Félix dirigia pela rodovia de volta para São Paulo. Todos dormiam.

“Quatro horas da tarde...quatro horas...eu havia dito para sairmos por volta de dez da manhã e o Carneirinho com as adoráveis criaturinhas só atrasou cinco horas...Como pode? E ele ainda ficou reclamando que eu não o ajudei com as crianças, que a Adriana estava se esforçando e blablablá. Eu devo ser muito competente mesmo...para ele insistir na minha ajuda...mas não queria ajudar hoje...queria na verdade que eles atrasassem tanto que quem sabe desistissem de voltar para São Paulo...”

“Preciso falar pro Carneirinho parar de me levar no cinema para ver comédia romântica...Daqui a pouco eu vou acreditar em final feliz...Eu nunca acreditei nisso...Ah Felix Khoury...Você não deveria tê-los convidado para viajar...Como será agora, sem eles?”

“Eu nunca liguei se a Edith dormia ao meu lado ou não. Eu nunca fiz questão de dormir com o Anjinho depois que o visitava. Era até um alívio não ter ninguém ao meu lado acho eu. Nunca quis nada disso mas o nunca durou muito pouco...Reclamei tanto deles só pra me convencer que aqueles esses últimos dias foram os melhores que tive em anos..Isso sim é o apocalipse.”

“Pena que o Niko não parou de cozinhar e ficar cuidando das crianças por um minuto, até parecia que era a Adriana a mãe e ele a babá. Se ele era a babá porque não cuidou de mim como eu queria, todo o tempo...Coitadinhos, eles são tão pequenos pra entender isso. Um dia eu me vingo, deixa o Jayminho arrumar uma namoradinha, não vou largar do pé dele...”. Risos.

“Chega de vingança, ah, mas acho que essa não faria muito mal, pelo menos o Jayminho ia ter idéia de como me senti esses dias. Da próxima vez convido só o Niko para viajar.Só o Niko...A mami ria gostar dessa euforia toda por um final de semana...só preciso convencer o Carneirinho aqui do lado que iria ser um ótimo passeio também...”

“Acho que a noite de ontem o esgotou, mal entrou no carro e dormiu. Melhor, melhor que ficar comendo do meu lado...Como pode comer tanto e ainda ser irônico comigo, estou fazendo mal pra ele...”

“Sim, ele sabe que mexeu comigo, também, eu não almoçava direito bravo porque ele não parava quieto e no meio da tarde quando ia procurar algo pra comer, lá estava ele comendo bananas! E nem pra comê-las longe de mim.Ria e comia e ainda perguntava se eu não queria só pra me provocar... Devo ter vendido o vinho do cálice sagrado, ele ainda dizia que a maldade estava na minha cabeça...O problema são os olhos...dele...Não as minhas intenções...”

“Eu já não sei se consigo ficar longe dele...Eu não sei mais nada...Até das crianças já estou sentindo falta...ele então, porque tenho tanto medo de sofrer por uma ausência que ainda nem aconteceu...? Mas eu vou conseguir, eu tenho quê...Meu papi seria capaz de infartar se soubesse, eu sei que é mais forte que eu. Sempre foi.”

“Não, não é só o sexo, nunca foi só isso.Eu nunca procurei o sexo na verdade. Eu já me contentava com a companhia dele, com ele me ouvir..Com a preocupação dele em cozinhar pra mim..Bom, poderia parar de cozinhar um pouco...Só alguém pra gostar muito de mim pra me aguentar...É claro que ele gosta...Eu também...Eu sou um idiota...Quantas oportunidades eu já perdi de dizer isso pra ele. Só alguém apaixonado pra aguentar isso.E acordar ao meu lado com o melhor sorriso de bom dia que alguém poderia merecer...”

Ele se virou para olhar Niko dormindo rapidamente, ainda tinha muita estrada pela frente.

“Se eu sugerisse viajar de avião iria ser muito pior, nunca vamos conseguir chegar no horário do voo nesse ritmo...Meu Deus, ele gosta de mim, de verdade, quantas vezes eu vou ter que repetir isso pra eu acreditar? ...Posso deixar as crianças com a Mami Poderosa...Não Félix, não, ele não vai querer e ainda vai fazer cara de coitado porque vai dizer que eu não quero os filhos dele...Não é verdade...Eu esperei tanto por alguém como ele...e já ter que sair assim dividindo...Apocalipse total.”

“Ele me tira do sério...eu nunca mais quero ver ele comendo nada, especialmente banana...Na hora de sair vem fazer gracinha só porque não tinha ninguém na cozinha. Qualquer hora ele vai se arrepender...ou não...quem sabe ele não gosta mais da pessoa aqui, bonito, elegante e cuidadoso com ele, só eu mesmo. Como pôde ficar tanto tempo com a lacraia? Dos males o menor, acho que não deixo nada devendo em relação a lacraia...Antes o Niko não reclamava tanto de cansaçõ como agora...” Risos.

– Amor, onde estamos? – Ele despertou meio perdido tentando entender algo,

– Voltando pro inferno! – As palavras eram duras, mas somente daquela maneira ele conseguia expressar quanto era difícil voltar pra vida normal.

– Félix, olha as crianças! A Adriana... São Paulo é legal. Eu gosto mais de morar em São Paulo do que na cidadezinha dos meus pais. Você reclama mas nunca morou em outro lugar. Como pode reclamar tanto?! Quer que eu dirija?

