O Melhor Truco já Jogado escrita por Quental


Capítulo 1
Capítulo Único




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Era um dia comum de aula. Eu cursava o primeiro semestre do 3º ano do Ensino Médio na época e possuía um grupo razoável de amigos, acho que foram eles que fizeram esse ano, o ano de 2013, o melhor da minha adolescência. Nós gostávamos de jogar truco, jogávamos sempre que podíamos, e era especialmente divertido quando o professor não estava com muita vontade de dar aula e nos deixava sem fazer nada (educação brasileira, fazer o que). Nesse dia, cuja data não me lembro, tivemos o melhor jogo já jogado.

A maioria dos meus amigos tinha um apelido, e apesar de serem um tanto idiotas, são eles que eu irei usar. Antes de começar, é preciso que você saiba algumas regras básicas do truco, se você já sabe jogá-lo, sugiro que pule direto para o terceiro capítulo.

O jogo pode ser jogado individualmente- um contra um-, ou em duplas- dois contra dois-, em trios –três contra três- e assim por diante, são sempre dois times apenas. Todos os jogadores começam com três cartas, sendo que a cada rodada cada jogador utiliza uma delas, de modo que são três rodadas por ciclo. No fim de cada um desses “ciclos”, um dos times ganha pelo menos um ponto, o empate não é permitido no jogo. É possível ganhar mais de um ponto por ciclo, desde que alguém peça Truco (daí o nome do jogo) e em algumas outras ocasiões mas isso não importa no momento. O jogo acaba quando um dos times chega a doze pontos.

Creio que já é o bastante para continuar.

Estávamos jogando em trios, ou seja, três contra três, sendo que no meu time estavam Henrique, Nanico e eu, e no time adversário estavam Guri, Mudinho e Matheus.

O jogo começou como qualquer outro jogo: ponto pra lá ponto pra cá; coisas comuns aconteceram, até que chegamos ao ponto que mudou o jogo. Entenda, quando você pede truco, o adversário tem a liberdade de pedir seis, é possível pedir nove e depois doze, de modo que o número falado é o número de pontos ganhos pelo vencedor do ciclo. Vale falar das quatro cartas mais fortes do jogo: Zap, Copas, Espadilha e Ouros, nessa ordem da mais forte para a mais fraca. Essas cartas são chamadas de Manilhas, e variam de acordo com o a carta virada em cada ciclo.

Quando o jogo estava dois a um para o time adversário ao meu, Mudinho- um dos jogadores desse time adversário- pediu truco, que é algo perfeitamente normal, e

meu companheiro de time Nanico pediu seis, algo que não é tão normal. Assim que ele pediu seis, todos nós soltamos vaias e provocações ao outro time, que logo respondeu, com Mudinho pedindo nove, algo mais difícil de se ver, então a vaias e provocações trocaram de lado.

Nós nos entreolhamos, não podíamos desistir sem tentar, se desistíssemos, perderíamos seis pontos por nada. Nanico fez sinal de que tinha Copas, mas isso não me confortou, estava confiante de que Mudinho tinha Zap, e estando nós na terceira rodada, o vencedor desta ganharia os nove pontos. Olhei para Nanico e acenei com a cabeça, afirmando que sim, ele poderia jogar.

Os urros de alegria dos garotos do outro time quando Mudinho mostrou sua carta imbatível foram suficientes para virar a cabeça de todos os outros alunos e enraivecer a professora, que ameaçou tirar o nosso baralho. Então os meninos se acalmaram, mas ainda com um sorriso zombeteiro no rosto.

Aquilo foi devastador, o jogo mal havia começado e já perdíamos por onze a um. Quando um dos times chega a onze pontos, o jogo entra em um período chamado de “Mão-de-onze”. Nesse período, os jogadores do time com mais pontos podem ver as cartas dos companheiros de equipe, e decidir se querem ou não jogar. Se decidirem que não querem, as cartas são colocadas de volta no baralho, e o time com menos pontos ganha um. No entanto, se o time decidir jogar, o ciclo vale três pontos automaticamente.

A esperança de vencer estava longe, resignação já estampava nossos rostos, mas não podíamos desistir. Continuamos então nosso jogo.

É claro que eu sei o quão estranho é nos importarmos tanto com algo tão simples, afinal é apenas um jogo, a derrota não traria mais que alguns minutos de zombaria, mas algumas coisas são importantes. Um truco com os amigos é realmente uma coisa simples, mas eu tenho uma regra, uma regra muito simples: nunca desistir. Não importa se o jogo não vale nada, não importa o quão ridículo seja, mesmo que seja um jogo amigável, eu sempre me esforço ao máximo pela vitória. Alguns podem pensar que sou mal perdedor, mas não é verdade, me sinto bem com a derrota desde que eu saiba que fiz o meu melhor. Esse jeito de pensar tem me feito feliz.

