Um jeito de ser bom de novo escrita por Sassenach


Capítulo 25
Capítulo 21




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— São boas, para falar a verdade não sei bem o motivo de estar aqui, mas creio que talvez você queria saber como está Sohrab. — ele ergue a cabeça e vi um lampejo de esperança que lhe passava pelos olhos — Eu o encontrei. Encontrei meu sobrinho. — percebi que ele queria ouvir a história inteira — Bom — me remexi na cadeira — Fomos ao estádio Gazi como nos disse — senti algo roçando em minha perna e dessa vez não era uma ratazana e sim um pequeno gato alaranjado — E fomo até a casa do tal talib. Ele estava lá.

— Ah — e engoliu em seco. Sua testa suava e ele não olhava diretamente nos meus olhos — Sim, ele estava lá, claro. E?

— E... Que nós conseguimos tirá-lo de lá. — ele respirou aliviado, bem devagar para que eu não pudesse perceber — Ele está muito melhor agora. Consegui levá-lo para os Estados Unidos e agora mora comigo e minha mulher. Estamos aqui para que ele possa rever a casa onde cresceu, para relembrar as coisas boas que viveu aqui. — uma lágrima rolou ligeira por seu roso redondo

— Não sabe como fico feliz por ouvir isso agha. Não sabe nem a sorte que tem. Mashbaland! Isso é ótimo, quero dizer, você o tirou de lá e ainda saiu vivo.

— Por pouco — eu disse me lembrando da dor lactante que cortava cada um dos meus membros, e do aço frio que entrava em contato com minha pele continuamente — Bom o que importa é que agora ele está bem. Achei que você gostaria de saber disso...

— Sim, isso e muito importante para mim agha. Não sabe como... Como engulo todos os dias o arrependimento por toda aquela imundície, por tudo o que tive que sacrificar, minha nang e minha namos, tudo por essas crianças — ele dizia com um tom triste, beirando as lágrimas e deu um riso cínico — É irônico não? Sacrificar uma para salvar dez.

— É. Arriscar a vida de uma criança inocente por causa de outras dez, sim, muito irônico. — estava irritado com aquele seu comentário infeliz e fui até a porta. Sai da sala e ele vinha atrás de mim. Andei por todos os cantos procurando por Soraya e fui encontrá-la ainda no pátio em meio às crianças, e a cena que vi à minha frente sempre ficará gravada na minha memória:

Soraya estava no chão do pátio, sentada sobre seus joelhos e ria. A sua frente sentada no chão estava uma menininha de cabelos castanhos e pele morena, com alguns machucados pelos braços e nas pernas que a saia longa não escondia. Usava uma blusa verde solta e uma saia cinza. Estava conversando com Soraya, que trançava seus cabelos. Olhava para a menina como quem olha para uma grande amiga. Tocava em suas mechas escuras com cuidado, como se arrumasse o cabelo de uma boneca. Estava toda descontraída, mas parou de trançar seu cabelo quando me viu. Ficou quieta e olhou para o chão. A menina olhou para mim e a reconheci. “Está vendo aquela menina? O irmão dela morreu e frio no último inverno.”. Aquela que brincava com as outras, aquela que perdera sua única família estava ali, brincando com minha mulher. E o que mais me marcou foi o modo como os olhos de Soraya brilhavam, o jeito como o sorriso surgia espontaneamente em seus lábios, como agia delicadamente com aquela garotinha desconhecida. Agora ela se levantara e vinha em minha direção.

— O nome dela é Kamilah — disse Soraya encabulada — Ela tem nove anos. — olhou para Kamilah que sorriu para ela. — É uma garota doce e encantadora. Estávamos conversando. — falava como que se respondesse a um interrogatório e me senti mal por fazê-la agir assim.

— Sinto muito Soraya jan, acho melhor irmos — disse. Estava arrependido por ter ido ali, sem nem mesmo saber explicar. Não sei o que esperava encontrar ou ouvir de Zaman, mas estava frustrado, na verdade estava com raiva — Vamos, agora. — ela baixou os olhos, entristecida e se despediu da garotinha de olhos castanho escuros, que agarrou sua perna ao se despedir. Aturdida Soraya olhou para mim e depois para a menininha que relutava em larga-la. Zaman teve que tirar seus braços de em volta de Soraya. Ela abraçou Zaman e deixou algumas lágrimas rolarem. Diante daquilo Soraya virou-se bruscamente e saiu correndo pelo corredor até a porta de entrada. Fiquei parado durante segundos que se arrastavam pensando em toda dor que eu era capaz de causar em tão pouco tempo. Pensando em como aquela menina se apegara a minha mulher. Fui até a porta. Sai sem me despedir e entrei no carro.

