Dear Angel escrita por Vee Skye Bancroft


Capítulo 2
Capítulo 1 — Renda-se


Notas iniciais do capítulo

Pessoal, desculpem a demora! Estava em semana de provas e foi uma loucura terminar esse capítulo, porque eu não estou tão acostumada a escrever muito de uma única vez, mas acho que consegui. Se tiver algum erro me avise, por favor, pois quem faz a correção sou eu mesma, então pode ter algo como erros de digitação e etc. Boa leitura! Gadreel!!!



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Eram aproximadamente cinco horas da manhã. O sino da velha igreja desbotada e coberta por liquens, já havia tocado as badaladas e boa parte das crianças estava de pé. Mas Tracey não era uma criança. O seu horário era quando se escutasse seis badaladas.

O tempo parecia passar muito rápido. Mal havia escutado o primeiro toque, e lá vinha o segundo de seis batidas, junto aos raios de sol que invadiram o deprimente espaço do quarto dela. Revelou as paredes esbranquiçadas repletas de mofo nas bordas, por conta da grande umidade que fazia ali. Chover era pouco a tal ponto. Todo dia caía um grande turbilhão de gotas do céu, disputando os espaços vazios para atingir os objetos e pessoas desprevenidos.

Uma brisa gélida balançou as cortinas nada brancas — mas sim amareladas —, e fez com que as mesmas roçassem no rosto levemente bronzeado dela, lhe causando cócegas no nariz. Ela por fim ergueu o tronco, parando em um estado estático, onde tudo aos seus olhos era indiscernível. Separar as pálpebras era uma missão difícil, visto que não dormira nada na última noite, fazendo uma pesquisa sobre o seu passado — na verdade, durante todo o fim de semana ela ficara acordada até o cheiro de orvalho inundar os seus pulmões com o ar da madrugada — e nenhum progresso até agora.

Sua perna esquerda encontrava-se fora do edredom bege que ela mesma comprara. Começou a acariciá-la, dando atenção notável a sua coxa, pois estava com cãibra há alguns dias. Movia o corpo de forma lenta, dolorosa e preguiçosa, tombando a cabeça no travesseiro quando se rendia ao sono, contudo, a sua consciência era tão perturbadora que lhe fazia saltar mesmo ao menor pender ao descanso desnecessariamente necessário. E, claro, havia Bo também.

— Tracey! — gritava a jovem freira.

Ao imaginar uma “irmã”, você tem a visão de alguém desgastado, sem brilho e completamente dedicado ao senhor seu Deus. Mas Boammie — ou Bo —, parecia ter uma conexão tão milenar, que saberia exatamente o que Ele pensaria sobre toda e qualquer coisa. Era extravagante e divertida, diferentemente das demais; Se utilizava de camisolas bem arejadas quando ia dormir e costumava não deixar os cabelos presos, mas sim ao ar livre, trazendo mais brilho ao mundo. O mais alarmante de fato, era que ela estava conservada, com os mesmos traços desde que a garota se lembrava por gente. Corpo esguio e repleto de belas curvas — que davam inveja as mais santas das santas —, pele clara e fina, com o rosto também em um alto nível de perfeição, de bochechas altamente rosadas. Bem como um anjo.

— Oi, Bo! — retrucou, arrastando a voz. — Já estou parcialmente pronta. — disse penteando os cachos com seus próprios dedos.

— Ah, é mesmo? — a duvida em sua voz era tão aparente que chegava a irritar.

Bo apareceu frente à porta, abrindo-a de supetão, fazendo com que uma rajada de luz invadisse o quarto sem aviso prévio. Nessa ação, revelou-se o lado de fora dali, que dava direto ao corredor de madeira, que junto das antigas colunas dóricas, cercavam o que um dia já fora um peristilo — ou seja, mais precisamente uma fonte —, era quase como uma clareira em meio à floresta, pois toda a luminosidade entrava no centro, onde ficava a fonte, já que não havia teto naquele local. O objeto que um dia fizera derramar água, estava coberto de musgos esverdeados e parecia mais velho até do que a própria igreja, que estava toda rachada ainda por cima.

— Então por que você ainda está de pijama? — perguntou ela, adentrando sem permissão.

