O anjo e o demonio escrita por Lu Rosa


Capítulo 22
Assuntos eclesiásticos




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/544847/chapter/22

As pessoas começavam a sair da Igreja quando David chegou para conversar com o padre. Era a parte do trabalho que ele menos gostava. No período atual, a menção de vampiros ou outros seres sobrenaturais causava espanto nas pessoas. Em membros da igreja então, era como um sacrilégio. Armado com uma carta do Arcebispo de Nova Orleans, assinado e marcado com o sinete de Sua Santidade, o padre teria que recebê-lo.

No momento em que David entrava na Igreja, agora vazia, uma pessoa levantava-se de um dos bancos. Seu coração acelerou-se ao constatar que era Ângela.

Ângela persignou-se e virou-se para a saída. Ela estancou bruscamente ao ver que David entrava na igreja naquele momento.

Os dois ficaram parados olhando-se. Um querendo se aproximar do outro. Cautelosamente, David deu o primeiro passo. Ângela não recuou, mas também não se mexeu. Ele arriscou outro passo. Ela olhou para os lados como se procurasse uma saída, como um animalzinho assustado. Ficou claro para David que ela fugia de uma conversa.

Ele andou na direção dela agora resolutamente. Ela recuou balançando a cabeça. A luz do sol penetrava na nave através dos vitrais coloridos lançando luzes coloridas numa dança de luz e sombras. O ambiente era sombrio mas ao mesmo tempo romântico.

Ângela virou-se para ir embora.

– Ângela, espere. – ele pediu.

Ela parou. Mas continuava de costas para ele. Seu coração batia na mesma cadencia dos passos dele na igreja vazia.

– Ângela... – ele disse. – Por favor, me perdoe. Eu tenho que pesquisar sobre o ambiente que eu vou encontrar. Faz parte do meu trabalho. Nem por um segundo eu imaginei que a mulher da minha vida estaria aqui esperando por mim.

A jovem virou-se lentamente.

– Esperando por você? Deixe de ser presunçoso, professor. Eu tenho a minha vida. Não preciso esperar por ninguém.

– Eu sei. Mas eu posso fantasiar, não posso? – ele deu um sorriso torto.

Ela não pôde deixar de sorrir também. Mas logo ficou séria.

– Eu até compreendo o que você tem que fazer pelo seu trabalho. Mas e a beldade sulista?

– Beldade sulista? Ah, Christie Adams... Ela foi um erro que eu não tenho a menor intenção de repetir.

– E ela já sabe disso?

– Eu não vou gastar meu tempo e latim com Christie Adams, Ângela. Prefiro gastá-los com você.

Ele se aproximou dela.

– Ângela, eu preciso que você me perdoe. Por que... Porque eu não consigo conceber minha vida sem você. – declarou ele com dificuldade.

Ângela conseguia ver sua respiração irregular. O pomo de adão mexendo enquanto aguardava ansioso por sua resposta.

Ela não respondeu de imediato. Se por um lado ela queria se jogar em seus braços, por outro como entregar seu coração para alguém que ela não confiasse?

David colocou as mãos em seus braços, Ângela estremeceu ao lembrar das mesmas mãos percorrendo seu corpo, poucas horas antes. Ela olhou para ele, os olhos margeados de lágrimas contidas. Os dele brilhavam como duas lagoas rasas d’água.

– Por favor, me perdoe... – pediu ele.

Ângela não pôde resistir. A ausência de David por poucas horas já havia lhe provocado uma dor física, ela não podia imaginar como seria ficar uma vida inteira sem ele.

– Sim... – disse ela entre soluços. – Oh sim! Por que eu também não consigo viver sem você.

David a abraçou feliz e a teria beijado ali mesmo no meio da Igreja se uma tossida discreta não os tivesse separado.

Os dois olharam na direção do som.

– Professor Marshall, eu suponho. Sou o padre Murphy. Nós nos falamos por telefone. – disse um homem indo na direção deles com a mão estendida. – Senhorita Dougherty.

Ângela cumprimentou o pároco com um aceno de cabeça e David apertou a mão dele.

– Padre Murphy é um prazer conhecê-lo. Primeiramente eu tenho que dizer ao senhor que desejo que casar com essa jovem o mais rápido possível.

Ângela olhou surpresa para ele. O padre olhou para os dois com um enorme sorriso.

– Isso é uma boa notícia! E vocês já pensaram numa data para a cerimônia?

– Ainda não, padre. Mas vamos pensar em uma, não é?

