Convergente II escrita por Juliane


Capítulo 34
Ela




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Nos dias que se passaram após a minha sentença permaneci no dormitório em repouso, conforme prescrição de Wes. Recebi visitas de Enrico e Emma, fiz as minhas refeições sozinha e aproveitei o tempo ocioso para pensar a respeito do que viria. Cheguei a conclusão de que as coisas acabaram correndo melhor do que o esperado, após o choque inicial de ter o General Sparks supervisionando o cumprimento da minha pena atentei para duas coisas: primeiro, o meu objetivo inicial de entrar na escola militar para aproximar-me de dele a ponto de descobrir a verdadeira identidade do Presidente e sua neta estava sendo concretizado mesmo sem eu ter tido retorno sobre o resultado dos exames que prestei e segundo, é sempre bom manter os inimigos por perto, assim vigiar seus próximos movimentos fica muito mais fácil.

Essas conclusões acabaram por fazer crescer em mim uma ansiedade sem tamanho e o dormitório se tornou uma prisão muito pior do que a cela na qual aguardei meu julgamento. Incapaz de suportar mais um minuto sequer desta completa inércia, por volta do meio dia do quinto dia resolvi que já era o momento de partir em busca de interação humana e testar a aceitação das pessoas. De modo que resolvi almoçar no restaurante. No meio do caminho sou interceptada por Wes.

_ Aonde você pensa que vai?

_ Vou almoçar, quer vir comigo?

_ Beatrice, você deveria permanecer em repouso, Emma já deve estar levando a sua refeição para o dormitório. - Ele responde.

_ Não, eu não aguento mais ficar presa naquele quarto. Preciso de ar puro.

_ Quanto mais de pressa você der sinais de que está se recuperando, mais rápido o General Sparks porá as garras em você. - Ele diz num tom de voz baixo e contido enquanto segurava meu braço bom.

_ Não vejo a hora! Quanto mais de pressa eu iniciar meus trabalhos sob a supervisão dele, mais próxima eu estarei de fazer as minhas descobertas.

_ Beatrice, você não tem jeito mesmo! Não faz ideia de onde está se metendo. Esse homem é perigoso. - Ele repreende, seus olhos estão fixos nos meus, buscando algum sinal de medo ou insegurança.

_ Eu sei exatamente onde estou me metendo. Pode apostar! - Eu respondo num tom insolente e imediatamente me arrependo, mas não peço desculpas.

Wes asente levemente com a cabeça, derrotado. Embora seu corpo não esboce as reações capazes de denunciá-lo eu sinto sua exasperação no ar.

_ Vem, vamos almoçar. - Ele diz enquanto se põe a caminhar na direção do restaurante.

Chegando lá, vejo que o local está apinado de gente, num primeiro momento todas as mesas estão ocupadas, então Wes me conduz a uma pequena saleta anexa que eu ainda não tinha reparado, nela há um conjunto de estofado surrado de couro marrom sob um tapete pruído e por fim, um aparador próximo a porta de acesso contendo uma máquina grande onde podemos nos servir de chá e café, que neste momento dispensamos. O local está vazio, mas as vozes e os burburinhos de conversas no salão podem ser ouvidos daqui.

_ Sente-se, vamos esperar por aqui. - Wes convida.

Eu me sento ao seu lado em silêncio.

_ Como está o ombro? - Ele quis saber.

_ Quase não sinto mais dores, exceto quando resolvo tirar a tipoia.

_ Meu Deus Beatrice! Será que nunca você conseguirá respeitar uma ordem! Eu disse claramente que você não deve tirar a tipoia sem auxílio de uma enfermeira e em situações necessárias. - Ele fala, a irritação presente na voz.

Em me afasto instintivamente e me ponho na defensiva.

_ Não estava mais doendo e resolvi experimentar, temo que seus tratamentos sejam desnecessariamente longos demais.

_ Você não confia em mim? - Ele me olha nos olhos enquanto questiona.

_ É claro que confio, mas as vezes sinto que você é quem não confia em mim. - Eu digo na tentativa de virar o jogo.

_ Você sabe dos meus sentimentos em relação a você, eu não suportaria perdê-la, logo agora que a encontrei, mas tenha certeza de que como profissional, eu jamais mentiria.

_ Estou atrapalhando alguma coisa?

Levantamos os olhos e nos deparamos com Enrico em pé bem a nossa frente. Ele mantém os braços cruzados junto ao peito e seu rosto ostenta uma expressão grave, como se tivesse flagrado algo que ele desaprova.

