Convergente II escrita por Juliane


Capítulo 11
Ela




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Meus olhos continuam abertos e tudo vejo agora é o céu, coberto por nuvens cinzentas, um prenúncio de temporal, movo os dedos e toco o chão, capim então me sento e olho em volta, estou de volta a minha paisagem do medo, os corvos.
Agora não preciso fingir, posso manipular da cena como eu quiser e quantas vezes eu quiser. Me deito novamente sobre o capim e espero pelos corvos e eles não se demoram, um deles crava suas patas na minha barriga provocando uma pontada de dor, eu procuro minha arma no capim e ali está ela. Atiro no animal que explode em milhões de pedaços, seu sangue nojento e viscoso respinga na minha pele. Então a nuvem negra começa a se aproximar, centenas de corvos vindo na minha direção, mas me mantenho deitada, apenas levanto a mão e com o dedo indicador faço movimentos giratórios e imagino um tornado se formando e engolindo os corvos perseguidores. Então o vento sopra mais forte e vejo um redemoinho se formando no céu e o tornado ganha força e suga todas aquelas pragas odiosas para si.

Continuo deitada, mas a cena muda, sei o que está por vir, o tanque. E quando me dou por conta é lá que estou, no tanque de vidro mais uma vez. Minha platéia, são Tobias, Caleb, Christina, Zeke, Shauna, Cara, Johanna e algumas pessoas que de fato não conheço, mas têm rostos familiares. Eles circundam o tanque, diferente das outras vezes eles não estão rindo da minha impotência, em vez disso eles estão chorando ao meu redor, Tobias põe as mãos espalmadas no vidro e eu faço o mesmo tentando tocá-lo, ele chora e eu não consigo evitar, choro também ele encosta a testa no vidro e balança a cabeça como se estivesse tentando se convencer de alguma coisa. Ele está sofrendo, todos estão sofrendo, Cara põe as mãos nos ombros dele tentando consola-lo, e isso me enfurece! Estou com ciumes! Eu não quero que ninguém o console. _ Não toque nele! - Eu berro, mas ninguém me ouve. A água já está nos meu joelhos e eu não consigo me mover não quero tirar as mãos do vidro e perder o contato, mesmo que tenha uma barreira entre nós. Tobias olha pra mim, seus olhos estão transbordando, ele move os lábios dizendo: "_ Por quê? Por quê?" - Isso me destrói, sinto meu coração se estilhaçando em milhões de pedaços. De todas as pessoas do mundo que eu poderia decepcionar, justo ele que é parte mim, assim como sou parte dele. Nesse momento eu choro por ele, por mim e por tudo o que poderíamos ter vivido. A água já está no meu pescoço, eu vou me afogar, mas que importância tem isso agora? Estou morta para ele. E dessa vez não manipulo a cena, deixo a água subir, me cobrir por completo, e então por reflexo eu respiro, inalo a água que agora queima os meus pulmões, estou morrendo, perderei a consciência há qualquer momento. Me esforço para me manter no mesmo lugar com as mãos espalmadas no vidro junto as dele, seus olhos, é a última imagem que vejo antes de apagar. É uma simulação, eu sei disso. Mas estou destruída.

Eu respiro fundo, violentamente, como se tentasse inalar todo o ar do planeta, e agora a água que ingeri e invadiu meus pulmões está saindo pela boca e pelo nariz,estou tossindo descontroladamente, meu peito queima. Leva um tempo até eu consiga me recompor, mas ainda estou ofegante, e agora tenho noção de onde estou; Tento me mexer, mas estou imóvel. A fogueira!!! Olho em volta e a mesma cena do tanque se repete, só que dessa vez Tobias está de joelhos. Não vou aguentar essa tortura novamente. O fogo vai lambendo as toras de madeira embaixo dos meus pés, daqui a pouco o fogo vai me consumir também. Dessa vez eu fecho os olhos para evitar vê-lo desse jeito. Mas não adianta seu rosto coberto de lágrimas está gravado na minha mente, mas mesmo assim luto contra o desespero. É uma simulação, é uma simulação, repito para mim mesma, como se fosse um mantra. E penso na chuva, e desejo com todas as minhas forças um temporal. O fogo atingiu minhas botas, estou sentindo a borracha derreter queimando meus pés. Então a primeira gota cai na minha testa e um segundo depois o temporal desaba violento sobrepujando o fogo.