– Eu quero chegar logo...Não tem como fugir, não é? Faz assim, quando chegarmos na Dutra eu entro na na rodovia Ayrton Senna, lá não tem caminhões e lá você pode dirigir, não tem erro. Por hora pode voltar a dormir. Vamos ter que parar quando algum deles acordar aí atrás mesmo....

“Melhor fechar os olhos, mesmo que eu não durma...Se eu não gostasse tanto dele como já gosto, ah, já teria desistido...Tem horas que eu me pergunto o que ele quer afinal? Por mim ele já moraria junto comigo, não somos adolescentes pra ter que namorar anos até terminar os estudos, trabalhar e etc, etc...Ele briga, reclama, implica...Como pode ser tão mal-acostumado...Isso porque já me disse várias vezes que a passagem na casa da Márcia o modificou muito..Imagina se não tivesse?”

– Niko, você está dando risada dormindo?

– Não Félix, só lembrei de algo engraçado...Eu estou tentando pegar no sono de novo...Dirige aí.

“Viu? Nem rir eu posso, imagina se ele soubesse do que eu estava rindo? Era capaz de fazer eu ir até São Paulo a pé...Acho que não...Acho que sim...O que eu acho mesmo é que vai ser difícil essa volta pra São Paulo...Vou sentir falta daquele braço a noite me segurando pra dormir...Bom ele me segura e solta várias vezes reclamando que estou pesado...Depois se arrepende e volta...Eu queria que ele ficasse de vez lá em casa, ele diz que o pai não aceitaria...Será ? Se o resto da família já aceitou e me trata tão bem, quem sabe? Talvez uma temporada...Não, temporada não. Ele se muda pra casa e o pai vem junto, pronto, pensei! Aposto que os meninos iam ajudar nisso, quem não gosta de casa com crianças? Bom, o Félix talvez...Acho que ele não sabia muito bem como era ter dois filhos pequenos pra cuidar num passeio....”. Risos.

– Carneirinho, o que você tanto ri de olhos fechados? Posso dar risada também?

– Ai Félix, presta atenção no trânsito, não em mim! Deixa eu tentar cochilar. Falando assim até vai acordar as crianças... – Niko falava tudo com os olhos fechados, tinha certeza que se os abrisse seria inevitável: Félix iria insistir para saber o que ele estava pensando.

“Desculpa Félix, mas eu já tenho um pacote família completo...Não tem como devolver e nem eu iria aceitar algo sem eles agora...Você também tem seu pai...eu aguento... vamos tentar todos juntos...”. Ele adormeceu.

Algumas paradas depois, finalmente estavam de volta à casa de Niko. Félix decidiu jantar na casa de seu Carneirinho para descansar um pouco e chegar o mais tarde possível na mansão. Queria evitar que César estragasse sua noite, pela manhã já saberia que não haveria como fugir.

“Até o Jayminho dormir eu já vou estar dormindo aqui na sala...Deveria ter deixado ele dirigir, mas seria pior...tem horas que o Niko parece uma...Não ele é...Uma tiazinha ao volante!...Aqui em São Paulo quase todos os carros o ultrapassam, imagina numa rodovia? Deixa pra lá. Como eu faço pra me despedir dele agora?”

“Ah mami, espero que seus super poderes não incluam escutar meus pensamentos...Eu não quero ir pra casa...Perdeu o sentido ficar lá...Eu quero uma vida nova com o Carneirinho, com essas crianças lindas (e uma babá junto...). Eu sempre penso isso, mas o que eu faço? Nada...Mas se eu estou tendo uma chance de recomeçar, só pode ser com esse homem...Nada além dele faz mais sentido pra mim...Por que meu pai não pode aceitar isso? Quando ele diz que vai me deserdar se descobrir que eu tenho um homem e não uma mulher...Eu não me importo...Só me assusta a idéia que ele possa nunca mais falar comigo...Eu não sei se conseguiria abrir mão dele pelo Niko e sei que ele entenderia pois ele também não deixaria nenhum dosmeninos por minha causa...Hoje eu entendo como eu tratei mal o Jonathan grande parte da vida e ainda assim ele nunca me abandonou...Nem quando a Edith disse que ele não era meu...É tão assustador ter que pensar na possiblidade de escolher entre um e outro...”

“Eu quero ficar aqui essa noite, se ele não falar nada eu falo”

“Eu quero que ele fique aqui essa noite, se ele quiser ir embora, eu não vou permitir...Só não sei como ainda...Dorme Fabrício, ajuda o papai hoje....”

– Pronto, todo mundo descansando! Quer comer algo? Um chá? – Aquela voz a oferecer comida era tão comum agora.

– Ai Niko, você ultimamente só fala em comida...Fico até nervoso...Pensa que eu esqueci hoje você na cozinha? – Ele até ajeitou uma das sombrancelhas para continuar. - Eu te acompanho antes de sair, mas pode ser um café? Acho que preciso de um café...Estou quadrado de tanto dirigir hoje...Olha, até para levantar daqui está difícil.

Quando Niko estendeu a mão para puxar Félix da poltrona, ele nem deu tempo do moreno se levantar direito. Um beijo e outro, e outro:

– Obrigado pelo passeio. Você não sabe o bem que me fez. – Niko tentava disfarçar, mas já tinha ficado sem fôlego.

– Eu espero que você queira mais passeios como ess...

Mas antes que terminasse a frase, Niko já o estava beijando novamente. Não foi preciso insistir, Félix se deixou levar para o quarto e lá ficaram até amanhecer. Eles já sabiam que cada noite era um tormento se estivessem separados. Ainda era uma tormenta.