Vida em Erebor escrita por Vindalf


Capítulo 15
O pior dia


Notas iniciais do capítulo

Anna se questiona se é tão forte



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O pior dia

Anna se questiona se é tão forte

Thorin acordou cedo no dia seguinte e tomou café com Anna, Dís e os sobrinhos na sala da família. Havia uma tensão à mesa: Fíli e Kíli, em especial, não queriam aborrecer Anna lembrando o ataque. Thorin também estava sombrio, e Dís observava todos com atenção. Anna percebeu o problema e garantiu, tentando aliviar o ambiente tenso:

— Gente, eu estou bem. E digo mais: fico feliz que vamos tratar disso hoje mesmo, assim poderemos todos deixar esse horrível incidente para trás.

Dís concordou:

— Sim, Anna tem razão. Agora podem ir, se já terminaram. As mulheres têm muito a fazer.

Anna não entendeu do que se tratava, mas viu os homens saírem rapidamente. Ela indagou:

— Dis, aconteceu alguma coisa, não foi, O que há? O que não estão me contando?

Dís olhou para Hila.

— Você entende?

A criada respondeu:

— Sim, senhora. Os homens não entendem. Provavelmente eles nem sabem!...

Anna arregalou os olhos:

— Não sabem o quê? Por favor, não me assustem!

Dís se virou para ela e disse, sombria:

— Thorin e os meninos não sabem nem entendem o que aquele homem tentou fazer. Dentro de nossa sociedade, a mera tentativa de violação já é uma mancha na reputação de uma mulher. Ele conseguiu o que queria: as pessoas vão começar a questionar sua honra, Anna. E isso pode ter complicações políticas para Thorin.

Anna se assustou:

— O que posso fazer? Como devo agir nesse caso?

Hila respondeu:

— Primeiro deve se impor como uma nobre, parte da família real. Precisa aparecer na execução impecavelmente vestida, trançada e adornada. Posso ajudar nisso.

Dís completou:

— Uma mulher vítima desse tipo de ataque precisa aparentar total desprezo por seu agressor. Deve exigir reparações altas para ninguém ter a menor dúvida.

— Como o quê?

— Ouro e joias, claro.

— Mas ele não parece ter muitas posses.

— Tolice. Toda família khuzd tem uma reserva de joias, por menor que seja. Ela servirá para pagar sua reparação.

— A família dele vai pagar? — Anna parecia horrorizada. — Mas eles não têm nada a ver com o crime dele!

Dís deu de ombros.

— Ele que pensasse nisso antes de cometer esse crime abominável. Hila tem razão, minha cunhada: você às vezes é boa demais. Precisa deixar esse traço de lado agora. A verdade é que nesta hora você deve ser impiedosa.

O olhar que Anna lançou às duas deixou claro que aquilo era contra a natureza da consorte. Dís olhou para Hila:

— Estou vendo que não vai ser fácil.

Hila disse a Anna:

— Madame, depois podemos ajudar a pensar em reparações apropriadas. No momento, devemos começar a prepará-la. Posso pedir ajuda de alguém que deverá ser útil?

— Quem?

Hila sorriu:

— Mestre Dori.

E foi assim que Anna se viu cercada de ajudantes que escolheram suas roupas, joias, sapatos e adereços. Os cabelos foram cuidadosamente trançados para ressaltar as contas com o símbolo da linhagem de Durin. Ao contrário de seu gosto, ela usou uma infinidade de anéis e colares. Por seu pulso ser fino demais, uma pulseira de tornozelo em ouro foi adaptada para seu braço, e outra (em mithril) terminou sendo usada como uma meia tiara.

Ao se olhar no espelho, Anna notou que ela estava cheia de joias, mas eram peças simples, sem ostentação. Eram apenas muitas. Como as roupas, que também eram elegantes, mas de pouca sofisticação. No final, o resultado era que Anna parecia uma nobre bem-arrumada, mas sem esnobação. Ela admitiu que gostou do resultado e que Dís, Dori e Hila foram muito felizes na escolha de seus trajes.

Então eles foram chamados por Balin para o Marnabul, a praça interna. Anna foi conduzida ao local, de cabeça erguida.

Ao chegar lá, lembrou-se dos filmes medievais que mostravam execuções em praça pública. Uma multidão estava à espera. Era óbvio que todos estavam curiosos para saber o que faria a consorte do rei.

Kíli e Fíli estavam a seu lado e encontraram Thorin, já na plataforma montada para o evento. Anna subiu os degraus lentamente, sem demonstrar qualquer emoção. Se o rei se espantou por seus trajes, mais elaborados do que de costume, ele não revelou.