— Quando eu disse parcialmente pronta, já estava penteando meus cabelos. — mesmo que com os dedos — Isso conta. Certo? — aguçou a voz no “Certo?”, provocando-a.

Finalmente descolando o traseiro do acolchoado, ela levantou-se, alongando os braços e costas, depois relaxando como se o cansaço houvesse aumentado. A loira a tal ponto, já estava colocando as roupas de Tracey sobre a cama, para que vestisse no dia de hoje.

— Termine de se vestir. Agora. — semicerrou os olhos, fuzilando-a.

— Tudo bem, tudo bem! — ergueu ambas as mãos, se rendendo. — Louis disse que viria para me acompanhar. Avise a mim quando ele chegar. — disse concentrada nas roupas, fazendo uma careta, devida ao mal gosto de Bo.

Ah, é claro que ela usaria algo como aquilo. Um vestido todo floral, em tonalidades azuis bem claras, com um laço branco ridículo que marcava a cintura. Uma meia, bem esquisita, que vinha até a canela, e um sapato fechado de cor preta. Ridículo.

Começou a atirar várias peças ao chão, desde blusas, até calças e shorts. Estava um pouco frio, apesar da intensidade com que o sol lhe cegara no dia de hoje. Sendo assim, ela incansavelmente abriu caminho ao maior moletom que tinha no guarda-roupa surrado; Ele era de um tecido preto bem fosco e estava bem gasto, mas Tracey simplesmente o adorava.

Ainda antes de colocar a roupa de frio, escolheu uma camiseta qualquer e vestiu-a. Pegou uma calça jeans que ela mesma rasgara na região da perna — porque antes de cair um tombo e um grande buraco ter surgido, era sim uma calça normal —, calçou os velhos All Stars de sempre e caminhou até o refeitório, para pegar uma maçã.

Quando retornava ao quarto em busca de sua bolsa, ela passava os olhos nas mensagens de texto que havia recebido enquanto estava apagada. Foi surpreendida com uma repentina, do próprio Louis, lhe dizendo que estava na frente da “casa” dela. Então ela cravou uma mordida na fruta e apanhou o objeto que buscava, deixando o celular dentro do bolso do moletom e saiu correndo em ziguezague pelo corredor quadrado.

Faltavam apenas alguns passos e ela estaria na calçada, mas Bo parou-a no meio do caminho, com aquele olhar preocupado, de quem suspeita de algo ou alguém que lhe pode fazer mal.

— Você sabe o que penso daquele garoto. — docemente recitou cada palavra.

— E, você sabe que ele é meu melhor amigo. — pousou as mãos na cintura. — Ele foi o único que me apoiou nos meus primeiros meses naquela escola insuportável, e só por ter feito isso, eu já não poderia abandoná-lo mais. — segurava a alça de sua bolsa, pedindo com a linguagem corporal uma passagem para fora dali.

Mesmo que em seus olhos, a fúria estivesse estampada e, reluzisse de uma forma assustadora, Bo apenas deu um longo suspiro cansado e deixou que ela passasse pela porta. Tracey lhe agradeceu mostrando a língua.

Por fim ela estava do lado de fora do estabelecimento, onde a grama lhe faria afundar um pouco, por causa de seu tamanho — já que há muito não era aparada —, e a lama não ajudava nada. Havia folhas e mais folhas por onde quer que fosse. Na própria calçada se localizavam no mínimo cem, todas em tons degradê, que iam do laranja até o marrom, geralmente na última tonalidade, elas estavam prontas para quebrarem sob seus pés. Era outono e as árvores já começavam a adquirir características caducifólias

Ela caminhou sobre a trilha que levava até a calçada, pulando em cima das folhas, para ouvir o seu suave trincar. Louis a tudo observava bem atento, deixando um sorriso bem espalhado pelos lábios levemente carnudos. Ele tinha uma magnitude surpreendente, conseguia fazer até o pior dos seres simpatizar com o mesmo. Os dentes bem brancos entravam em contraste com a pele morena dele, deixando tudo mais colorido só de visualizá-lo.

Isso apenas incentivava Tracey a continuar com as gracinhas infantis de sempre, mas ele nunca a recriminou. Gostava desse lado da amiga, tanto quanto gostava dos outros. Quando chegou perto dele, se jogou em um abraço. Louis passou seus braços de músculos abrangentes envolta da cintura dela, e os da mesma, se localizavam no pescoço dele. Nada mais que uma amizade verdadeira para começar bem o dia.

