O anjo e o demonio escrita por Lu Rosa


Capítulo 2
O sonho




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Ângela Dougherty acordou ofegante como se tivesse corrido uma maratona. Ela sentiu um gosto salgado nos lábios e, surpresa, viu seu rosto ainda estava molhado de lágrimas. Ela sentiu um arrepio ao lembrar-se do sonho terrivel.

Ela olhou para o relógio da cabeceira e viu que ainda tinha uma hora antes do horário que normalmente ela se levantava. Mas ela já estava bem desperta. Chutou as cobertas e pegando uma toalha dirigiu-se ao banheiro.

Ângela não era alta, mas não podia ser considerada mignon. Em seu ombro existia um sinal de nascença em forma de estrela. Atualmente na família, somente ela e avó possuíam essa marca. E outro sinal no meio das costas como uma linha curva. Com longos cabelos castanhos e olhos violetas sempre brilhantes, ela sempre chamou atenção dos homens, mas sempre se manteve distante por causa das histórias que rondavam sua família. Mas era sempre risonha e disposta a ajudar os outros. E as pessoas gostavam dela quase que imediatamente. Embora com idade suficiente para ser independente, amava morar na casa da família com a mãe Elinor e a avó Margaret, também conhecida com Maggie.

Já de banho tomado, ela encarou seu rosto no espelho por alguns minutos. Parecia que ainda via o rosto da jovem de seu sonho. Era o seu rosto. Ela tinha que parar de ficar lendo romances históricos antes de dormir...

Ângela desceu as escadas silenciosamente, para não acordar a mãe que dormia no quarto ao lado do seu. A avó dormia no andar térreo.

Mas qual foi a surpresa da moça, ao entrar na cozinha e encontrar a avó já sentada à mesa tomando café.

– Oi, vovó. Bom dia. – ela se inclinou dando um beijo na face da senhora.

Maggie Dougherty fez um afago na mão de sua neta.

– Oi, querida. Levantou-se mais cedo hoje? Aconteceu algo. – Não era uma pergunta era uma constatação.

Ângela pegou uma porção de folhas dentro de um pote e colocou dentro de um bule com água.

– Tive um sonho que me acordou. Tenho que parar de ler antes de dormir.

A velha senhora inclinou-se para frente com os olhos de um tom raro de azul brilhando.

– Diga como foi.

– Eu estava na chuva, tentando subir uma escada de pedra escorregadia. Caindo e machucando-me toda. Era uma espécie de torre. Havia uma batalha e eu tinha visto minha família ser morta. Então eu ouvi alguém me chamar, mas não conseguia ver quem era. O rosto estava difuso. Só sabia que era um homem. Nisso chegou um segundo homem e eles lutavam com espadas. Quando o segundo homem levantou a espada pra matar o primeiro, eu me lancei contra o corpo caído e morri também.

– Hum. Curioso esse seu sonho... – comentou Maggie com um ar misterioso.

– Vovó, não comece. Não tem nada de especial nesse sonho. Eu li um romance antes de dormir e pode ser fruto do meu subconsciente.

– Mas... Também pode ser outra coisa.

– Como o quê? Ser uma lembrança de outra vida? Se o padre Murphy escutar a senhora falar disso vai lhe dar um sermão.

– Aquele padre é um intrometido! – a senhora reclamou. – Ele quer mudar coisas que não conhece. A magia está em nossa família e ele não pode mudar isso.

– Mas podemos ser mais discretos, não? Algumas colegas já vieram me perguntar se a senhora pode fazer alguma magia de amor.

A senhora deu uma risada.

– Diga pra elas me procurarem. Vamos fazer uns encantamentos à luz da Lua cheia.

Ângela sacudiu a cabeça inconformada. Sua avó era incorrigível. A família dela era especial, sim. Durante séculos as mulheres da família Dougherty tinham fama de bruxas. Conhecedoras do poder das ervas e das forças da natureza. Mesmo as mulheres dos chefes eram chamadas para atender algum doente ou alguma aldeã em trabalho de parto.

Mas, os séculos passaram e com eles vieram a desconfiança e o preconceito. Conforme as aldeias ficavam maiores e recebiam pessoas de todos os lugares a respeito pelo antigo foi ficando cada vez menor.

