Um jeito de ser bom de novo escrita por Sassenach


Capítulo 7
Capítulo 4




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Olhei para Soraya e ela me olhou com o mesmo olhar intrigado de antes. Acho que nós dois pensamos na mesma coisa: ele disse nós. Pela primeira vez ele se referiu a mim, Soraya e ele como nós. Eu não sabia o que dizer, mas com toda certeza eu não podia dizer não. Negar o pedido dele seria simplesmente aterrador. E na verdade eu também queria ir, ao mesmo tempo em que não queria. Ele repetiu pergunta, dessa vez com o dobro do entusiasmo e com um sorriso ainda maior:

— Nós vamos para Cabul? — o que eu iria responder? Soraya interviu a meu favor:

— Bem nós, eu, nós... Eu recebi uma ligação de Farid como eu te disse e ele... Falou que a casa está vaia e que nós podemos ir lá e... Sim, nós vamos para Cabul. — seus olhos brilharam e ele se precipitou para frente como se fosse nos abraçar, mas parou na metade do caminho. Seus olhos ainda brilhavam, mas o sorriso desaparecera. Ele se encolheu na cama, abraçando as pernas junto ao corpo. Seus olhos exprimiam medo. Ele disse:

— Mas... E aquele... Aquele homem? Ele ainda está lá? Não pode ser que... Que ele tente me machucar de novo? — eu senti a aflição em sua voz. Me lembrei do delineador e pude ouvir o barulho dos sininhos, e a promessa que lhe fiz me veio a mente:

— Não. — dessa vez fui eu quem me precipitei e segurei seus ombros. Como esperava ele recuou e fitou seus próprios pés. Olhei para Soraya que me encorajava e olhei novamente para ele. Olhei em seus olhos e disse com firmeza: — Eu já te disse Sohrab: eu nunca mais vou deixar que ele chegue perto de você, entendeu? Ele foi embora, e mesmo que estivesse lá, eu nunca deixaria que ele te fizesse mal de novo, entende? — ele baixou a cabeça. Foi a vez de Soraya intervir:

— Nós nunca deixaríamos nada acontecer com você Sohrab. Nós estávamos pensando justamente em como essa viajem será boa para você, sabe? Você vai poder ver sua casa e a cidade onde nasceu e cresceu... E nós vamos proteger você de todos os jeitos possíveis!

Ela também tocou seu braço e segurou suas mãos. Ele olhou para nós e seu sorriso foi se abrindo novamente, a medida que alternava os olhares entre nós dois. No final ele estava novamente sorrindo, mas não era aquele sorriso de empolgação, e sim um sorriso de... Gratidão. Ele não precisava dizer mais nada para mostrar como estava feliz, então tomou uma atitude que deixou nós dois surpresos: ele se soltou de nossos braços e nos abraçou. Ele literalmente se jogou em cima de nós e enroscou os bracinhos em torno do pescoço de Soraya e do meu. Nós também nos abraçamos à ele, envolvendo-nos todos num só abraço. Percebi que ele estava tenso no começo, mas apertamos com mais força e no fim ele acabou relaxando. Ele chorava copiosamente, e ria ao mesmo tempo. Tentando falar ele dizia apenas coisas como “Ah meu Deus”, “Obrigado, obrigado!”. Depois de um bom tempo ele se soltou de nós e disse:

— Ah, obrigado Amir agha, obrigado Soraya jan, vocês nem tem ideia de como fico feliz! Vocês não tem ideia de como eu quero ir para casa!

Olhei para Soraya e ambos estávamos assustados. Tinha medo de que ele pensasse que iríamos morar em Cabul, e que ficasse decepcionado ao saber que não era isso que aconteceria. Não sabia se deveria falar, mas Soraya também não demonstrava a menor vontade de se manifestar. Então, resolvi que eu diria:

— Sohrab eu... Eu não quero que você pense que nós... Que nós vamos nos mudar pra Cabul. Porque não vamos. Nós só... Só vamos viajar até lá para que você e eu possamos ver nossa casa entende? Não temos o plano de morarmos lá. É só ir e depois voltar... Só!