_ Não, estamos esperando uma mesa para almoçar. - Respondo.

_ Sei, José me disse que estavam aqui. Posso almoçar com vocês?

Wes faz uma careta enquanto me olha em busca de aprovação, ele já deixou claro diversas vezes o quanto desaprova a minha amizade com Enrico.

_ Claro, porque não? - Respondo.

_ Então, tem uma mesa vaga, já reservei. Vamos?

Nos levantamos e o seguimos direto para buffet, depois de nos servimos Enrico indica a mesa, nos sentamos e começamos a comer, não sei por que, mas há uma silêncio constrangedor pairando no ar.

_ Então, Enrico, já está cumprindo sua pena? - Wes tentou quebrar o gelo.

_ Sim.

E mais silêncio... Desisto de entender o que se passa com Enrico e concentro-me no cozido suculento em meu prato. Wes toca de leve no meu braço e quando levanto os olhos do prato ele indica com a cabeça o buffet. A princípio não entendo o que ele quer dizer, mas então eu a vejo, Alejandra. Ela está vestida de branco dos pés a cabeça. O cabelo preso em um coque coberto com uma touca de proteção. Nesse momento ela está abastecendo o buffet com uma travessa fumegante de legumes refogados.

_ Parece que a folga é um privilégio exclusivo meu. - Digo chamando a atenção de Enrico que levanta os olhos imediatamente sem entender o que eu quis dizer.

Reproduzo o gesto de Wes e ele acompanha com os olhos, nesse exato momento, por um breve instante Alejandra olha em nossa direção e quando seus olhos encontram os de Enrico ela abaixa a cabeça e sai passos largos na direção da cozinha.

_ Você tem sorte de ter um médico protetor. - Enrico fala num tom amargo e começo a suspeitar que a razão do seu silêncio deve ser por pura implicância com Wes que finge nem ouvir.

_ É verdade! Tenho sorte de ter tirado o ombro do lugar também. - Digo com todo o mau humor que consigo reunir e mudo assunto para não dar ainda mais ênfase ao estado de espirito do Enrico.

_ Wes, lembra quando falamos a respeito do presidente e a suposta neta?

_ Sim. - Ele diz lançando-me um olhar de advertência.

_ Se for por Enrico, não se preocupe, já falamos sobre esse mesmo assunto.

_ Certo, prossiga, mas lembre que estamos cercados de gente, fale baixo.

_ Sim, eu sei. Olha só, na época vocês dois me disseram que ela está infiltrada na base e que provavelmente estivesse na escola militar sob a proteção do General Sparks que ao que tudo indica é a única pessoa que conhece de fato a aparência do presente.

_ Sim, mas aonde você quer chegar com isso? - Wes está intrigado, uma ruga de preocupação na sua testa se sobressai perante as outras e me pergunto como ele nunca cogitou essa hipótese antes?

_ Não é obvio? Vocês não viram a forma como o General Sparks ficou preocupado com Alejandra? Ele queria que você a atendesse imediatamente.

_ Você está querendo dizer que a Alejandra é a neta do presidente? - Enrico fala e imediatamente sua tez bronzeada vai se tornando branca como papel.

_ Não pode ser, já te contei a história dela. - Wes pondera.

_ Que pode muito bem ter sido forjada, ou você acredita seriamente que ele simplesmente a jogaria entre todos vocês sem um história que sustentasse uma origem que não fosse ligada a ele? Seria como jogar uma presa vulnerável na toca dos leões.

Wes pensa por um momento, Enrico permanece chocado com os olhos perdidos em algum lugar do passado que até já posso imaginar onde.

_ Faz sentido, mas para cogitar a hipótese penso que faltam verdadeiros indícios. Você acha que se ela realmente fosse neta do Presidente estaria trabalhando na cozinha? Ou estaria apavorada e vulnerável no dia do julgamento? - Wes contrapõe.

_ Não compreendi de fato o que aconteceu a ela para que ela assumisse essa postura, mas penso que se eu fosse o Presidente daria tratamento igual aos demais para que não levantasse suspeitas do grau de parentesco. E de mais a mais, você mesmo me contou o quanto ele foi cruel com a filha por ter se unido ao chefe da rebelião, de forma que, imagino deveria ter outros planos para neta além de correr atrás do Enrico. - Eu digo e a menção do seu nome faz com ele olhe para mim.

_ Desculpe Enrico, sem querer ofender, mas acho que ele não permitira o seu envolvimento com um simples soldado. - Completo meu raciocínio.

