Entre Ódios e Desejos escrita por Lara Campos


Capítulo 7
Capítulo 7 - Ela estava de volta


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem desse penúltimo capítulo e que façam proveito, porque, enfim, estou cumprindo quase o final de uma nova fic.

Beijinhos, galera.

Ps: perdoem os pontos de interrogação de cabeça para baixo, mas meu Word é simplesmente meio do contra.



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Não sei ao certo onde ouvira tal frase, mas certa vez me disseram que a lentidão estava, de algum modo, conectada à nossa dificuldade de esquecer as coisas. Era como se quanto mais lentos estivéssemos, mais memórias tínhamos. E se rápidos, mais esquecimentos. Talvez fosse verdade a tal da teoria, pois tão difícil quanto contar os dias era sobreviver àquela prisão sem ao menos me lembrar de cada mínimo detalhe que delineava meus dias por ali.

Mais do que só aqueles dias, minha mente era atormentada por fantasmas do passado. Eu acordava todas as manhãs a fitar o grande relógio, o único que nos era disponível, e desejava a todo instante agarrar os ponteiros e muda-los, que fosse para frente ou para trás. Se eu os adiantasse, talvez a correria do tempo real em algum mundo paralelo passasse mais depressa e eu me veria longe dali mais rapidamente. Se eu os puxasse para trás, tentaria mudar algo que havia feito, estapearia a pequena e inconsequente Alex que mudara de caminho e veio parar onde estava nos dias de hoje.

Obviamente, no entanto, nada mudaria, nem se aquela loucura funcionasse. Eu me conhecia bastante bem para saber que erraria tudo outra vez, que faria escolhas, se não iguais, bem parecidas, e que o tal do destino se cumpriria como um karma ou algo do tipo. Não que eu fosse supersticiosa, eu só era lúcida o bastante para saber que a hipocrisia que nos faz acreditar que coincidências existem só nos desviam da verdade que nos ronda: todos repetimos os mesmos erros num frenesi incontrolável, rodeamos e estamos rodeados por situações homólogas o tempo todo e levamos nós mesmos ao ponto de partida, onde todo e cada erro se iniciou, com a ideia de que dessa vez seria diferente.

Acho que a simples necessidade de reviver o passado faz com que sejamos os mesmo idiotas de sempre.

Piper estava particularmente linda naquele dia. Seus cabelos agora mais curtos, na altura do ombro, se dobravam em pequenas ondas contínuas e que moldavam seu rosto e seu sorriso de um jeito ainda mais encantador. Ela tinha nos olhos aquele mesmo brilho de quando nos conhecemos, mas ao mesmo tempo suas linhas de expressão faziam com que eu me lembrasse que ela era, hoje, simplesmente mais madura, mais mulher, e com certeza, mais dela mesma.

Todas estávamos numa das antessalas preparando uma espécie de comemoração para Taystee, que sairia da prisão no dia seguinte. Era nítida a felicidade nos olhos de cada uma das garotas, mas ao mesmo tempo via-se um pesar por perderem uma de suas amigas. Perderiam-na para o mundo, porém. Isso, sim, era revigorante.

Quando a convidada de honra chegou aos nossos aposentos, todas saudaram-na numa felicidade incontrolável e a música ligada por Suzanne em seu radinho de pilha embalou nossos corpos a dançar e até mesmo Piper, num ímpeto bobo de me lembrar como fazíamos quando dançávamos juntas, sorriu para mim e começou a rebolar, fazendo menção para que eu a acompanhasse.

Enquanto dançávamos, nossos olhos se cruzaram num tipo de conexão inexplicável. Era um daqueles chamados lugares conhecidos em que nós duas nos sentíamos confortáveis por conhecermos tanto uma da outra. Ela se virou de costas para mim, então, e a cada movimento seu mais próximo do meu corpo, eu me divertia mais e sentia que aquilo era estranhamente natural. Tão natural que meu próprio corpo sentia a tensão aumentando à medida que ela tocava o meu intencionalmente ou não com suas pernas, seus braços e o próprio toque das mãos.

Sem que percebesse, porém, alguns pareciam desaprovar nossa dança. Sr. Healy entrou em nossa sala, desligou a música e chamou Piper para perto.

