Um Outro Lado da Meia-Noite escrita por Gato Cinza


Capítulo 27
Rainha das sombras




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Abri os olhos fitando o teto de madeira, girei a cabeça de um lado para o outro, havia uma mesa pequena com um jarro e uma caneca de barro, uma janela aberta, um tapete vermelho no meio do caminho até a porta, onde se deitava alguém que eu conhecia. Sentei-me sentindo o quarto girando e ouvi vozes do lado de fora da casa, vozes e risadas de crianças. Ia sair do quarto, mas o lobo com cara de raposa se levantou ficando no meu caminho.

– Virei prisioneira agora? Deixe-me passar ou farei um tapete com pele de lobo.

– Não o culpe – disse Dylan me olhando com seus olhos alaranjado-brilhantes da sacada – Dei ordens á Marte para não te deixar sair do quarto.

Mil ameaças passaram por minha cabeça, mas naquele momento ainda precisava do bruxo maligno. Ignorando a vontade de empurra-lo janela abaixo, me aproximei. Vi algumas crianças correndo de um lado para o outro enquanto cantarolavam e faziam caretas para um garoto com olhos vendados.

– Onde estamos? – perguntei

– Na casa de Noah, em Esferah, uma aldeia de bruxos das trevas em um lugar que equivale à Irlanda no mundo-mágico.

Imaginei que fosse.

– Que horas são?

– Primeira hora da tarde. Você passou as últimas oito horas, inconsciente. Esperava que acordasse para te levar para casa novamente.

Estava no mundo-mágico, se voltássemos para o Outro Mundo logo eu seria um gato doméstico. Precisava conversar com ele e preferia fazer isso em forma humana em vez de parecer um inofensivo gato cinza.

– Acho que nunca senti tanto medo quanto senti ao ver aquelas pessoas – informei cruzando os braços – Tão... Terríveis, tenebrosos, assustadores...

– É meus familiares causam essa impressão nas pessoas, mesmo.

Impressão? Achar que ele é um lunático perigoso é uma impressão. O que a família dele me causou não foi uma péssima primeira impressão, foi pior.

– Valentine e Imogen não me assustam, gosto delas. Mesmo que causem tanta confusão.

Dylan encostou-se à grade de proteção da sacada, se virando para mim.

– Já desfiz a confusão que Imogen causou. Aliás, por que não explicou á ela que você é irmã do noivo de Valentine?

– Ela tirou conclusões precipitadas sem fazer perguntas e confesso que fiquei curiosa para saber o que Imogen faria quando não viesse para a tal reunião e descobrisse que raptou a pessoa errada.

– Achou mesmo que ia te deixar com eles? Prometi que ia te ajudar, o que inclui te salvar dos seus erros.

Meus erros?

MEUS ERROS? Zombas de mim por ser idiota ou o é apenas pelo prazer em me deixar irritada? Sei me cuidar muito bem sem sua ajuda, senhor Walker.

– É mesmo, “senhorinha Leemyar”, o que faria se eu não tivesse vindo? Entrar em pânico e desmaiar ia te ajudar como?

– Não desmaiei por vontade própria, aquelas pessoas... – suspirei antes de perder o resto do o bom senso que me restava – Obrigado por ter vindo.

– Veja só, ela sabe agradecer também – disse irônico.

E toda minha boa vontade em ser gentil e prestativa enquanto precisava de sua ajuda, foi embora. Olhei para a grade de proteção onde ele se apoiava e resolvi que Dylan podia morrer naquele momento, ordenei:

– Visível aos olhos, invisível ao toque. Desapareça.

O que eu fiz? Estendi a mão á tempo de agarrar a mão de Dylan. Fazer a grade desaparecer não foi nada legal.

– Você é louca? – reclamou Dylan ainda com metade do corpo para fora da sacada

– Chamar uma louca de louca quando se está em tal situação não é um ato sensato – falei o deixando cair.