Ele passou um braço sobre os ombros de Tracey, e ela respondeu passando um pela cintura dele. Assim foram caminhando calmamente pelas calçadas do bairro.

— Sabia que todos os dias, o primeiro sorriso que vejo, é o seu? — perguntou ela, fazendo mais uma amostra de felicidade dançar no rosto dele.

— Sério? Sinto-me honrado. — fez uma pequena reverência, e dessa vez ela esboçou um sorriso. — A tal Bo me odeia mesmo, não? — a naturalidade em sua voz, assustou-lhe um pouco.

— Relaxa. Ela só não te conhece bem o suficiente. — consolava o mesmo, que por um momento ficou sereno, olhando para tudo, mas ao mesmo tempo para o nada.

Algo estava diferente nele, como se pudesse sentir as almas através da menor brisa. E como se naquele momento, uma delas estivesse fora de uma posição crucial, uma aproximação desnecessária. Louis nunca parava de conversar sobre qualquer coisa — desde o porquê de seus sapatos estarem com o cadarço de tal jeito, até mesmo assuntos mais preocupantes, e estes ele levava a sério.

— Olha — começou ela, depois do longo silêncio. —, sempre sou eu quem desabafa e você quem escuta, agora vamos trocar os papéis. Que tal? — falou animada.

Ele ainda parecia um pouco taciturno, tanto que teve de piscar os olhos castanhos pelo menos duas vezes antes de finalmente respondê-la. Haviam parado sob uma das poucas árvores que ainda faziam sombra, mas suas folhas já estavam tomando cor de amarelo.

— Bom, eu acho que não posso te dizer... — arrastou um pouco a voz, provavelmente ainda pensando no assunto. — E você ainda não poderia entender.

— Então explique. — torceu o nariz, sabendo já que a resposta seria um não.

— Isso não cabe a mim. É outra pessoa quem deverá fazê-lo. — concluiu, olhando algumas quadras mais a frente, onde o sino da escola começava a soar.

Continuaram andando, dessa vez debatendo outros assuntos, e a concentração dele voltara ao normal por enquanto.

Estavam frente ao portão enferrujado — e pintado de branco para disfarçar —, do colégio Anthem. Um local bem sofisticado, para um portão tão rústico. Era divido em dois andares, em que as classes de aula ficavam apenas no pavilhão. Na parte baixa se tinham laboratórios de todos os tipos, e salas para cursos, além de uma ampla biblioteca, com prateleiras imensas que poderiam furar o chão da parte de cima se crescessem mais. Tudo lá era em tons de branco e detalhes em vermelho vinho.

Pouco depois de passar pelo portão, dava-se de encontro com um amplo campo, repleto de árvores, e grama — bem aparada —, onde as pessoas geralmente se sentavam debaixo das árvores, ou então às mesas em estilo de jardim em que a sombra dos muros bem altos que cercavam tudo em um amplo retângulo, refletiam sobre boa parte do local.

Atrás do prédio se localizavam as mais diversas quadras. Se já fazia frio, ali era bem mais. Como se os muros impedissem a passagem do sol, servindo de barreiras térmicas, quase intermináveis. Bem, os alunos se sentiam em uma prisão, praticamente.

Percorrendo o campo verdejante, eles viam vários alunos, até que Tracey avistou uma garota de cabelos loiros compridos, se atrapalhando toda com os próprios cadernos e reconheceu-a de imediato, assim como Louis. Aproximaram-se dela, que mantinha os cadernos espalhados pela mesa branca de jardim, enquanto procurava incessantemente algo pelas folhas.

Um único momento bastou para que ela levantasse calmamente os olhos cor de sangue — os quais Tracey nunca achou normais —, e visualizasse os amigos, transformando o seu rosto em uma careta ainda mais amargurada e engraçada. Certo, algo estava acontecendo.

— Bom dia, Kath. — cordialmente cumprimentaram-na Louis e Tracey, retirando os cadernos que estavam na cadeira para se sentarem.

O mais curioso de tudo, era que estavam abertos nas páginas da matéria de História.