Quando abro os olhos estou no meu quarto na minha antiga casa no setor da Abnegação. Os monstros desfigurados. Espero pelos murros na porta, e eles não demoram. Eu recuo instintivamente em direção ao armário, sei que é isso que eu devo fazer, entrar no armário, criar uma porta e sair desse cenário de horor. Então o primeiro monstro surge na janela e fico chocada quando vejo que ao invés do rosto desfigurado o que vejo é o rosto de David, os olhos são inexpressivos, ele está com a boca aberta mostrando os dentes. Não são dentes normais de um ser humano, são presas pontiagudas como os caninos de um lobo. David rosna para mim, eu engulo em seco. Outro monstro surge, desta vez é Jeanine Matthews, outros surgem e tenho a vaga impressão de ver o rosto de Caleb, mas não permito o reconhecimento. Abro a porta do armário, entro e a fecho ruidosamente. Está escuro, não consigo ver nada, apenas ouço a aproximação ruidosa das versões assustadoras de David, Jeanine Mattews, Evelyn Jhonson, Marcus Eaton e talvez Caleb.

Tateio a parede até encontrar a maçaneta e então eu a giro e de repente estou no Departamento novamente, correndo pelos corredores com Caleb ao meu lado, e o reconhecimento me atinge, estamos indo em direção ao depósito, para que ele enfrente o soro da morte e dispare o o soro da memória. E isso é estranho, porque eu já sei como essa história acaba. Estamos a poucos metros do objetivo e então surgem os guar... Não, não, não são guardas! É o Tobias!

Tobias está aqui e me olha de forma suplicante, como se eu tivesse que escolher entre ficar com e ele e sacrificar o meu irmão ou deixá-lo para salvar Caleb. Então me ocorre que realmente não sei se teria coragem de tomar o lugar de Caleb se Tobias estivesse aqui.

Corro para os braços de Tobias, minha cabeça descansa no seu peito, meu lugar preferido. Sinto cheiro de vento, suor e cheiro de Tobias. E por um instante esqueço do mundo a minha volta, estou segura. Então Caleb exige minha atenção:" _ Beatrice, não temos muito tempo, preciso de você para armar os explosivos." - Me afasto de Tobias, ele põe as duas mãos em concha em volta do meu rosto, seus olhos suplicantes fitam os meus com tanta intensidade, então ele encosta a testa na minha diminuindo ainda mais a nossa distância e diz.: "_ Não me deixe, eu preciso de você! Se você morrer eu não sobrevivo!" - Uma lágrima escapa dos meus olhos, eu sei o que devo fazer. E o farei. Dou um último abraço em Tobias, e o beijo violentamente, como se estivesse beijando-o por toda a vida, por todos os beijos que não poderei lhe dar novamente. Meu coração mais uma vez despedaçado sangra. Mas estou resoluta, tiro suas mãos do meu rosto, me afasto, corro em direção ao Caleb, paro por um instante, me viro em sua direção e digo: _ Tobias, eu te amo muito! E vou encontrar um jeito de voltar para você" - Puxo Caleb pelo braço e corremos em direção ao nosso objetivo. De repente Caleb não está mais comigo, olho em volta e tudo mudou.

Estou deitada sobre o metal frio, tento me mover, mas não consigo. Meus olhos estão abertos, mas não condigo movê-los só consigo fitar o teto, uma luz azul brilhante impera e não consigo ver nada além dela, então o rosto de Tobias entra no meu campo de visão, seus olhos estão inchados e vermelhos de tanto chorar. Ele acaricia meu rosto e não sinto seu toque irradiando calor para o meu corpo como de costume, não sinto nada. Ele está aos soluços chorando debruçado sobre o meu corpo e eu não o sinto! Quero gritar: Olhe para mim! Estou aqui! Mas não posso, meus lábios não se movem, não encontro minha voz. Então outra pessoa entra no meu campo de visão, é Christina. Ela também está chorando, acaricia de leve meus cabelos e eu não sinto nada, absolutamente nada. Então delicadamente ela deslisa a mão sobre meus olhos e fecha minhas pálpebras!

Estou morta! Estou morta! Eu choro e grito mas meu corpo não exprime reação. Estou perdida no meu próprio desespero, ouvindo o choro daqueles que amo. Então uma fraca e quase imperceptível voz soa na minha mente: Isso é uma simulação. Então mais uma vez eu repito a frase para mim mesma, como um mantra. Os murmúrios de sofrimento ao meu redor se calam. Eu abro os olhos e estou de volta a sala de simulação com Wes, meu rosto coberto por lágrimas, meus olhos estão ardendo.