_ Pode ser, talvez você tem razão. - Wes conclui.

Então um plano começa a se desenhar na minha mente... Já posso imaginar como vamos chegar até o temido Presidente dos Estados Unidos da America!

**********

Wes e Enrico me acompanharam até o dormitório, o primeiro se despediu um tanto relutante em me deixar a sós com segundo que permaneceu lá descaradamente aguardando até que o outro partisse e quando Wes desapareceu no final do corredor Enrico disse:

_ Bom, eu também já vou indo.

_ Não, entra um pouco, quero conversar com você. - Eu digo enquanto ouço um vozinha repreendendo-me por usar um tom de voz tão coquete e principalmente por cogitar pôr esse o meu plano maquiavélico em prática.

Ele não respondeu, apenas girou a maçaneta e entrou no quarto, esperou que eu atravessasse a porta e a fechou atrás de si. Girou os calcanhares de modo que pudesse ficar frente a frente comigo e deixou os braços penderem ao lado do corpo. Ele está chateado, hora de deixar o egoísmo de lado e tentar ajudar.

_ Que foi? Você está chateado porque não pode mais voar? A gente pode pegar o jato escondido, nos dias em que José estiver na torre de controle. - Eu digo tentando animá-lo.

_ Não, não é esse o motivo. Eu estava indo fazer exatamente isso quando você disse que queria conversar. Então diga lá, o que você tem em mente? - Ele fala mau humorado.

_ É por causa da Alejandra? E do fato dela ser neta do presidente?

_ Você vai me dizer o que você quer de mim ou posso ir embora? - Ele evita a minha pergunta.

_ Eu te fiz alguma coisa?!

_ Você?! - Ele fala num tom de voz mais alto e aponta o dedo indicador pra mim.

_ Sim, eu! O que eu te fiz?

_ Todo aquele papinho de eu amo o Tobias, não vai haver outro além dele e blá, blá, blá. O que aconteceu com todo aquele amor? - Ele grita em tom acusatório.

_ Não estou entendendo aonde você quer chegar!

_ Você e o maldito Dr. Wes!

_ Como? - Agora estou muito confusa!

_ É, eu ouvi o papinho de vocês!

_ Que papinho Enrico? Você bebeu! - Pergunto meio que fazendo uma vaga ideia do que ele está insinuando, mas ainda sim me negando a acreditar que uma coisa dessas possa ter passado pela cabeça dele.

_ "Beatrice, você sabe quais são os meus sentimentos em relação à você, eu não suportaria perdê-la logo agora que a encontrei" - Ele fala num tom de voz desdenhoso.

_ Não tem nada a ver! A minha história com Wes, não é do tipo que você tá pensando! - Eu pondero imaginando se devo ou não contar...

_ Então vocês têm uma história?! É isso??? Que imbecil eu sou! Quando você ia me contar? O que ele tem que eu não tenho? - Ele grita me acusa e emenda um monte perguntas sem sentido.

_ Você pode por favor se acalmar?! - Digo enquanto respiro fundo e tento me acalmar também.

_Você... Você me traiu! - Ele diz num tom de voz mais baixo, mas ainda assim ultrajado.

_ Não é nada disso Enrico! Não tenho nenhum relacionamento amoroso com Wes! E não devo satisfações pra você! Então não me venha falar em traição.

_ Mas eu ouvi! Não tente me enganar! - Ele retruca.

_ É mais como um laço de família. - Tento explicar sem expor Wes.

_ Não acredito em você! As palavras dele foram muito claras para mim! - Ele diz magoado, fugindo do meu olhar.

Pondero por alguns instantes, pensando em como vou desfazer esse mal entendido sem causar problemas para Wes. Enquanto isso observo Enrico, ele está transtornado, parado junto a janela, os olhos sem foco indicam que ele não está admirando a paisagem.

É não vai ter outro jeito. Caminho na direção dele e coloco a mão em seu ombro, com o intuito de obter a sua atenção. No entanto, ele se volta para mim rápido demais, agarra a minha cintura com uma das mãos, mantendo o meu corpo imobilizado junto ao seu, eu uso os punhos para afastá-lo e com um movimento preciso, e rápido ele mantém minhas duas mãos imobilizadas bem acima da cabeça enquanto me empurra com seu próprio corpo em direção a parede. Tudo isso acontece em uma fração de segundo.

_ Enrico, para já com isso! Me solta! - Estou completamente apavorada e ele me mantem imobilizada contra a parede sua cabeça está inclinada para baixo seu olhar é intenso...