Céus sou uma pessoa terrível, joguei um homem pela janela, como se nunca tivesse feito nada pior. Não sei por que insanidade, mas achei esse fato hilário. Comecei a rir sentindo-me mais anormal que nunca, me virei para o quarto e aquele lobo feioso, Marte, estava parado na minha frente rosando, os dentes afiados pareciam perigosos.

– Ah! Não me ameace com esses seus dentes lupinos. Com a sorte que tenho, ele não deve ter quebrado nem uma unha e logo estará aqui fazendo ameaças e acusações.

Perfeito! Agora estou falando com animais. Preciso ter mais contato com pessoas de verdade e não com estranhos que me querem morta. Ignorando Marte – que ainda rosnava como se fosse me atacar – comecei a andar em círculos pelo quarto. Dylan mereceu ser jogado, mas agi errado, terrivelmente errado. E se agora ele não quiser mais me ajudar? Ele disse que era uma promessa, mas nem mesmo um anjo manteria sua palavra se tivesse lidando com um demônio – não que ele seja um Anjo ou eu um demônio. Que burrice á minha, joguei a pouca chance que tinha de encontrar George pela janela. Não que eu me arrependa disso. A porta foi aberta com um leve estrondo que me assuntou, Dylan parecia zangado, muito zangado.

– Você é completamente desequilibrada. Poderia ter me matado. Qual o seu problema?

Dramático.

– Primeiro, tenho um perfeito senso de equilíbrio físico ou espiritual. Segundo, se quisesse te matar não teria te jogado da janela, talvez do telhado. Terceiro, meu único problema aqui, é você.

– Eu sou seu problema? Você me jogou pela janela...

– Queria que te trancasse no armário?

– Que?! – ele ficou confuso

– Problemas não resolvidos não podem ocupar espaço... Ah! deixa isso prá-la. E nem se machucou.

– Que bom, não me machuquei. Deixe-me jogá-la agora pela janela...

Alguém nos interrompeu, dizendo algo em irlandês, eram Imogen e mais uma pessoa. Dylan responde á seja lá o que Imogen falara, em irlandês. Depois me olhou, dizendo:

– Fui jogado.

– Mereceu – resmunguei

– Você é uma psicopata – retorquiu acusador

– E você é um idiota dramático.

– O que está acontecendo aqui? – perguntou o homem de olhos alaranjados que entrara com Imogen, ele parecia severo.

– Nada tio, só mais um ataque de nervos da senhorita Leemyar – não gostei do tom que ele usou para dizer Leemyar, como se fosse um palavrão – Nada que não possamos resolver sozinhos.

O tio de Dylan e Imogen pararam me olhando com certa curiosidade, quase me agarrei ás pernas de Imogen para não ter que ficar sozinha com Dylan, a bruxa me olhou como se eu fosse uma criança prestes á receber um castigo. Quando fecharam a porta, me sentei na cama levando as mãos á cabeça, parecia que meu coração havia trocado de lugar com o cérebro e agora sentia as batidas na cabeça.

– Não vou me desculpar – sussurrei, mais para mim que para ele.

– Por que se desculparia, fui eu quem cai da sacada.

– Não caiu, foi jogado – falei irritada, me arrependendo em seguida – Pode me deixar sozinha, por favor. Só um pouco.

Ele não respondeu. Depois se sentou ao meu lado, não gostei da aproximação, em um tom mais preocupado e menos acusador, perguntou-me:

– Está tudo bem? Ficou pálida de repente.

– Me deixa em paz – pedi – Por favor.

– Como quiser – falou zangado.

Ele saiu deixando o seu “cão de guarda lupino” no quarto. Não era fome o que eu sentia, era outra coisa, uma vontade assustadora de gritar e destruir tudo que estava no meu caminho. Tinha que sair daquela casa, era quase como se as sombras respirassem ali.

Imogen entrou no quarto seguido de uma mulher que trazia um cesto de frutas, ela o deixou na mesa ao lado do jarro de água e se retirou. Imogen sentou-se na cama esperando que eu comece algo, mas não sentia fome. Apenas vazio.

