Preciso ficar acordado. Coca cola deve servir. Cocaína seria melhor, mas não se encontra essa maravilha industrial em qualquer posto de gasolina. Assim sendo, tanque cheio já que não conheço a distancia a ser percorrida. Coca cola e outros lixos industrializados que me causarão diabetes, mas que evitam que meu estomago reclame de fome. Um road trip descente precisa que um clássico, um Impala ou Galaxie por exemplo, mulheres, musica boa e uma estrada bucólica. O que tenho em mãos: um Chevette com a pintura queimada, toneladas de junk food no banco do passageiro, musica boa, uma estrada usada por veranistas e minha mão direita. Isso deve servir. Musica sai violenta dos alto falantes, as únicas coisas que funcionam a contento nesse carro. Old Chevy deu lugar a Queen of the Stone Age. Os caras são demais. Carros passam apressados no sentido contrário como que fugindo do inferno ou, simplesmente voltando de uma escapada de fim de semana. A segunda opção é a mais correta, mas a primeira é a mais legal. A musica entope meus ouvidos e a estrada à frente se distorce em ondas com o pôr-do-sol. Antes que esqueça, deixe-me apresentar meu companheiro de viagem. Vocês não pensaram que eu faria essa viagem épica sozinho né? Postado em estado de vigília sob o painel, meu crânio de estimação. Graças a um sistema de espelhos, quando um carro cruza nosso caminho pela pista contrária, seus olhos se acendem. Suas orbitas negras, que sempre fazem contraste com o osso alvo e polido, brilham momentaneamente como se estivesse vivo. Para depois morrer novamente. Vivo. Morto. Vivo. Morto. Antes que perceba meu sorriso está tão arreganhado quanto do meu companheiro de viagem. Vivo. Seus olhos demoram mais que o normal para se apagarem. Morto. Os pneus beliscam a faixa divisória e retornam a posição normal. Os acordes escorrem rapidamente, quase posso senti-los. Sinto meus dentes rígidos e o esfregar deles atinge meu cérebro como marteladas. Vivo. Já não sei mais o nome da musica que está tocando, mas garanto para vocês que é foda pra caralho. Queen of the Stone Age é sempre foda. Morto. Seus olhos ficam quase dois minutos acesos. Ou deveria dizer abertos? Vivo. A coca escorre pela minha boca que simplesmente não para mais de rir. O Chevette cruza a pista. Hora do jogo do covarde. Faróis se aproximam assustadoramente rápido. Seus olhos brilham ofuscando minha visão. Não ouço a buzina do outro cara, apenas o ronco preguiçoso do quatro cilindros. Não percebo o metal se retorcer ao meu redor, nem o para-brisa se estilhaçando, só a musica que chega aos acordes finais. Seus olhos se apagam. Morto. Morto. Morto. Morto.