_ Enrico se você não me largar agora eu vou gritar! Me solta!

_ Eu tenho que fazer isso. - Ele diz quase que num sussurro, mais para se convencer do que para se justificar comigo.

Eu abro a boca para gritar por socorro mas ele intercepta meu grito com seus lábios. Sua língua insistente invade minha boca de forma urgente enquanto sinto os pelos da minha nuca eriçarem. Eu tento virar o rosto e então ele aperta ainda mais seu corpo contra o meu, sua boca quente colada a minha acompanha os meus movimentos desesperados para onde quer que eu tente me virar e posso sentir contra a minha pele cada um dos gomos do seu abdome musculoso. Ignoro a sensação, preciso me concentrar para não me distrair.

Não, isso é errado! Como forma de protesto e defesa faço a única coisa que consigo no momento dou uma dentada no lábio dele, emprego força suficiente para causar um ferimento.

Ele me solta por puro reflexo e me afasto o máximo possível, Enrico põe a mão lábio cortado e em seguida recua a mão observando a gota de sangue nos seus dedos.

_ Tris, desculpe, eu.. eu...- Ele interrompe a frase enquanto caminha cauteloso na minha direção eu me encolho involuntariamente, então ele pára, os olhos arregalados assustados, tanto quanto imagino estarem os meus.

_ Me perdoa Tris! Não me olha assim, não vou machucar você!

_ Sai do meu quarto Enrico! Sai agora! - Eu grito, não quero que ele se aproxime de mim novamente.

_ Eu precisava te mostrar que posso ser melhor do que ele! - Os olhos torturados implorando perdão me fitam em busca de aceitação, mas por ora quero ele longe daqui!

_ Sai daqui! Agora! - Eu digo entredentes.

_ Pára com isso Tris, vamos conversar. - Ele insiste.

_ Agora você quer conversar? Pois bem, agora quem não está interessada sou eu. Vai embora!

_ Tris, me perdoa, eu estou completamente apaixonado por você! Eu nunca me senti assim antes, não sei como lidar com isso.... - Ele faz uma pausa, procurando as palavras certas.

_ Posso aceitar o fato de que seu coração pertence aquele seu instrutor, mas não permito que qualquer outro chegue e tente tomar o meu lugar!

_ Seu lugar? Você é incrível mesmo! Dá o fora daqui!

_ Tris, ele tem idade pra ser seu pai!

_ Cala a boca Enrico! Já chega dessa história!

_ Isso é crime! Você não tem nem 18 anos! Eu vou denunciar esse merda agora mesmo! - Ele fala exasperado enquanto se dirige a porta.

Mas que saco! Que idiota!

_ Você não tem o direito e nem razão para sair por aí acusando e difamando o Wes com base nesses seus delírios absurdos.

_ Você vai continuar negando?

_ Mas que droga Enrico! O Wes é meu tio! Pronto falei!

_ Como assim? Do que você está falando? - Ele parece confuso.

_ Isso mesmo que você ouviu, o Dr. Wes é meu tio, irmão da minha mãe. Uma longa história, que não estou nem um pouco a fim de te contar. Agora, você pode sair, por favor? Preciso ficar sozinha. - Eu digo num tom mais contido.

Ele leva só um segundo para absorver a informação, e o rosto antes desfigurado pela confusão e pela raiva, assume uma expressão de constrangimento, os olhos antes intensos e demoníacos agora estão cálidos quase inocentes.

_ Tris, estou me sentindo um idiota, me perdoa, por favor?!

_ Vai embora, preciso ficar sozinha.

_ Olha só, se você me perdoar eu desapareço daqui, mas só vale se for de coração.

_ Você me beijou a força! - Eu digo um tanto exasperada.

_ E você me mordeu, então estamos quites! - Ele fala em tom de brincadeira e dessa vez eu não acho graça, de modo que ele abandona o tom brincalhão.

_ Sério, não vai se repetir. O que eu posso fazer para compensá-la?

_ Olha só Enrico, eu perdoo você, mas por favor, me deixa sozinha. - Digo apática.

_ Não, você não está dizendo de coração!

_ Que chato! Preciso me acalmar, a raiva vai passar! Mas se você não sair agora as coisas vão piorar. - Estou de saco cheio dessa atitude infantil.

_ Tudo bem, eu vou, mas depois do meu turno eu volto para ver se você já está mais calma. - Ele fala enquanto se dirige à porta. Antes de fechá-la atrás de si, me lança um último olhar de arrependimento, eu viro rosto para o outro lado e então ouço o ruido da porta se fechando.