– Dylan ainda está muito zangado? – perguntei sem menor interesse em saber.

– Comigo por tê-la sequestrado ou com você por joga-lo pela janela?

Sorri. Com tanta confusão na minha cabeça me esqueci que eu havia sido sequestrada por aquela doida. Fiz outra pergunta, ignorando a pergunta-resposta dela.

– Ele sempre foi assim tão insuportável ou é a velhice?

Imogen riu.

– Didi não é tão velho quanto aparenta, ele tem apenas 24 anos. Mas é ranzinza como um velho. E não, ele nem sempre foi assim. Dylan era adorável quando criança. Mas se tornou frio e indiferente depois que Valentine perdeu a visão.

Eu não devia perguntar, mas o assunto me interessava, mais por curiosidade que por qualquer outra coisa.

– Ela não nasceu cega?

– Não. Valentine era uma talentosa bruxa, tão talentosa quanto o irmão. Então sofreu um acidente mágico.

– Que tipo de acidente mágico deixa alguém cego?

– Muitos tipos, mas o que causou cegueira em Valentine foi outra coisa.

Apoiei os cotovelos nos joelhos e o queixo nas mãos como ás crianças quando vão ouvir uma história nova e interessante.

– Não diga á ele que fui eu quem te contei isso, ele não gosta das lembranças. Tia Diana, a mãe de Dylan abriu mão da magia para se casar com Julian Walker uma romântica estupidez em minha opinião, tia Diana ficou doente logo depois que os gêmeos nasceram e Julian resolveu leva-la para outro lugar, longe de nossa horripilante família. Os gêmeos apresentaram traços mágicos desde muito cedo, começando pelos olhos alaranjados de Dylan que tinha que ser mantido em casa até aprender a disfarçar aquilo, mas crianças são curiosas e quanto mais crescia mais queriam aprender, e tia Diana ensinava os princípios da magia em casa para eles, pequenos feitiços e poções coisas simples, até que a curiosidade deles os levou ao grimório de tia Diana. Feitiços poderosos e sombrios dentre eles um que os permitiria possuir o corpo de um animal, os monstrinhos aprenderam usar o feitiço e uma noite quando Julian e tia Diana foram á um jantar de sei-lá-o-que no clube da cidade eles possuíram o corpo dos primeiros animais que acharam uma coruja e um cachorro. Na propriedade da fazenda morava uma família, para todos os efeitos eram um viúvo com seus cinco filhos, uma das quais havia se casado alguns meses antes.

Não! Por favor, não, minha respiração falhou, conheço outra versão desse acontecimento. Não interrompi Imogen, ainda que preferisse que ela sumisse junto com as lembranças daquela noite terrível.

–... Havia uma janela aberta e Valentine desafiou Dylan de entrar na casa e pegar a coisa mais valiosa que ele achasse, Dylan não achou nada então resolveu pegar a garotinha que dormia, uma criança sempre é valiosa e não ia machuca-la, a enfeitiçou para que não despertasse, mas ele não contava com a possibilidade que ela fosse uma bruxa, a garota abriu os olhos, se espantou com ele que devia ter uma aparência monstruosa e gritou o lançando contra a parede. Seu pai e irmão entraram no quarto e tentaram espantar Dylan que reagiu da pior forma possível, atacou o pai da garota. Então Valentine entrou no quarto na forma da coruja que ela possuía no momento em que a menina concentrava algum tipo de magia poderosa que dizimou o corpo dos animais possuídos em cinzas. Quando retornaram aos seus corpos, Valentine gritava com os olhos queimando. Foi assim que ela perdeu a visão.

Fui eu! É por isso que Dylan me odeia, fui eu quem deixou a irmã dele cega. Respirei fundo controlando as lágrimas que turvavam minha visão.

– Não podiam tentar um feitiço para cura-la?