Mas agora, as pessoas encaravam com mais leveza o fato de morarem numa cidade com uma família de bruxas. Ás vezes, a avó e a mãe eram procuradas por causa de seus conhecimentos herbários, mas Ângela sempre se mantinha á distância.

Neta e avó continuaram a tomar seu chá e café respectivamente em silêncio. O toque do telefone interrompeu os pensamentos delas.

Ângela atendeu ao telefone, ainda bebericando o chá.

– Alô.

– Ângela, é Susan.

– Ah, olá Susan. Temos algo marcado pra hoje?

– Não. Mas eu queria te avisar que não vou poder ir hoje à empresa. Sean está com 40 graus de febre. E o pediatra acha que pode ser sarampo.

– Ah, pobrezinho... – ela se lamentou – Fique com ele o tempo que precisar.

– Então, só que hoje é a apresentação dos balancetes e eu não sei o que fazer. Justo hoje que é a primeira apresentação para o novo diretor do Financeiro.

– Eu apresento pra você. – disse Ângela num impulso. – Trabalhei nele tanto quanto você, apesar de não ser da contabilidade. Posso fazer isso.

– Ah, você faria? Mas dizem que o novo diretor é irascível. Você poderia lidar com ele?

– Ora, Susan. Eu sou uma Dougherty. Posso lidar com qualquer coisa. – disse Ângela rindo - Não se preocupe, ele nem vai saber que eu não sou da sua área.

– Você faz jus ao nome. Você é um anjo. – um choro começou a ser ouvido por Ângela – Eu tenho que ir. Sean está querendo se coçar, e o Matthew não deixa.

Ângela pousou o fone no gancho, pensando na vida de sua amiga. O marido a deixara com dois filhos pequenos. Susan Collins tinha uma jornada dupla, como contabilista na empresa da família Dougherty e como mãe. Muitas vezes, Ângela foi à reunião de pais ou a alguma apresentação dos meninos para que Susan pudesse terminar alguma tarefa mais importante ou ter alguns momentos para ela mesma, isso a mando da própria Ângela, que sabia o quanto esses momentos faziam falta para uma mulher.

O que ela queria mesmo era que a amiga abrisse seu coração para um novo amor, mas Susan parecia não ter mais interesse nos homens.

A voz da avó a tirou dos devaneios.

– Não se preocupe com Susan, querida. Ela vai encontrar novamente o caminho. Assim como você.

– Ao contrário de Susan, eu não preciso de um namorado, vovó. – ela voltou-se para a avó, não evitando um suspiro quando a viu.

Maggie estava com os olhos parados, expressão distante. Ângela sabia que a avó estava tendo a Visão. De vez em quando, ela ficava ausente por alguns minutos e quando isso acontecia, Maggie Dougherty sempre dizia coisas que realizavam. Algumas mulheres da família tinham a Visão, Ângela inclusive.

– Você precisa reencontrar o amor de sua vida, Ângela. De longe ele vem... Por sobre o oceano ele está voltando. “Corpos separados, almas juntas”.

Ângela deixou a caneca que segurava cair. Sua avó acabara de repetir as últimas palavras da moça de seu sonho. O barulho despertou Maggie que piscou várias vezes.

– E então, onde estávamos?

***

David Marshall levantou a cabeça ao ouvir as batidas na porta.

– Entre. – ordenou tirando os óculos.

Um rapaz de cabelos loiros abriu a porta e disse parecendo agitado.

– David, eu acho que deveria dar uma olhada nisso.

David colocou o marcador entre as páginas do livro que lia e seguiu o rapaz loiro.

Os dois homens andaram alguns metros pelo corredor até entrarem numa sala que parecia ser feita para reuniões. Uma mesa circular rodeada de cadeiras, com algumas estantes forradas de livros e numa parede um mapa mundo com vários alfinetes vermelhos fincados.

Eles foram até um monitor onde se via um repórter de uma rede de TV local iniciando uma entrevista. Um homem alto, pálido de olhos escuros estava confortavelmente sentado atrás de uma mesa de mogno. Atrás dele havia uma estante de livros.

– Eu estava dando uma olhada em uns vídeos da internet e dei com isso. É ele, não é? – o rapaz loiro perguntou.

– Onde é isso? – perguntou David sem responder a pergunta do rapaz.