Estupro¿

Era disso que ele acusava Piper. Mas que tipo de absurdo era aquele¿

Piper se manteve firme e apesar de toda a estranheza e o tom ridículo daquilo tudo, Sr. Healy fez com que ela fosse mandada para a solitária, como um cachorrinho com o rabo entre as pernas, sem nada poder fazer.

Era um tipo de karma, eu tinha certeza. Ao mais sutil passo de nossa aproximação algo bizarro acontecia. Algo pelo qual não poderíamos nem reclamar, bradar, espernear ou dizer que éramos contra. Todas ficaram simplesmente paradas e eu também, ou iria para o quartinho dos infernos, como Morello um dia me descrevera.

Lágrimas brotaram em meus olhos, olhei ao meu redor e não quis simplesmente estragar o grande dia de Taystee. Saí marchando de perto de todos e me dirigi à minha cama. Red percebeu todo o murmurinho e veio atrás de mim, com olhos pesarosos, olhos maternos até, por trás daquela empáfia toda.

_Ei, criança. Tente se acalmar. Sabe, eu já disse várias vezes às minhas garotas que a única coisa que pode nos destruir aqui dentro são nossos sentimentos. Mas ao mesmo tempo, são eles que nos mantém vivas.

_Malditos lados podres em tudo que é bom... – sussurrei mais para mim mesma do que para que Red ouvisse -.

_A vida é assim, Vause. Você já é bem grandinha pra saber. Acredito que esteja somente inebriada por esse amor voraz, violento e juvenil que ainda mora em seu peito.

Ela tinha razão. Ao mesmo tempo em que aprendia aos poucos a me controlar, dentro de mim havia uma tempestade de dores. Seria mesmo possível voltar a um passado¿ Piper, em todo o seu encanto, agora multiplicado por ser uma mulher já feita, seria a escapatória certa para aquele confinamento¿

Pois bem, eu nunca saberia. Não podia prever o futuro, certo¿ E muito menos tentaria. Afinal, nunca foi de meu feitio tentar ser previsível, tentar fazer com que as coisas ocorressem milimetricamente como eu as havia planejado. Não em minha vida pessoal, pelo menos. Eu era assim em meu trabalho. Só e somente. As linhas tortas, por escrito, eram para mim o caminho menos tedioso de nos levar a um final que fosse, não sei, talvez cômodo ou feliz.

Um dia se passou.

Dois.

Piper não retornava.

Eu começava a perceber que havia me acostumado com sua presença por ali. Ela, mesmo longe de minhas vistas, deixava rastros por cada lugar que passava. Eu podia ouvir sua voz de longe, às vezes. Sentia seu cheiro nas roupas usadas que iam parar em minhas mãos na lavanderia. Chegava a aproximar suas roupas de meu rosto quando, num gesto descontrolado, eu sentia, sem intenção, seu cheiro dentre todos os outros panos.

Fora ela a responsável por essa minha mania. Os cheiros: senti-los e identifica-los.

Lembro-me de certa vez, em Berlim, em que estávamos tirando nossas férias particulares. Kubra tinha poucos serviços para mim, a alfândega estava cada vez mais rigorosa com os carregamentos de dinheiro pelos aeroportos, e nada mais eu tinha a fazer a não ser aproveitar meus dias com minha, então, mulher. Chegamos ao nosso hotel e Piper ria de todos os detalhes que vislumbrava daquele local.

_Você viu o nome do nosso hotel¿ - ela olhava para mim como uma criança brincalhona -.

_Não, na verdade nem prestei atenção, amor.

_Excelsior Hotel. Irônico, não¿

_Porque seria irônico¿

Eu não entendia todas as referências a que Piper se apegava. Ela era praticamente um dicionário de frases cinematográficas, ensinamentos literários e pensamentos grandiosos de homens também grandiosos. Não que eu não amasse ler. Eu, de fato, amava. Mas nada como ela. Nada como sua perspicácia em trazer à vida os tais ditos artístico-filosóficos.

_Excelsior, meu amor, significa algo superior. Algo magnífico. E esse hotel barato, magnífico¿

Não pude deixar de rir. O hotel em que ficávamos era um hotel quatro estrelas. Piper estava ficando cada dia mais mimada. Céus!

_Amor, para de bobeira e vamos para o quarto. Tenho certeza que você vai gostar da cama que escolhi para nós, até porque eu estarei nela te esperando.