– Talvez. Quando os pais deles chegaram á casa, tia Diana tentara todas ervas que conhecia para amenizar a dor, mas não era a mesma coisa. As noticias chegaram aqui antes deles e os anciões decidiram que Valentine não podia mais conter a magia que possuía, ela recebeu um selo-perpetuo, não deram nem mesmo a chance dela tentar se adaptar á cegueira e continuar sendo bruxa, apenas decidiram e a baniram. Depois que a irmã fora abandonada pela nossa convenção Dylan se rebelou e passou a usar um lado mais tenebroso da magia negra.

– E existe um lado mais tenebroso da magia negra? – perguntei sentindo calafrios

– Invocação de maus espíritos. Sacrifícios humanos. Contratos de sangue. Pactos e alianças com forças obscuras. A lista é grande, Gardênia.

Eu havia deixado Valentine cega, Dylan tinha razão em me detestar e querer que eu sofresse. Será que ela sabe que fui eu? E Narciso? Eles vão se casar, como conviverão com essa informação? Eu só causo problema para as pessoas. Exagero de minha parte. Não fui culpada por tudo, que culpa tenho se Valentine e Dylan foram crianças travessas que gostavam de fazer brincadeiras estúpidas? Não sou responsável por tudo de ruim que acontece ao meu redor, só pelas coisas mais estranhas.

Estremeci sentindo uma segunda presença no quarto, algo... Marte rosnou ficando em pé, me virei para onde ele olhava. No canto do quarto um homem jovem de cabelos ruivos e rosto bonito olhava para mim. Imogen falou com ele em irlandês apontando para a porta em um tom severo, ele apenas riu debochado e se aproximou.

– Não tenho medo do filhote de espectro – respondeu á seja lá o que Imogen disse para ele, depois estendeu a mão para mim – Me chamo Hugo e você?

Ele falava devagar, trocando as letras, como quando se está começando a aprender a falar um dialeto diferente. Escondi minha mão debaixo de minhas pernas. Tinha algo ruim nele e não eram apenas os olhos cinzentos analíticos ou o sorriso falso nos lábios. Era a mesma energia ruim que senti quando entrei com Imogen naquela casa.

– Não gosto de você e se não está aqui para me mandar ir embora da casa, peço que saia deste quarto.

Ele continuou sorrindo me deixando ainda mais nervosa, Dylan possuindo um animal de causava medo, aquele Hugo não precisava usar magia para me assustar. Ele voltou a falar, mas não entendi nada embora ele falasse bem devagar. Não sei o que era, mas não era ele quem estava fazendo aquilo. Era algo mais primitivo, mais poderoso, mais... elemental. Eram eles, as coisas de quem as sombras diziam que não podiam me proteger quando eu era criança. Senti minha garganta se fechando, como se o ar não entrasse em meus pulmões. Precisava sair dali.

– Dylan! – o chamei olhando para Marte – Me tire daqui, por favor.

Imogen disse algo á Hugo que a olhou com raiva e saiu do quarto por onde entrou, atravessando a parede por uma sombra. Ignorei as perguntas de Imogen fiquei em silêncio olhando para Marte que não se movia, meu coração devia ter parado de bater, pois não sentia mais meu próprio corpo. Mal registrei o ruivo entrando no quarto.

– O que aconteceu? – perguntou entrando em meu campo de visão

– Me tire dessa casa, por favor – pedi

– Sem chances, ela nem consegue ficar em pé – disse Imogen me abanando – Ela precisa de um curandeiro.

Segurei o braço de Dylan o usando como apoio para ficar em pé, de fato eu não estava conseguindo me manter em pé, tinha algo me chamando, uma força mais forte que todas as magias que eu já tinha visto ou ouvido falar.

– Deite-se, você não está bem.

– Me leve para o Outro Mundo, por favor, Dylan.

