tinha um aniversário com alguém importante na história.

— Isso é lisonjeiro — ele disse, com um sorriso. — Mas você pareceu assustada. O que foi?

Ele deu de ombros:

— Não, é só... Bem, uma bobagem. Pensei na minha mãe, e eu não pensava nela há algum tempo. Isso me assustou.

Bilbo a encarou, olhos cheios de afeição:

— Não é bobagem. Você tem saudade de sua mãe, e isso é natural.

"Desculpe pela mentira, mamãe," pensou Anna.

— Bi! — chamou Darin, entusiasmado ao ver o baú aberto.

As atenções dos dois se voltaram para Darin, que demandava examinar em detalhes os mathoms que Bilbo tentava separar.

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Os dias de primavera iam ficando mais presentes e em breve a estação fria ficaria para trás. Até as campainhas-de-inverno começaram a se tornar mais raras. Anna e sua turminha ficavam cada vez mais tempo nos campos.

Alguns dos mais velhos por vezes se juntavam aos pequenos. Felizmente, Anna geralmente tinha a ajuda de Asfodélia Brandybuck, que se tornava muito valiosa quando o grupo aumentava. Darin rapidamente se apegou a ela também.

O primeiro "pagamento" de sua atividade não demorou a vir. No fim de tarde, quando chegou em casa depois de entregar as crianças, Anna encontrou um minienxoval de verão para Darin e um lindo vestido floral para ela mesma. Ela decidiu que iria usá-lo na festa da colheita. Era uma das ocasiões mais festivas de todo o Shire, bem como o solstício de verão. Anna estava ansiosa pelas festas, as emoções, a alegria.

Oh, mal sabia ela que não faltariam emoções.

Palavras em Khuzdul

adad = papai


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