Ela voltou seu sorriso para mim, abaixou sua cabeça como quem parecia envergonhada, mas na verdade, aquilo era só parte de seu charme. Subimos para o nosso quarto e um dos funcionários do hotel encarregou-se de colocar nossas malas num canto do quarto. Agradeci-o, mas ele se demorava mais do que o recomendável, olhando para mim e em seguida para Piper com curiosidade.

_O que foi¿ Perdeu algo¿ - dirigi a palavra a ele, encostado na porta de saída e seus olhos pularam numa surpresa que lhe tirava do transe -.

_Não senhorita, não perdi nada.

Apesar de parecer constrangido, ele nem se mexeu. Seu sotaque inglês forçado e seus cabelos penteados de lado tiravam todo e qualquer charme daquele indivíduo.

_Então vamos, pode sair.

O rapaz de sobrenome Fritz – porque todo alemão tinha de ter Fritz enfiado no nome¿ - em seu crachá se desculpou e rumou seu caminho.

_Pervertidos – bufei e me deixei cair sobre a cama -.

Piper sentou-se ao meu lado, inclinou-se devagar e retirou meus óculos. Beijou meus lábios delicadamente com uma das mãos pousadas em minha bochecha e disse com o movimento dos lábios, mas em silêncio, que me amava. Sorri apenas com os olhos e retribui suas palavras com um beijo mais profundo, puxando-a para que se sentasse sobre mim. Seu corpo respondia ao meu de uma maneira quase musical, ritmada, e era por isso e não somente pelo amor que tinhamos uma pela outra, que nosso sexo era maravilhoso.

Piper interrompeu um de nossos beijos, o que eu odiava que ela fizesse e...

_O rapaz usava um perfume Polo, você notou¿

Sim, aquela sempre fora simplesmente ela. Era impossível que alguém deixasse um rastro de seu cheiro por onde quer que fosse sem que Piper notasse. E eu havia aprendido a sentir cada um deles, aos poucos, durante nossa convivência.

Mais um dia se passou e eu já estava perdendo minhas esperanças em encontrar Piper novamente em seu estado normal, após tanto tempo em uma solitária. Eu esperava profundamente que ela estivesse bem, cheguei até a discutir com o Sr. Healy em sua sala, quando ele simplesmente bradava e reclamava comigo sobre minhas tendências homossexuais e sobre o fato de eu estar levando Piper a um caminho muito, mas muito sombrio.

Masturbação mental. Era como eu chamava toda porcaria que saía da boca de quem não sabia o que falar. Ele, naquele comentário infeliz, praticou muito dessa masturbação. E eu, sem me importar muito, apenas continuei a esperar, até que de repente, no meio da tarde, enquanto todas estávamos em nossos aposentos arrumando nossas bagunças a mando do rapazote, Bennet, ouvi a voz de Nicky que dizia:

_Puta merda, Chapman, você saiu!

Levantei minha cabeça e ela via em minha direção, com o semblante fechado e minhas palavras simplesmente sumiram.

_Oh, meu Deus... – foi só o que pude falar quando a vi novamente -.

Ela segurou uma de minhas mãos e começou a andar indo em direção à porta de saída do dormitório.

_Vamos sair daqui.

_Tá tudo bem com você¿ - sua presença aparentemente repentina e súbita me preocupava e eu não conseguia entender o que ela estava fazendo -.

Piper me arrastou, sem dizer nem uma palavra sequer, de onde estávamos até a capela. Estávamos a sós ali, sem barulhos, sem olhos ao nosso redor, sem guardas. Ela parou, logo, virou-se para mim e olhou fundo em meus olhos. Aquele foi o segundo mais longo de minha vida. Seus olhos estavam tão certos, sua expressão tão compenetrada, que eu tinha certeza de que alguma decisão de vida ou morte seria tomada naquela sala. Eu, pela primeira vez, sentia que ela me enxergava de verdade, como uma mulher, e não só como um fantasma de seu passado. E toda aquela tensão que se passou em minha cabeça durante um lapso tão ínfimo de tempo, despejou-se em um sorriso um pouco medroso e cinco palavras.

_O que você está fazendo¿

E no instante em que eu tentara sequer abrir minha boca, Piper puxou-me para junto de si e me beijou.


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