— Foi tudo bem agha? — perguntou Farid. Soraya estava sentado no banco de trás esquerdo, olhando pela janela, chorando em silêncio. Estava zangada e eu sabia disso

— Sim Farid. Será que poderia nos levar de volta para casa? Agora? — me ajeitei no banco e respirei fundo enquanto o carro se afastava no orfanato. Soraya apoiou a testa no vidro da janela e toquei em seu braço, mas ela se retraiu, e sua atitude partiu meu coração. Ficou quieta até o carro embicar em nossa rua, na casa rosa, e até chegarmos na garagem onde Uzuri nos recebeu ela permaneceu calada. “Mais uma.” Pensei “Mais uma que agora ficará em silêncio. Quem vai ser o próximo?”. Obviamente Farid queria saber o motivo, mas não fez nenhuma pergunta.

Entrando em casa nos dirigimos à sala de jantar, onde uma mesa farta nos aguardava. Os filhos de Uzuri e Cheydan atacavam a comida e apenas uma coisa aliviou a dor que eu sentia: Sohrab estava sentado também, comendo e conversando com o filho mais velho de Farid, Zayn. Sentei o seu lado e quando olhou para mim sorriu. Sorri de volta, mas durou pouco, pois Soraya ainda quieta sentou-se no lado oposto da mesa. No único momento em que olhou para mim, quando não estava conversando com Uzuri, me fitou com raiva e tristeza. Ouvi risos ao meu lado direito e perguntei o motivo.

— Temos uma surpresa — disse Sohrab encabulado. Curioso perguntei o que era — Nós encontramos suas histórias. Não aquelas dos livros, e sim as que você escreveu agha. Aquelas que você escreveu. O pai lia para mim quando eu era pequeno.

— Eles querem ler hoje à noite, querem que fiquemos na sala e leiamos as suas histórias. — explicou Cheydan. Eu estava surpreso, na verdade me sentia honrado. Fiquei feliz ao saber que Hassan lia não só as histórias do Sanamah, mas também as de minha autoria. Fiquei imaginando o que ele pensava quando as lia, se percebeu algum erro, se tinha perguntas e esclarecimentos que nunca seriam respondidos, e essas ideias me deixaram triste — Queremos que você leia algumas para nós agha.

— Claro. — quando anoiteceu colocamos colchões espalhados pela sala maior, aquela onde havia a lareira. Acendi o fogareiro já enferrujado e cobrimos as crianças. Sohrab sentou daquela forma como sempre fazia, com o queixo apoiado nos joelhos, esperando ansiosamente pelo início. A que aquilo o remeteria? As longas noites em que o pai lia as mesmas histórias para ele? Talvez. Soraya sentou-se num colchão ao seu lado. Passara o dia inteiro sem trocar palavra comigo. Então percebi que não queria ler a história, mas sim criar uma naquele momento, e fui virando as páginas enquanto falava sem seguir o que realmente estava escrito, assim como fazia quando era criança...

"Havia um homem, e ele não era um homem mal, na verdade era uma pessoa muito boa. Mas a vida dele foi feita de escolhas, e às vezes as pessoas tomam decisões erradas. Ele tinha uma linda mulher e dois filhos que amava muito. Um dia ele andava por uma estrada poeirenta em direção a grande cidade, onde havia pessoas ricas, ao contrário dele e de sua família. Eles eram muito felizes apesar de muito pobres. Estava ele naquela estrada, sentindo o pó da terra entrando por seus pulmões cada vez que o vento batia, com a garganta seca de sede, mas ele continuava, pois sabia que quando chegasse à cidade as coisas seriam diferentes. Então, enquanto andava, sua sandália prendeu-se em alguma coisa no chão e o pobre homem caiu. Ele praguejou e depois de se levantar viu que tropeçara em um medalhão de ouro com algumas palavras escritas. Ninguém sabe ao certo o que estava gravada no medalhão, mas quando ele pronunciou aquelas palavras um velho surgiu em sua frente. Ele era um poderoso feiticeiro que lhe explicou que, apenas o homem de coração mais humilde poderia desfrutar das bênçãos do medalhão. E aquele homem era ele. Mas ele tinha que fazer uma escolha: precisaria deixar sua família para viver sozinho com todas as riquezas que o medalhão podia lhe oferecer, ou podia continuar com aqueles que amava, e permanecer na pobreza. E ele fez a sua escolha, mas nem sempre fazemos as escolhas certas..."


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