Senti meus pés sendo tirados do chão, registrando que ele estava me carregando nos braços, saímos do quarto e escondi meu rosto no pescoço dele, ouvi Imogen falando algo em tom de advertência, mas não ouvi resposta de Dylan. Ele desceu os degraus com cuidado e mais pessoas se aproximaram falando em seu idioma nativo, a aproximação deles me deixou pior. Enfiei as unhas nas costas de Dylan, não foi por querer, era apenas um ponto de apoio para ter certeza que ainda estava em meu corpo.

– Já estamos chegando, aguente firme – murmurou Dylan em meu ouvido.

Fácil falar, não era ele que estava se esforçado ao máximo para ficar sobre controle e não desmoronar. Todas as fibras de meu corpo gritavam para que eu seguisse em outra direção, ir para onde eu devia estar. Ergui o rosto para ver onde estávamos, vi uma estatua no gramado, as estatuas. Vi também a fachada sombria da casa, havia pessoas nas janelas nos olhando, mas não consegui identificar nenhum dos rostos, então o vi, na janela do andar superior da casa vi o outro ruivo, Hugo. Ele acenou para mim dando um sorriso. Desviei os olhos e me senti... flutuando. Dylan parou de andar.

– Vai embora sem me dizer uma palavra, Dylan?

Olhei para frente. Uma senhora de aparência serena e gentil olhava-nos ao lado de uma estatua de uma árvore com rosto esculpido. A mulher podia ter qualquer idade entre quarenta e oitenta anos, não saberia dizer com exatidão se ela era muito velha para sua aparência ou se parecia muito jovem para sua idade. Tinha cabelos ruivo-grisalhos longos presos em duas tranças grossas que chegavam até os joelhos, era esguia e usava um simples e longo vestido preto de manga longa e gola alta. Mas não era isso que me atraiu atenção, eram seus olhos completamente negros sem sinal de íris ou pupilas, e a energia que emitia. Eu estava diante da guardiã das sombras, a verdadeira. Escolhida pelas sombras para agir como uma rainha suprema das trevas, sem ela haveria desordem entre o mundo material e o espiritual, nosso mundo, o da magia entraria em colapso e as trevas dominariam tudo.

– Senhora Devlin – cumprimentou Dylan fazendo uma ligeira reverencia – Alegro-me em vê-la bem.

– Alegra-me vê-lo depois de tanto tempo tentando renegar á sua origem, menino. E é sempre bom ver um rosto novo em nossa família.

Essa última parte ela disse para mim, me senti uma estúpida sendo carregada naquele momento. Pedi á Dylan que me colocasse no chão e percebi que mal conseguia me manter em pé ainda, ele me segurou pela cintura me equilibrando.

– Uma bruxa Belaya – disse a rainha me fazendo sentir calafrios, ela sabia quem eu era – Já havia perdido as esperanças de conhecê-la, criança.

Segurei a mão de Dylan que estava em minha cintura, ela sabia quem eu era. Isso não era bom.

– Temos que ir Minha Senhora. Ela não está se sentindo bem – informou Dylan estendendo a mão livre para a estátua de árvore

– Um momento, Dylan. Preciso conversar com esta jovem.

Dylan nos olhou com ar preocupado. Não tinha outra escolha, ela sabia quem eu era.

– Tudo bem, acho que não há problema em conversar com essa senhora.

Apoiei-me no braço direito dela, caminhamos até o chafariz que não ficava á mais de cinco passos de Dylan. Olhei para ele que parecia mais preocupado com a situação que eu mesma, aliás, não havia motivos para estar preocupada, agora entendia por que de repente me senti tão mal. Era a presença dela me chamando para meu lugar de direito.

– Não se preocupe com Dylan, ele não pode nos ouvir – garantiu-me – O que faz aqui?

– Me trouxeram para que pudessem fazer com que Dylan viesse á reunião da convenção. Mas agora ele precisa me levar de volta, não posso ficar no mesmo ambiente que a senhora. Sabe disso.

– Sei Morticia Belaya. Há anos que desejava ter uma oportunidade de ir á Itália para encontra-la, mas os acasos do destino não me permitiram.