– Tão certo quanto o sol que brilha lá fora. Mas, infelizmente, não foi sobre esse assunto de que eu vim tratar com o senhor. – David voltou-se para Ângela. – Querida, eu preciso tratar de alguns assuntos com o padre Murphy. Posso vê-la mais tarde?

– Só uma licença, Padre Murphy?

Ângela puxou David para um canto.

– Espero que não seja para falar de um funcionário meu...

Ele olhou sério para ela.

– Desculpe-me Ângela, mas eu vim para realizar um trabalho e vou fazê-lo.

– Você está enganado em relação ao Anton.

– Ah vocês já se tratam pelo primeiro nome? – David perguntou irritado.

Ela preferiu não responder. Encaminhou-se para a saída, fazendo um sinal que mostrava que estava de olho nele.

– Até logo Padre.

– Até logo senhorita.

David só ficou olhando ela ir embora apreciando o andar firme e elegante. Depois ele pegou uma bolsa no chão.

– Muito bem padre. Vou precisar de seus préstimos eclesiásticos em relação a isso. – e abriu a bolsa.

Padre Murphy olhou dentro da bolsa e viu o que parecia muitas armas. Ele olhou assombrado para David.

***

Ângela ainda pensava nas palavras de David em meio a algazarra das crianças ao redor do espaço que ela montara. No momento, ela pintava uma linda borboleta azul no rosto de uma menininha.

– Prontinho, Clair. Está uma linda borboletinha.

A menina depositou um beijo no rosto de Ângela, dizendo:

– Obrigada, senhorita. – e saiu correndo, as trancinhas ruivas balançando no ritmo da corrida.

Ângela colocou o pincel no pote com água e levantou-se da pequena cadeirinha. Ela esticou as costas para trás, fazendo uma careta quando escutou os ossos estalarem.

Ela olhou ao redor, não contendo um sorriso ao ver sua avó pulando como uma adolescente vibrando com os jovens. Sua avó era uma fonte de jovialidade e sabedoria. Ela gostaria e muito de chegar à idade de Maggie com toda aquela vitalidade.

Ângela colocou uma plaquinha de volto já e saiu caminhando pelo parque. Estava tudo muito bonito, apesar da mudança de local de última hora. O evento do Dia de São Patrício sempre era realizado na campina da Torre desde que ela podia se lembrar. Mas devido ao desaparecimento de Henry Greeling e a posterior investigação no local onde o carro dele foi encontrado, a polícia de Raphoe havia transferido a festa de São Patrício para o parque da cidade. Menor, mas acolhedor. Todos se esmeraram para montar as barracas e enfeitar tudo ao redor e um grupo havia ficado na saída da cidade para informar àqueles que não haviam ido à procissão sobre a mudança de planos.

Mas tudo dera certo e parecia que todos se divertiam muito, ela constatou ao andar em meio à multidão. Apenas um fato chamou sua atenção. O efetivo de policiais havia aumentado. Provavelmente Neil havia designado mais policiais do que nos outros anos. Talvez tivesse a ver com os estranhos desaparecimentos na cidade.

Encontrou sua mãe sentada à sombra de uma árvore lendo. Ao seu lado estava a toalha quadriculada com pratos, copos, talheres e uma cesta enorme de piquenique. Nem sinal dos meninos, o que levou Ângela a supor que eles já tivessem comido e agora brincavam com as outras crianças.

– Oi, mamãe. Tudo tranquilo por aqui? – Ângela sentou-se ao lado de Elinor.

– Ah sim. Os meninos da Susan são muito educados. Estão ali brincando – ela indicou um ponto mais a frente. Os meninos divertiam-se jogando bola.

Ângela esticou-se para pegar uma maçã.

– Espero que isso não seja só o que você vai comer durante todo o dia, mocinha – Elinor comentou sem tirar os olhos do livro.

Quando criança, Ângela achava que sua mãe tinha percepção extrassensorial. Antes mesmo de ela fazer alguma traquinagem, Elinor já dizia algo a respeito como se adivinhasse. Essa sensação a possuiu novamente.

Sentindo-se pega, Ângela colocou a maçã de volta e pegou um prato. Colocou salada, um pedaço de torta e da bolsa térmica uma garrafinha de suco. Pegou o talher e colocou um bocado na boca, olhando para Elinor como se fosse uma criança forçada a comer vegetais.

Elinor olhou por cima dos óculos e sorriu. Às vezes, só bastava usar sua intuição de mãe.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O anjo e o demonio" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.