— Bom? O que tem de bom?! — freneticamente apertou os cabelos, puxando-os fortemente, enquanto mostrava suas “presas”. — Aquele professor novo é realmente um idiota! Já o odeio completamente! Como ele ousa passar uma prova surpresa logo hoje?!

— Se é surpresa, como você sabe? — perguntou o garoto, e ela o fuzilou a alma.

A loira pegou a primeira coisa que viu ser capaz de jogar sem machucar muito — um estojo —, e o jogou em Louis, que o capturou em pleno ar, dando um sorriso amistoso que fez com que a atacante ficasse nervosa.

— Eu o ouvi comentando com a professora de matemática. — bufou, retornando os olhos para a papelada. — Fala sério, o professor Gabriel tem problema na cabeça, só pra começar ele vai passar uma prova quilométrica! Que entrada triunfal! — suspirou, percorrendo as palavras escritas em um dos cadernos.

— Kathryn Westner, fica tranquila, eu sou boa nessa matéria. Ah, não, quem tem que ficar calma é a minha pessoa. — zombou dela e a amiga apenas mandou-lhe o dedo médio.

Se você foi capaz de notar, Tracey acabou de trocar o sobrenome dela com o da amiga, isso é uma forma de brincar, além de ajudar na comunicação quando há muitas pessoas em um só lugar. Como a morena ainda estava com o corpo todo dolorido, pelo sono perdido, ficou apenas observando enquanto seus amigos devoravam os livros.

O que não foi uma ideia das melhores.

Finalmente o sinal ecoou, chamando todos para dentro da escola. Era um som ardiloso, que não ajudava em nada quando estivesse com dor de cabeça. A escola em si, não tinha aroma, mas as pessoas impregnadas de perfume, não eram poucas e faziam qualquer estômago se revoltar com o café da manhã. Todas as paredes eram brancas na parte de cima, e na metade de baixo, era uma cor de marrom pastel, que entrava em contraste com o vermelho vinho enferrujado dos armários. Era até agradável aos olhos.

Caminharam ela, Kath e Louis até seus armários, o qual colocando uma combinação abria sem a menor dificuldade. Dentro havia uma prateleira, onde geralmente se guardavam coisas pessoais, como roupas, perfumes, entre outros. Na parte baixa, ficavam os livros dela, todos desorganizados e com as espirais dos cadernos entrelaçadas umas nas outras. No fundo, havia um pedaço de papel colado, que indicava o horário das aulas. E por fim, na parte interna da porta, tinham algumas anotações e desenhos que ela mesma fizera, e um deles era até curioso e fora originado de um sonho perturbador; Um par de asas, em que uma delas era completamente branca e a outra preta. O sombreado as tornava mais brilhantes, quase reais.

Ela ainda se perguntava o motivo, mas nunca se desfez do desenho, havia se tornado o seu favorito em pouco tempo.

Um segundo sinal tocou, indicando a ida dos professores às respectivas salas. Então cada um se acomodou em seu devido lugar. As salas eram da mesma forma que o resto da escola, branco, marrom e vermelho. Tracey se sentava na metade da fileira, dividindo-a ao meio, e a fileira era bem ao lado da janela, onde ao longe as nuvens negras se chocavam umas nas outras e o ar úmido cheirando a chuva, começava a transparecer. As cortinas vermelhas se debatiam mais rápido que as nuvens e dançavam graciosamente, conduzidas pelo vento. Uma tempestade estava por vir.

A primeira aula era Biologia, onde uma nova matéria estava sendo iniciada, sobre Criacionismo em relação com a Medicina, o que era uma verdadeira polêmica, principalmente nos dias de hoje. A senhorita Marrie começava questionando a existência de Deus, já que ainda havia tanto sofrimento no mundo. Mas ao mesmo tempo divergia das próprias palavras, pois não se podia explicar como o universo tinha surgido, senão por base de uma divindade.

— Bem, agora me respondam vocês, apenas o homem é o verdadeiro reflexo de Deus? — a mulher de orbes cinzenta se recostou na lousa, com os braços cruzados.