Suspirei profundamente e disse de uma vez só:

– Não pretendo me tornar uma rainha se for esse o motivo por qual desejava me encontrar. Renunciei ás sombras quando era uma criança e mesmo que não tivesse o feito nunca aceitaria o que me ofereceram. Agora realmente preciso voltar para o Outro Mundo, antes que alguém perceba minha natureza elemental.

– Uma última pergunta antes de partir, criança – a fitei na imensidão sombria que eram seus olhos – Meu descendente, sabe quem você é?

Ela dirigiu um rápido olhar para Dylan, ele era descendente dela?

– Dylan sabe o que precisa saber. Para ele sou apenas uma bruxa Belaya que cometeu alguns crimes e precisa de ajuda. Para o bem dele é melhor ele continuar pensando assim.

O rosto dela se enrugou quando sorriu, deu dois tapinhas suaves no dorso de minha mão como se fosse me dar um conselho.

– As sombras levam centenas de anos para escolherem a rainha guardiã, em todo mundo você foi escolhida. Suas decisões não interferem apenas nas vidas de quem você conhece, interfere em todo mundo mágico ou não. Repense suas escolhas, majestade.

– Não me chame disso, sou apenas uma bruxa comum. Não posso ser guardiã das sombras e não o serei.

– É uma rainha quer goste ou não. Cedo ou tarde terá que assumir seu papel no mundo.

– Para que? Viver os próximos cem ou duzentos anos vendo as pessoas morrerem até que a nova rainha nasça e aceite assumir essa maldição perene? – arrependimento, eu e minha boca grande que fala antes que eu possa pensar. – Lamento, mas não posso viver o que a senhora viveu. Não nasci para reinar.

Dei um beijo na testa dela e voltei para junto de Dylan. Aquele dia precisava acabar logo por que já tinha ido de mau á pior e eu não tinha mais forças para manter-me sã.

– O que ela queria? – perguntou Dylan quando me aproximei

– Me lembrar de que não pertenço ao mundo das trevas. Mas você pertence, Dylan e precisa participar dessa reunião de sua convenção.

Ignorei o olhar zangado do ruivo, entendo o fato dele não gostar da própria família uma vez que eles abandonaram sua irmã quando ela tanto precisava deles, mas...

– Imagino que seja importante sua participação para Imogen se arriscar em me trazer para cá.

E também eu queria ficar sozinha, precisava assimilar as informações recentes sobre Valentine, Dylan e... eu mesma. Pedi ao ruivo para me mostrar como aquela coisa de transporte funcionava, ele disse que era apenas tocar na estatua de Bilé – a árvore com rosto esculpido – que eu seria transportada para a casa dele. Olhei pela última vez para a guardiã das sombras e voltei para o mundo humano.

Assim que pisei do outro lado minha aparência mudou, por alguns instantes havia me esquecido que ainda estava amaldiçoada. Mas foi-me melhor assim, na forma de gato chamo bem menos atenção me esgueirando pelos cantos ou me escondendo debaixo de moveis. Minha mente vagava por entre tudo que me aconteceu naquele dia, desde que acordei na casa de Dylan ansiosa para começar a fazer perguntas sobre minha família, ele parecia saber bastante coisa sobre eles, depois fui raptada por Imogen que acabou se revelando uma excelente pessoa, então tudo ficou ruim. Desmaiei diante daqueles bruxos das trevas, derrubei Dylan da sacada, descobri que fui eu quem cegou Valentine, conheci aquela coisa maligna chamada Hugo. Entrei em colapso e por fim conheci a atual rainha das sombras á quem eu devia ter substituído á alguns anos se não tivesse renunciado as trevas. Dylan. Ele era descendente da rainha das sombras, isso fazia dele o que? Um príncipe? Era disso que as sombras falavam quando se refiram á ele ser como eu? Um herdeiro das sombras. Com a diferença que ele nasceu príncipe e nunca assumiria nenhum reino enquanto eu fui escolhida pelas sombras para assumir o poder da escuridão.


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