Mas voltando ao jogo. Nas quatro primeiras vezes nas quais as cartas foram dadas, o time adversária decidiu não jogar. Nas quatro vezes respirei aliviado, pois pelo menos eu, não tinha nada significativo na mão. O jogo estava então 11 a 5.

No ciclo seguinte, os jogadores do outro time decidiram jogar, mas não estavam muito convictos, creio que decidiram jogar apenas para quebrar o padrão de desistências. Tínhamos cartas razoáveis então conseguimos nossos três pontos, e o jogo foi para 11 a 8.

É aí que as coisas começam a ficar interessantes. Os garotos do outro time pegaram suas cartas e passaram-nas de mão em mão entre os companheiros de jogo, mostrando expressões confiantes conforme viam as cartas dos outros. Decidiram, animadamente, que iriam jogar. Nanico olhou para mim e disse rindo:

– Significa que perdemos.

– É, parece que sim – eu respondi.

Mas Henrique disse convicto:

– Ainda não.

Guri fez o primeiro lance, um três de espadas (o Três é a carta mais forte do truco, com exceção das manilhas), Nanico jogava em seguida, e jogou um Três de ouro. Depois foi Matheus, que jogou uma carta insignificante assim como todos os outros em seguida. A rodada terminou “amarrada”, ou seja empatada. Nesse caso, todos os jogadores devem mostrar sua carta mais forte, no meu caso um Ás. No time adversário, apareceram um Três, um Dois e um manilha: Ouros.

Eu mostrei minha carta, suspirando com o fim de minhas esperanças ao ver a manilha de Mudinho, e Nanico mostrou um Valete. Mas a surpresa aconteceu nesse momento, pois o último jogador ainda não havia feito seu lance. Henrique olhou com satisfação para os adversários e mostrou sua carta: Espadilha, a carta imediatamente superior à de Mudinho.

A alegria nos dominou, o jogo finalmente havia mudado e a sorte parecia nos favorecer. O jogo estava agora 11 a 11 e era incrível ver o quão longe havíamos chegado, estávamos a apenas um ponto da vitória, e ela finalmente parecia possível. No entanto, o outro time também estava a um ponto da vitória, o jogo estava indefinido.

Não sei se você conhece o truco, e, caso conheça, não sei como você joga, mas e eu e meus amigos fazíamos um ciclo especial quando o jogo chegava ao empate na mão de onze: ninguém via as cartas. Jogávamos de um modo que gostávamos de chamar: Jogo no Escuro, no qual não havia modo de se fazer estratégias, escolhíamos uma carta qualquer e jogávamos, simples assim.

O último ciclo foi iniciado. Na primeira rodada desse ciclo, o time rival ganhou, com um Três jogado por Guri. Nossa moral baixou, e a dos adversários subiu, pois

estavam a apenas uma rodada vencida para ganhar. O jogo havia ido tão longe que vencer se tornou uma necessidade pessoal.

Na segunda rodada, Nanico jogou Ouros, e por meio dele conseguimos ganhar. Foi aí que tudo aconteceu, pois faltavam apenas seis cartas para o fim do jogo, e ninguém sabia quais cartas possuíam diante de si.

Nada significativo aconteceu até que haviam apenas duas cartas que não haviam sido jogadas. O jogo havia chamado a atenção de várias pessoas da sala, que agora chegavam e se dividiam de acordo com o time que desejavam ver vencer, cercando nossas carteira puxadas de modo a ficarem juntas. O próximo a jogar seria Matheus, e o último seria eu.

Quando Matheus jogou, todas as minhas esperanças de vencer acabaram, pois a carta diante de mim era Copas, as segunda mais forte do jogo. Muitos sons de zombaria foram ouvidos, a vitória era inevitável, e duas manilhas para o meu time no mesmo ciclo parecia querer pedir demais, pois apenas Zap poderia dar-nos a vitória.

Me preparei para jogar, todos os outros jogadores se levantaram, olhando fixamente para minha carta, a última carta. O silencio caiu sobre a sala, todos esperando o resultado. Eu coloquei minhas mãos sobre a carta, e supliquei várias vezes:

– Seja Zap, seja Zap, seja Zap.

E virei a carta.

Levantei meus braços ao céu com os punhos fechados urrando de alegria, todos os meus companheiros de equipe imitando meu gesto, a comoção foi tamanha que fez a professora se zangar, mas ninguém se importou, pois era Zap que estava diante de nós. Os adversários abaixaram os rostos rindo com desânimo. Guri se levantou e bateu as pernas da cadeira no chão com um grande “Nããããããão”.

Mal pude acreditar que realmente havíamos conseguido a vitória, foi o jogo mais emocionante que já tenha visto ou ouvido falar. Aquele foi um jogo que eu realmente vou me lembrar para sempre, aquele foi um jogo lendário, o melhor truco já jogado.


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