Ele sorriu meio sem graça e se encolheu um pouco. Deu um sorriso de um só lado, como quem está constrangido. Ele levantou os olhos um pouco envergonhados e falou:

— Eu sei claro eu... Eu não quero que vocês deixem sua casa só por minha causa e... Eu nem pensei nisso só... — ele soltou o ar de uma só vez e desabafou — Só fico pensando que quando eu entrar naquela casa eu vou encontrar o pai, a mãe, Sasa e Rahim Khan esperando por mim, mas... Mas eu sei que não vou! Então... Eu só quero ir lá para me lembrar deles.

Olhei carinhosamente em seus olhos, aqueles mesmos olhos puxados e decidi que não decepcionaria meu sobrinho. Toquei delicadamente suas mãos e depois segurei com força:

— Eu sei exatamente como você se sente Sohrab. Eu sei porque também penso da mesma forma. Penso que quando entrar naquela casa vou encontrar baba e Rahim Khan na sala de fumar, esperando por mim. Vou encontra Hassan correndo na minha direção, pedindo para irmos até a colina para que eu leia uma história. — minha voz estava ficando embargada — Fico pensando que Ali, seu avô, vai estar lá para me receber com café da manhã — eu já estava chorando a essa altura — Fico pensando que quando entrar naquela casa vou voltar aos meu doze anos e vou continuar a minha vida de um jeito que tudo seja perfeito. Mas não vou Sohrab! — eu chorava — Não vou encontrar nenhum deles. Não vamos encontra-los! Por mais que eu queira todos eles de volta, por mais que você queira seus pais de volta, eles não vão voltar! — eu o abracei, e ele não correspondeu. Sabia que ouvir aquilo deveria doer tanto nele quanto doía em mim, mas era algo que precisava ser dito.

Aos poucos pude sentir suas mãozinhas agarrarem a blusa em minhas costas e ele encostou o rosto em meu ombro direito. Ele chorava. Nós dois chorávamos juntos, por motivos iguais, que atormentavam ambos. Eu falei baixinho:

— Não podemos tê-los de volta, mas podemos ir até lá juntos, para trazermos de volta as lembranças boas que temos de lá! Se formos para lá, vamos tentar lembrar tudo de bom que vivemos ali, de todos os dias em que fizemos coisas divertidas. Procure esquecer o que aconteceu de ruim, e pense só nas coisas boas. É o que vamos fazer Sohrab. Vamos para lá resgatar as memórias felizes que ficaram naquela casa!

Depois de mais um tempo eu o soltei e ele enxugou as lágrimas que ensopavam seu rosto com as mangas da camisa. Eu também secava as lágrimas, no cobertor. Soraya nos olhava com um sorriso forçado. Me senti mal por deixa-la totalmente de fora daquele momento, mas era algo que ela não conseguiria entender. Ela não poderia saber como era sufocante a dor de se perder alguém, e eu e Sohrab, perdêramos todos aqueles que amávamos. Pedi a Sohrab que se levantasse e disse a Soraya que iria coloca-lo para dormir. Levantei da cama também e segurando sua mão o levei até seu quarto. Quando entramos lá me deparei com uma imagem um tanto curiosa: a pipa azul estava encostada na parede, e, colada no meio da pipa, com uma fita adesiva, estava a foto Polaroid.

Apontando para a cena inusitada disse que era uma boa combinação, ele sorriu e disse que era uma homenagem ao seu pai.

— Já que eu não pude nem... Enterrá-lo — ele cuspiu aquelas palavras, como se elas estivessem entaladas em sua garganta, machucando seu pescoço — Acho que posso pelo menos fazer uma homenagem a ele.

— Sim está certo, ele merece mais do que ninguém. — ele sorriu e se deitou na cama, eu o cobri e dei um beijo em sua testa. Sentei de lado em sua cama e disse: — Isso vai ser bom. Para nós dois. Vamos naquela casa e eu vou contar para você sobre coisas que aconteceram lá está bem? Vou te levar nos lugares em que eu ia com seu pai e te contar sobre as coisas que aprontávamos!

— Vai ser legal... — ele disse se virando de lado e caindo no sono. Voltei para meu quarto e me deitei ao lado de Soraya. Nós ficamos deitados de frente um para o outro. Ela pôs as mãos no meu rosto e me beijou. Então, com a cabeça encostada em meu peito disse:

— Estou muito orgulhosa de você. No seu lugar eu não sei se conseguiria fazer isso. Nem imagino como isso deve ser difícil para você! Eu te amo Amir.

Dito isso, nós nos abraçamos e fechamos os olhos. Por fim, caímos no sono.


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