Um silêncio perturbador se fez. Foi bem como se a resposta errada pudesse lhe custar à vida. Podia-se ouvir a respiração de cada aluno caso prestasse atenção. Também se ouviam as pessoas batendo as unhas e canetas nos livros e mesas, tentando achar a parte mais apropriada. Tracey suspirou e ergueu calmamente a mão direita.

— Pode falar. — os lábios repletos de batom formaram um sorriso animado.

— Acho que não. Para começar Deus não tem uma forma, Ele é uma divindade. Como a senhorita comentou. Então creio que tudo que Ele criou, seja o seu reflexo. Os humanos poderiam não ter sido escolhidos para serem racionais, mas assim se fez. — todos olharam intrigados para a garota, que tomou um leve tom rubro nas maçãs do rosto, esperando a resposta da professora.

— Visto dessa forma, você tem toda a razão. Acredito nisso também, minha querida. — os cabelos negros nela estavam amarrados em um coque e balançaram quando ela assentiu com a confirmação dessa teoria. — Bom, vamos continuar. — voltou-se de frente para a lousa com a caneta e começou a escrever em tinta azul algumas palavras chave.

O momento tenso fora quebrado, e algumas poucas conversas já tomavam forma. Tracey arfou uma única vez, aliviada por ter falado corretamente. Ela nunca tomava a frente em aula alguma, nunca respondia pergunta alguma, mas isso havia sido um grande progresso.

As próximas duas aulas seriam dedicadas à prova, provavelmente. Todos estavam um pouco tensos, porque este professor tinha um belo currículo de amedrontar qualquer outro. Ele viajara por vários países para descobrir todo o contexto e ouvi-lo da boca dos próprios telespectadores. Os pontos de vista faziam toda a diferença nesse caso.

Quando a porta foi entreaberta e a mão dele apareceu sobre a maçaneta, Kathryn segurou a respiração — mesmo que não houvesse ainda visto seu rosto, conhecia sua voz e a temia, pois nunca fora muito boa nisso —, e inflou as bochechas, também escondendo os olhos com a franja caindo em forma de cascata sobre eles, fazendo Tracey rir dela.

Um homem nada velho, mas sim de aparência nova até demais, calmamente deslizou para dentro da sala, fechando a porta tão rápido quanto a havia aberto. Ele parecia dançar, e aparentava estar feliz com o que fazia. Seu corpo era alto e bem torneado, fazendo com que os músculos pudessem ser vistos mesmo que ele usasse uma camisa e uma jaqueta de lã por cima. Ele sentou-se sobre a mesa, deixando uma perna apoiada ao chão e a outra balançando no ar. Entrelaçou as mãos e passou os olhos esverdeados por cada pessoa, estranhamente se demorando um pouco mais em Tracey, que abaixou a cabeça quando ele o fez.

— Certo — começou ele, após um suspiro e um semi-sorriso. — Eu sou o novo professor de História, senhor Gabriel Philip Elrich. Devido ao fato do seu antigo professor ter se aposentado.

Deu uma pausa, encarando ainda mais a morena, mas não só ela. Por algum motivo ele olhava para Louis e Kathryn também, que estavam começando a ficar irritados.

— Hoje, teremos uma prova surpresa, para medir o conhecimento de vocês durante todo este ano letivo percorrido. — apanhou uma maleta que estava sobre a mesa e começou a procurar pelas provas. — E, por favor, não reclamem, porque a culpa não é minha se vocês não têm a capacidade de pensar em possibilidades como essa. — franziu o cenho e começou a massagear as têmporas antes de finalmente se levantar.

Passou entregando as provas, com um sorriso dançando nos lábios, o motivo ninguém entendeu. Mas com certeza tinha relação com o que estava para acontecer, já que cada questão era diferente da outra, ou seja, nenhuma das questões era igual à outra, impedindo que os alunos pudessem colar.

O assunto retratado na prova da morena era Iluminismo, um até fácil e ela tirava de letra. Começava-se com quatro questões objetivas e depois havia três dissertativas, indicando peso duplo para a primeira parte. A segunda parte tratava-se sobre a Contra-reforma católica, expondo apenas questões dissertativas e isso foi o calcanhar de Aquiles dela. Tracey faltava nas aulas de catequese que falavam da história da igreja e tudo o que sabia sobre o assunto, é que fora um movimento da igreja para atrair os seus fiéis de volta, se utilizando de luxuosidade, referente a ouro, pedras preciosas e muitos outros elementos. Mas isso seria o bastante para responder tudo?