– Irlanda, uma cidade chamada Raphoe. Ele agora é um diretor de uma empresa de meio ambiente. Mas, David, ele parece ser uma pessoa civilizada, acha que...

David olhou para o jovem com um ar preocupado.

– Ele sempre será um vampiro, Nigel. Sempre fará suas vítimas. Qual o nome que ele assumiu agora?

– Anton Cartwright, doutorado em química e filosofia. O diretor anterior da empresa morreu de causas naturais. Tinha 65 anos. Chamava-se Ian Dougherty.

– As pessoas dessa cidade não sabem o risco que estão correndo. Mas por que essa cidade? Ele poderia ter ido para cidades maiores, onde poderia passar despercebido. – David olhou para o monitor novamente, onde o novo diretor financeiro da Dougherty Ambiental sorria para o repórter agradecendo a entrevista. – Temos que ir para esta cidade. Nigel arrume suas coisas. Você vem comigo.

– Isso! Caçar vampiros! – o rapaz vibrou saindo da sala.

David não pôde deixar de sorrir. Nigel era um rapaz agradável. O entrosamento entre eles tinha sido imediata. O que deixou David surpreso, pois ele era uma pessoa muito introspectiva. Ele preferia passar todo o tempo debruçado em livros do que interagindo com os outros professores do Instituto. Com 1,80 de altura, atlético e de olhos azuis sempre tristonhos, chamava a atenção do público feminino, fossem professoras ou alunas. Mas ele sempre declinava dos inúmeros convites para festas ou jantares.

Todas as pessoas têm suas obsessões e a de David era Anton Ormonde. Um vampiro com séculos de existência e que o Instituto observava há anos. A fachada respeitável do Instituto escondia uma organização secreta que vigiava toda manifestação sobrenatural do mundo. Aparições de fantasmas, vampiros, bruxas, possessões demoníacas eram investigadas e, algumas vezes combatidas. Na maior parte, eram só monitoradas.

Mas, Anton não era considerado inofensivo. Já antes de sua criação, ele era de natureza violenta. Durante as guerras na Irlanda, ele não poupava ninguém. Mulheres, velhos e crianças eram dizimados sem dó. Isso até revoltava alguns de seus comandados que aceitavam batalhar contra soldados como eles, mas matar crianças e mulheres indefesas? Alguns soldados, então, numa batalha, resolveram acabar como esse período de terror. Um machadinho celta arremessado por um de seus próprios soldados interrompeu a vida humana de Anton Ormonde.

Mas ele não havia morrido. Ferido, ele se arrastou pelo campo de batalha, mas vampiros que buscavam suas vitimas entre os feridos o encontraram. Após sua transformação, ele buscou vingança. E todos os soldados que ele um dia comandara foram dizimados.

Mas isso longe de saciá-lo. Anton continuou distribuindo a morte por onde passava. No decorrer dos séculos, ele mudou de nome, às vezes morrendo em batalha e voltando como seu próprio descendente. Várias foram suas mulheres, mas ele não podia prover sua descendência. Mas sua sede violenta continuou intacta, pelos anos seguintes. Ele se tornou um mercenário comandando um grupo de quase cem homens

Ele, então, concentrou seus crimes na região norte da Irlanda, matando e roubando sem distinção, se tornando conhecido como a Besta de Donegal. Seu maior crime foi invadir um convento e matar todas as freiras depois dele e seus homens violá-las.

Então, ele desapareceu. As pessoas mandavam rezar missas em agradecimento. Diziam que o Diabo o levara com medo que ele tomasse o seu lugar.

E então, no século 19 ele reaparecera. Mais civilizado, mas ainda sim mestre na arte de matar. E foi então que o Instituto começara a investigá-lo. Ao tomar conhecimento de seus crimes, vários agentes do Instituto saíram em seu encalço. Mas poucos voltaram.

Mesmo David já havia cruzado com ele. Quando ele tinha a idade de Nigel e era assistente de um historiador chamado Talbot Cross. Talbot, assim com muitos antes dele, saíra no encalço de Anton. Mas como os outros, ele também não conseguira acabar com o famigerado vampiro. Debruçado sobre o corpo de seu mentor, a quem considerava um pai, David jurou perseguir e livrar a Terra de tal criatura.


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