Percebo o olhar complacente de Wes. Ele se comoveu com os meus medos. Tobias estava em todos menos um. Então percebo que meu maior medo está ligado ao seu sofrimento. Não consigo segurar o choro, as lágrimas fluem dos meus olhos. Tobias, tudo que consigo pensar é no seu sofrimento, na dor que está sentindo agora, como se no lugar onde seu coração deveria estar, existe apenas um grande buraco negro, pulsando e emanando dor para toda parte. Eu sei como ele se sente, pois é exatamente assim como me sinto.

_ Beatrice, está tudo bem. Você está viva! - Ele fala tentando me acalmar, enquanto me entrega uma caixa de lenços de papel.

_ Então você não entendeu nada! Que droga de cientista é você? Seu raciocínio não deveria ser rápido e preciso? - Digo entre lágrimas e soluços.

_ Desculpe, sei que você está sofrendo. Eu não deveria ter. Eu, sinto muito ele diz. - Ele parece estar se desculpando e de certa forma isso faz com que minha raiva diminua.

_ Você não entende. Meus piores medos, todos eles, tem haver com o sofrimento das pessoas que amo. Sofrimento que eu causei por acreditarem que estou morta. - E quando termino de dizer a última palavra meu choro se torna ainda mais violento e meu peito treme.

Ele se aproxima e segura as minhas mãos. Olha nos meus olhos e diz.

_ Você é ainda melhor do que eu pensava. - Ele fala carinhosamente, não como se fizesse referencia a mim como um bom experimento. Ele acredita que sou uma pessoa boa.

_ Como você pode dizer isso? Se cada decisão que tomo fere aqueles que amo? - Não sei mais quem eu sou, nem no que eu acredito, sou apenas dor, somente dor.

_ Tris, você não teve escolha. Eu tive, me desculpe, eu deveria ter buscado outra alternativa. Me desculpe. Eu sinto muito. - Ele diz as palavras com evidente sofrimento na voz, mas não faço ideia do que ele está falando. Que escolha ele teve?

_ Do que você está falando? - Eu digo, e liberto as minhas mãos e fico na defensiva.

_ Quando chegamos ao Departamento, resgatamos você, imediatamente a minha equipe cuidou de você, estabilizou o seu quadro. Eu estava pronto para deixá-la no hospital do departamento, sob os cuidados de alguns médicos da minha equipe que eu mesmo elegi para ficar e cuidar de você e de quem mais precisasse. Então recebi uma ligação. O presidente exigia que matássemos você e todos os seus cúmplices. Chicago deveria ser reinicializada, e aqueles que não fossem atingidos pelo soro da memória deveriam ser mortos. Eu não tive muito tempo para pensar, a primeira coisa que me veio a mente foi negociar, conheço o presidente sei quais são suas motivações, seus anseios. Então eu lhe disse: _ Ela é um caso raro, único, em todos os meus anos de pesquisa não encontrei ninguém igual a ela. Se pudéssemos estudar o funcionamento do seu cérebro, suas reações, suas motivações, o que inibe a reação aos soros, você viu como ela conseguiu resistir ao soro da morte. Poderemos criar um antídoto contra insubordinação capaz de controlar qualquer divergente. Você realmente está disposto a por nossa pesquisa em risco, teríamos que partir do zero. - Eu o convenci do seu valor Beatrice, mas havia outro problema, a cidade, os seus amigos, que argumento poderia usar? O único argumento que tinha não era o melhor, mas era o único que eu tinha; _ E quanto a cidade, não vejo porque deveríamos reiniciá-los, eles estabeleceram a paz, negociaram amistosamente, o que foi um importante avanço em vista das reações dos outros experimentos quando expostos ao caos. Precisamos deixá-los por sua conta para que possamos estudar seu comportamento da qui para frente, temos que descobrir se esta paz será ou não perene. - Eu disse da forma mais segura que pude. e então o presidente disse." _ Wes, eles não abrirão mão da garota, você sabe." então sentenciei: _ Eles não terão escolha, ela estará morta para ele. Eu posso fazer isso. "_ Tem minha permissão." - Foi tudo o que ele disse e depois deligou o telefone.

Eu ainda estou confusa, as lágrimas secaram no meus rosto, estou tentando compreender. Wes salvou a mim e a cidade. Wes salvou o Tobias. E por quê? Não consigo imaginar. As palavras dele ecoam na minha cabeça: "Eles não terão escolha, ela estará morta para eles".


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