Como é que vou lidar com esses arroubos de loucura do Enrico, fica difícil manter uma relação de amizade desse jeito, ele é muito passional. As vezes tenho a impressão de que ele aceitou o fato de que nunca teremos nada além de uma amizade, mas aí me acontece uma dessas... Involuntariamente toco os lábios e então fecho os olhos e vejo Tobias. A saudade é tão grande que chega a doer, como o sangue pulsante sob um hematoma que muitas vezes é ignorado em detrimento de planos mirabolantes, brigas, julgamentos e expectativas, distrações necessárias para manter-se de pé, mas aí então você cai ou simplesmente esbarra na ferida e a dor volta em pontadas lancinantes, simplesmente para lembrar que algumas feridas não cicatrizam.

Deitada na cama, me viro de lado e abraço os joelhos, me encolhendo tanto quanto é possível, numa tentativa inútil de comprimir meu coração ao ponto de que a dor não possa mais ser sentida. Então me vejo incrivelmente sozinha, perdida nesse lugar hostil, cercada por pessoas estranhas, longe, muito longe do único lugar em que eu gostaria de estar... Nos braços do Tobias.

Lembranças do último ano passam diante dos meus olhos e todos aqueles que perdi orbitam fantasmagóricos sobre mim enquanto revivo todo o terror de vê-los partir. Minha mãe morrendo em meus braços, o corpo de Will tombando no chão, os olhos de meu pai perdendo o foco, Marlene saltando para a morte, Lynn e seu último suspiro, a fuga desastrosa que custou a vida de Tori, que não teve a oportunidade de reencontrar o irmão dado como morto... Uriah, oh meu Deus! Uriah deitado inconsciente, sua vida prolongada a custa de aparelhos... Duvido muito que ele tenha sobrevivido, na última vez que o vi, tive certeza de que ele não estava mais ali. Aperto os olhos com força na esperança de espantar os fantasmas, mas é em vão, então entre lágrimas e soluços a inconsciência me carrega para outras paisagens hediondas, uma serpente gigantesca enrolada ao meu corpo sua língua fina e bipartida sibilando no rosto... Apesar do pavor eu me concentro nos olhos do animal, estreitos, escuros frios... São os olhos do General Sparks.

Desperto banhada em suor, o ombro latejando violentamente protesta. No meu grau de desespero acabei deitando em cima da tipoia e ao que tudo indica permaneci nessa posição incômoda por algumas horas, já que o quarto está levemente escuro, a luminosidade do dia se esvaindo. Levo um certo tempo para me recompor, vou até o espelho e examino meu rosto, os olhos estão inchados, as olheiras fundas, as maças proeminentes, ao que tudo indica não consegui ganhar peso algum embora eu tenha de fato me esforçado.

Ignorando as recomendações de Wes, eu mesma tiro a tipoia, meu braço pende para baixo, dolorido e pesado demais, vagarosamente e segurando o pulso dirijo-me ao banheiro, preciso de um banho. Lá vou eu realizar a difícil tarefa de tirar a camiseta com uma única mão e tentando poupar ao máximo o ombro/braço inútil de qualquer movimento que ocasione dor o que obviamente é uma enorme perda de tempo.

Ouço através do barulho do chuveiro batidas insistentes na porta. Imagino que deva ser o Enrico, ainda não estou preparada para conversar com ele de modo que não respondo, apenas permaneço ali, deixando água cair sobre mim, com a esperança de que ela leva todas as sensações ruins embora. Depois do que imagino ser no mínimo uns 30 minutos, desligo o chuveiro, seco rapidamente meu corpo e cabelos enrolo a toalha no corpo e entro no quarto. Imediatamente noto um envelope branco embaixo da porta.

Recolho o envelope e o rasgo revelando seu conteúdo, uma folha de papel timbrada com o mesmo símbolos que vi estampado nos jatos e no uniforme dos militares. Só pode ser o resultado dos exames, ansiosamente inicio a leitura:

A/C Prior, Beatrice

Por meio desta, a USAF representada na pessoa do Excelentíssimo General Sparks declara sua aptidão para o início imediato no Curso de Formação de Pilotos e treinamento militar, embasado no resultado satisfatório dos exames ministrados pelo Capitão Finth Cameron.

Compareça a Central de Comando para retirada do seu programa.

NY, 01/12/2998

General Georges Sparks.


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