Anna sentou-se ao lado do marido, que beijou sua mão. O gesto aqueceu o coração da moça, pois ela não conseguia evitar o nervosismo interno, ou o coração que ameaçava sair pela boca.

Thorin ergueu-se e pronunciou:

— Cidadãos de Erebor! Este é um dia negro para a Montanha Solitária. Estamos aqui para levar justiça a uma pessoa injuriada. Minha esposa foi atacada covardemente dentro da alcova. Um ataque à Consorte é um ataque ao Rei em pessoa. Não tenho nenhum prazer em estar aqui, mas essa é uma ofensa que não pode passar impune. — Sinalizou para os guardas. — Tragam o prisioneiro.

Então de uma entrada lateral, dois guardas arrastaram o khuzd de cabelos escuros, Dwalin atrás carregando um baruk, o maior machado que Anna já vira. Ela sentiu um leve tremor. O homem tinha um ar desafiador no seu semblante.

Thorin continuou:

— Bendar, filho de Tendar, você veio de Ered Luin. Conhece nossos costumes e nossas leis. O que tem a dizer em sua defesa?

Ele tentou dar um passo à frente, mas os guardas o detiveram. Ainda assim, o homem chamado Bendar tentou argumentar:

— Meu rei, esta mulher não é de nosso povo. Não é digna de estar na montanha! Muito menos de ser sua rainha e de se sentar ao trono de Durin!

Thorin lembrou:

— Ainda assim, você invadiu os aposentos e atacou minha rainha. Fazendo isso, você atacou a mim, seu rei. A lei é clara. Podem preparar a execução.

Dwalin se mexeu na direção do homem. Foi nesse momento que Anna se levantou e ergueu a voz:

— Espere!

Dwalin se deteve e Thorin se virou, intrigado. A multidão fez um "oh" de curiosidade. Anna pronunciou:

— Peço permissão para falar com o prisioneiro. É meu direito.

Thorin parecia mesmo surpreso, mas aquiesceu. Anna deu dois passos à frente e dirigiu-se ao khuzd:

— Então, Bendar, filho de Tendar, meu nome é Anna.

Ele cuspiu no chão, desafiando:

— Eu sei quem você é, meretriz!

A multidão reagiu com um murmúrio alto, mas Anna não mostrou ter se abalado:

— Entendo que seu povo não esteja acostumado a estranhos. Entendo que tenham vivido longe de outros e sejam desconfiados de pessoas que não sejam de seu povo. Mas você não me deu uma chance, sequer quis saber mais a meu respeito, e o pior: não pensou duas vezes no quanto isso magoaria seu rei. E seu rei é a coisa mais preciosa para mim. Deveria ser para você também, como súdito.

Ele xingou, acorrentado:

— Sua rameira! Víbora estrangeira! Bruxa!

Anna não mudou o tom de voz:

— Mais uma vez você me julga por minha origem, não por quem eu sou. Minha única ofensa não foi ter me casado com Thorin, mas sim não ter nascido em seu povo.

O khuzd a olhava com uma expressão homicida nos olhos. Anna continuou, imperturbável:

— Tentei pedir clemência por sua vida, mas a lei não permite. Não tenho poder de impedir que vá aos Salões Eternos.

Bendar garantiu, desafiador:

— Irei com orgulho! Eu me apresentarei diante de Mahal em pessoa como um khuzd verdadeiro, fiel às tradições, honrando nossas leis!

Anna garantiu:

— Seu povo é honrado, você não tem honra. É assim que deve se apresentar a Mahal: sem qualquer honra. — Anna virou-se. — Meu rei, eu peço reparação pela ofensa que este homem me fez, tanto a mim quanto a meu filho, um descendente direto de Durin.

Houve um burburinho no salão. Thorin parecia intrigado:

— Ele vai ser executado. Que outra reparação quer?

Anna argumentou:

— A pena de morte é a reparação pela ofensa ao rei. Eu poderia me contentar com ela, mas ele não demonstra arrependimento. Quero reparação pela ofensa a mim, como é meu direito. Novamente, meu rei, só quero o que é meu direito — nem mais, nem menos.

Houve suspense no salão, como se todos estivessem prendendo a respiração. Thorin aquiesceu ao pedido, esclarecendo:

— Os valores pedidos serão cobrados da família do criminoso.

— Não! — gritou ele, agora nervoso. — Deixe-os em paz, megera!