Quando faltavam aproximadamente vinte minutos para acabar o tempo, ela finalmente finalizou tudo. Arfava como se tivesse acabado de correr quilômetros a fim de ganhar um prêmio — o dez, no caso. Ah, por isso que chamam de prova quilométrica.

Ao se aproximar da mesa do senhor Gabriel, já com a bolsa disposta em um dos ombros, ele elevou os olhos e ficou um tempo a observando cuidadosamente e antes de isso se tornar algo chato, tomou a folha de suas mãos e bagunçou um pouco os próprios cabelos negros em um topete charmoso. Coçou a barba enquanto analisava tudo e depois voltou sua atenção à Tracey novamente, que engoliu em seco.

— Muito bem, pode se retirar. Entregarei tudo corrigido na aula seguinte. — ela assentiu devagar e caminhou até a porta, logo se retirando dali.

Arrastou um pé atrás do outro, com um esforço notável, passando pelo corredor quase completamente vazio. As poucas pessoas que estavam por ali tinham acabado de completar a prova. Saiu pelas duas portas, indo ao pátio e vendo que Harriet estava sentada em um banco, lendo atenciosamente um livro referente à Filosofia, já que ela tanto quer fazer essa faculdade. Mesmo que se chegasse bem perto da mesma, os cabelos ruivos dela, apenas deixavam visão para o objeto em suas mãos, os cachos laçavam-se uns nos outros e tapava todo o mundo ao redor, o que era até uma vantagem de vez em quando.

— Chamberlain? — chamou a morena, fazendo a outra dar um pulo, como se estivesse sendo repreendida por algo. — Posso deitar no seu colo? — fofamente pediu, observando que os olhos claros da amiga ainda estavam um pouco arregalados.

A ruiva assentiu, retirando o livro e o substituindo pela cabeça de Tracey, que soltou um grande suspiro pesaroso, estava morrendo de dor de cabeça e assim colocou o antebraço sobre a testa, de forma a diminuir o incomodo. O vento soprava os cabelos encaracolados cor de chocolate que estavam pendurados por causa dos joelhos de Harriet, assim tomando a ação de um pêndulo daqueles relógios antigos, mas se movendo bem mais suavemente, causando até um pouco de cócegas.

Por mais que o colo da amiga fosse confortável, ela não conseguia dormir, por algum motivo tinha a sensação de que não seria nada bom, porque acreditava fielmente que teria um pesadelo ruim o suficiente para fazê-la enlouquecer.

— Não dormiu ainda? — perguntou, enquanto acariciava os cabelos dela.

— Acho que vou ter um pesadelo se o fizer. — choramingou, sua cabeça doía por completo.

— Mas, se é só um pesadelo, não é real. Não há nada a se temer. — estampou um sorriso, tranquilizando-a.

Harriet era como uma mãezona para todos. Gentil, prestativa e calma. Por mais que quisesse uma faculdade de Filosofia, ela se sairia muito bem com Psicologia. Já era relaxante o suficiente estar ali, mesmo que o tempo ameaçasse despencar a qualquer momento e isso agradava a ambas.

Contudo, esse momento de paz durou pouco, porque junto com o sinal, veio Kathryn, saltitando os degraus e quase tropeçando em si mesma algumas vezes. Um sorriso pregado às orelhas e um nervosismo de felicidade bem evidente.

— Adivinhem o que me aconteceu! — cantarolou, dançando sozinha.

As outras se entreolharam, rindo um pouco, porque não bastava estar nervosa, estava praticamente tremendo e com as bochechas terrivelmente rosadas. Ficaram em silêncio, esperando a resposta vir à tona.

— Estou apaixonada! Isso mesmo! A arisca se apaixonou meus amores, comemorem! Tcha, tcha! E os fogos de artifício são explodidos em pleno céu estrelado! — começou a abrir os braços e jogá-los para cima, fazendo uma dança maluca.

— Quem é a bola da vez? — questionou-lhe Harriet.

A reação obtida foi mais um minuto de silêncio, no qual ela considerou se contaria à elas ou não.

— É-É o professor Gabriel... — olhou para as próprias mãos, mexendo nas unhas.

