É bem como dizem: nada é tão ruim que não possa piorar.

É claro que ao acordar sonolento antes das sete da manhã em um dia feio iria dar de cara com um certo urso. É claro que ele iria me fazer perder o dia todo correndo pela cidade ajudando a resolver os problemas dele. E é claro que no final ele iria me largar no meio da rua enquanto chovia como se alguém tivesse jogando baldes de água do céu.

Agora, horas depois, já começava a escurecer e aqui estou eu tremendo e encharcado no meio da rua. Paro num canto em baixo de um toldo e penso em minhas possibilidades. Mesmo que eu saia correndo até o campus, quando eu chegar até meus ossos estarão molhados. Não que eu esteja seco agora, mas esse realmente não é meu pior problema. Me sinto tonto e minha cabeça dói e tenho impressão de que vou desmaiar a qualquer momento. Olho em volta.

Pensando bem, há uma outra opção bem mais próxima. Faço uma careta ao pensar. Seria meio estranho bater na porta de alguém que você só visitou apenas uma vez apesar dela praticamente não sair do seu quarto. Aí de repente você bate na porta do apartamento de uma garota solteira quase à noite e completamente molhado... Pensando bem talvez não seja nada demais, afinal ela sempre está aparecendo. É não é como se ela não tivesse aparecido encharcada também menos de uma semana antes. Suspiro longamente.

Cinco minutos depois eu estou na frente de seu prédio e me preparo para subir. O zelador sorri ao me ver e me cumprimenta. É claro que se lembra de mim de todas as vezes que eu a acompanhei até a porta e da única vez que entrei.

"Deus, você está ensopado! Entre rápido, vai acabar pegando um resfriado. A Ozawa-san está lá em cima, pode subir"

Ele sorri novamente enquanto eu me dirijo ao elevador.

Provavelmente ele é uma das pessoas que deduz de forma incorreta que somos um casal. Claro que somos próximo. Temos a mesma idade, estudamos na mesma universidade, por conta da teimosia dela nos tornamos até amigos. Mas uma relação amorosa era algo muito mais complexo.

Ela provavelmente não sabe, mas é a pessoa mais próxima de mim.

Ao chegar à sua porta ouço um som baixo de música clássica e barulho de panelas batendo. Sinto um cheiro agradável de comida. Suspiro novamente e bato na porta.

"Estou indo!" - ela diz e em seguida abre a porta. É óbvio que ela está aproveitando um sábado de folga em casa. Seu cabelo não está tão arrumado como de costume e está sem um pingo de maquiagem. Está usando um shorts até o meio da coxa, meias três quartos e uma camiseta de manga comprida azul escura surrada. Eu fico impressionado no quanto eu acho essa visão bonita.

"O que houve com você? Achou que seria uma boa ideia encenar Dançando na Chuva?" - Ela devolve as palavras que um dia lhe disse com um sorriso no rosto e me chama para entrar. Enquanto eu tiro meus sapatos na porta sua expressão fica preocupada.

"O que?" - eu me surpreendo quando de repente ela toca meu rosto com gentileza.

"Você está queimando! Por que você está andando por esse temporal com essa febre?!" - ela me faz adentrar mais o pequeno apartamento e corre até seu armário para buscar uma toalha que coloca em minha cabeça.

"Bem, Gotou-san fez o favor de me incluir em seus problemas novamente e acabou me largando na rua quando terminou. Desculpe te incomodar, mas eu estava mais perto daqui e...”.

"Não se preocupe com isso" - ela não me deixa terminar e me empurra para a porta de onde deveria ser o banheiro. - "Você precisa de um banho quente e de roupas secas. É uma sorte que eu ainda não tive tempo de devolver as roupas que você me emprestou." - ela vai novamente até o armário e pega uma muda de roupas caprichosamente passadas e me entrega. - "Fique a vontade e se aqueça o jantar está quase pronto".

Eu entrei no banheiro com a estranha impressão de que estava em uma casa de recém-casados. Joguei o pensamento pra longe e me despi para entrar no chuveiro. Tudo no pequeno banheiro lembrava a ela. Os cremes na pia, o shampoo e sabonete que usei que tinham seu cheiro... Quando eu saio do chuveiro para me vestir vi que as roupas que ela me entregou também tinham o cheiro dela. Me repreendi por pensar nisso.

Quando sai do banheiro com uma toalha enxugando meu cabelo, ela sorriu pra mim do balcão da cozinha, mas eu ainda via a preocupação em seus olhos.

"Você precisa enxugar seu cabelo direito, vem aqui!" - ela me fez sentar em uma cadeira e pegou um secador. Com delicadeza ela passava os dedos em meus cabelos enquanto os secava. Eu me vi fechando os olhos e aproveitando como se estivesse recebendo uma carícia, o que, na verdade, eu estava.

"Está com fome?" - ela me perguntou enquanto ainda passava os dedos pelo meu cabelo.

"Um pouco" - eu respondo de olhos fechados - "Muita. Na verdade não comi nada desde cedo"

"Não é pra menos que você está tão fraco" - ela diz um pouco contrariada - "Está com febre desde cedo?"

"Não faço ideia" - respondo erguendo as sobrancelhas e a ouço suspirar. Ela desliga o secador e eu quase peço para que ela não tire as mãos de meu cabelo. Minha febre realmente deve estar terrível.

"Pronto" - ela diz olhando para mim. - "Eu fiz sopa, deve ser mais fácil de você comer. Está com tontura?" - ela está realmente preocupada.

"Eu estou bem" - eu digo revirando os olhos. - "Não precisa se dar tanto trabalho, assim que a chuva diminuir um pouco eu vou embora."

"Até parece que eu vou deixar você ir embora com esse tempo e com essa febre." - ela pareceu mais séria ainda. - "A previsão é que essa chuva se torne neve. Você desmaiaria antes de dar uma dúzia de passos. Não seja teimoso uma vez na vida, coma e descanse."

Eu a encarei e ela me encarou de volta confiante. Eu suspirei e sentei à mesa. Ela sorriu e me serviu uma tigela de sopa. Cheirava maravilhosamente.

"Francamente, Yakumo-kun, às vezes você é pior que uma criança!" - ela sorriu e eu a ignorei. Ela se sentou na minha frente e começou a comer. Eu segui seu exemplo. A sopa estava ótima e eu me lembro que sua família tem um restaurante. Ela provavelmente aprendeu a cozinhar muito cedo.

Nós comemos em um silêncio confortável. Essa era uma paz diferente do que eu estava acostumado. Quando eu morava com o tio ele fazia de tudo para passar esse mesmo conforto para mim, mas eu ainda não estava pronto para aceitar. Agora essa garota encrenqueira estava cuidando de mim com tanta atenção que me deixava constrangido. Eu olho para ela enquanto ela come calmamente. Quando eu termino, ela me oferece mais e eu aceito.

"Gotou - san conseguiu o que queria?" - ela me pergunta.

"Aparentemente sim. Fiz minha parte e deixei o resto pra ele. Ele tem que aprender a se virar sozinho." - eu digo e ela sorri. Quando termino de comer desta vez digo que estou satisfeito e ela sorri e se levanta.

"Agora você precisa tomar um remédio" - ela me entrega um comprimido e um copo de água. Eu bebo e ela me indica a cama. - "Agora deite"

Eu tentei discordar, mas estava muito fraco, então ela apenas me fez deitar e me cobriu.

A cama dela era confortável e quente e eu podia sentir seu cheiro. Eu acabei relaxando...