Anna o encarou e disse claramente:

— Sua família é inocente de seus crimes, e não tenho interesse em punir pessoas inocentes. Não, você vai me pagar, mas em outra moeda, e Mahal saberá exatamente que tipo de khuzd você é. — Ela inspirou e ergueu a voz: — Como reparação, eu exijo que, antes de sua execução, seus cabelos, barba, bigodes e costeletas sejam totalmente raspados — Um "oh" coletivo de horror obrigou Anna a erguer a voz ainda mais — e depois, queimados.

O salão veio abaixo. Houve gritos horrorizados, caretas, um burburinho alto abafando os gritos do condenado. Como já esperava essa reação, Anna assistiu a tudo impassível, ainda de pé, sentindo-se cada vez mais doente. Thorin teve que gritar:

— Quietos! Todos quietos!

Quando se fez silêncio, o Rei Sob a Montanha indagou a sua consorte.

— Este é seu pedido?

— É meu direito — salientou Anna com altivez.

— De acordo com a lei, está concedido — decidiu Thorin. — Dwalin, comece a raspar a cabeça.

O prisioneiro tentou resistir, mas pouco a pouco seu cabelo foi caindo ao chão, para horror da maioria dos presentes. Enquanto Dís tentava esconder sua discreta satisfação pela atitude da cunhada, Fíli e Kíli estavam de olhos arregalados, num meio termo entre horrorizados e orgulhosos da tia. De olhos fixos na cena a seus pés, Anna não encarava ninguém, temerosa que seu autocontrole falhasse, já que estava por um fio.

Não ajudava o fato de grossas lágrimas escaparem dos olhos do prisioneiro, que não tirava os olhos dela num misto de ódio, humilhação e horror. A expressão de Bendar revirava o estômago de Anna, mas ela sabia que precisava ir até o fim com aquilo, se quisesse ter paz e desencorajar na raiz a oposição que quisesse ameaçá-la.

Anna se fixou na expressão de Dwalin enquanto cortava o cabelo de Bendar. Ela se lembrava de quando o guerreiro fizera o mesmo com ela, e na época parecia tão perturbado. Anna não entendera o motivo na ocasião, mas Dwalin tentara compensar o ato que achara hediondo com um grampo que ele mesmo forjara. Ao pensar em sua reparação, Anna sentiu-se mal por impor tal sofrimento a Dwalin. Agora, porém, o guerreiro parecia satisfeito em livrar o prisioneiro de seus cabelos. Aquilo dizia a Anna que Dwalin aprovava sua atitude. Foi um pequeno consolo num momento tão difícil.

Depois que o khuzd estava raspado e ajoelhado, e um cheiro de cabelo queimado se erguia na praça, era hora da execução. Anna se preparou para aquilo, e deixou a coluna reta para sofrer o momento terrível com a maior dignidade possível.

Foi pior do que Anna imaginava. As cenas passavam diante dela como num filme de horror. Anna mal conseguia notar os sons à sua volta, pois tudo parecia pastoso e denso, inclusive o ar. Ela viu Bendar ajelhado e curvado, a cabeça apoiada num tronco cortado. Ela não ouviu a ordem de Thorin. Só viu quando Dwalin ergueu o imenso machado com as duas mãos e golpeou o condenado, num único golpe limpo que separou a cabeça do pescoço.

Anna estremeceu e fechou os olhos numa prece rápida. O estômago se revirou ainda mais. Ela voltou a pensar em todos os filmes de execuções públicas medievais e agradeceu que não houve comemorações ruidosas.

Quando ela abriu os olhos, guardas já limpavam o local e recolhiam as desagradáveis consequências do ocorrido. Anna sentia-se levemente nauseada, mas procurou manter a cabeça erguida e o olhar fixo acima da multidão. Ela ouviu Thorin chamar Hila, que tocou em seu ombro:

— Vamos, senhora, vamos voltar.

Anna agradeceu por não ter nada no estômago além do desjejum, que aliás ameaçava fazer uma reaparição espetacular. Apoiada em Hila, ela voltou para a ala real, mal se aguentando nas pernas. Dís gesticulou para Fíli e Kíli acompanharem as duas. Mal chegou ao quarto, Anna teve que correr para a sala de banho, onde prontamente perdeu o desjejum. Hila correu a ampará-la, e Fíli e Kíli foram atrás de Óin.

Depois de esvaziar o estômago completamente, Anna fez um bochecho e Hila obrigou-a a deitar-se. Fraca, Anna obedeceu, mas pediu:

— Hila, preciso de um favor. Mas ninguém pode saber. Pode manter isso em segredo?

— Juro por minha vida, senhora.

— Diga a Mestre Dori que preciso dos serviços de Nori. E da discrição dos dois.

Palavras em Khuzdul:

khuzd = anão

baruk = machado


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