Tracey levantou o tronco de uma única vez, arregalando os olhos de forma que pareceu que eles tinham vida própria. Ela demonstrou-se assustada de início, mas depois caiu num incessante mar de risos contagiosos fazendo Harriet rir também.

— Qual o problema de vocês?! Eu gosto dele sim, e daí? — inflou as bochechas como de costume.

— Ah, desculpe-me, é que eu por um momento achei que você tinha voltado a gostar do...

— Shhh! — tapou por completo a boca da morena.

Não que Kathryn nunca houvesse antes gostado de alguém, ou mesmo tido um namorado, mas um garoto repleto de acnes do qual ela tinha gostado durante um bom tempo, tinha superado todos os outros. Os olhos da loira a enganavam bastante. Ele não bastava ser nerd, tinha de ser chato e irritante também.

Mais um silêncio esquisito como o que ela havia vivenciado com Louis se fez, as duas amigas de Tracey ficaram quietas repentinamente e se olhavam de forma preocupante. Os olhos arregalados e por estar bem perto da ruiva, ela conseguiu ouvir seu coração bater de forma irregular, exasperado por algo. Conseguintemente, um grande trovão estalou, fazendo todas pularem de uma vez. Kath até mesmo soltou um gritinho agudo.

Com toda essa estranheza, o dia ficou impregnado com uma sensação ruim. Algo dizia para a morena correr, e ao fazer isso, se esconder o máximo possível, de toda e qualquer pessoa. Ela olhava impacientemente para o relógio acima da lousa, contando os segundos que ressoavam ardilosamente em seus ouvidos, causando repugnância a tudo.

Lá fora mais um fator negativo se formou. A chuva começava a estapear a janela vorazmente, como se pudesse perfurá-la ao fazer isso. Foi um grande rebuliço, soando tão alto que os alunos quase não eram capazes de entender o que a professora de Matemática insistia em explicar sobre Logaritmos.

Ela recebeu uma carona de Harriet, que insistiu em levá-la algumas quadras no mínimo, para que não chegasse completamente ensopada em casa. O que ainda não a impediu de ficar bem molhada de mesma forma.

Adentrou o local, deixando os tênis na lavanderia, junto com o moletom e caminhou com os braços envolta de seu próprio corpo, se abraçando devido ao frio. Fechou a porta de seu quarto que tinha sido abatida por Bo naquela manhã, e por muito pouco não se rendeu à cama. Foi ao guarda-roupa e pegou uma toalha seca, colocando-a sobre a cabeça, enquanto tirava as calças e depois a blusa.

Buscou outro moletom, dessa vez de cor azul clara. Este era um pouco menos confortável que aquele, mas igualmente bom. Colocou um short que ia até bem perto dos joelhos e por fim jogou o corpo sobre a cama, sem nem se dar ao devido trabalho de ficar sob a coberta.

Adormeceu de imediato, tomando um sono profundo. Durante sua jornada no mundo dos sonhos, Bo foi ao seu quarto e cobriu-lhe com as cobertas, acariciou-lhe o rosto e voltou seus pensamentos à Lúcia, se ela estaria orgulhosa da filha que tem. Provavelmente sim.

Subitamente acordou, sentindo algo pesado sobre suas pernas. Ao ver que se tratava do cobertor molhado, assustou-se ainda mais. Pensou em primeiro caso que tinha sido ela a causa disso, mas ao olhar bem envolta, percebeu que a janela estava aberta, e concluiu também, que como o pano todo nem estava tão encharcado assim, a mesma devia ter sido escancarada apenas alguns minutos atrás.

Manteve-se um bom tempo taciturna, observando tudo sem dar a devida atenção, tentando formular algo em sua cabeça, como uma resposta quântica para tudo aquilo. Girou o corpo, com as pernas levantadas utilizando as mãos e braços como apoio, depois pousando os pés ao chão e se levantando da cama, para fechar a janela.

Ao voltar-se na direção da porta, percebeu algo muito errado. Uma silhueta estava bem delineada nas sombras que seu guarda-roupa formava, quase como se ele fizesse parte delas, ou então vivesse nelas. Invés de exclamar algo, ou de chamar Bo para ajudá-la, apenas aproximou-se dele, o que foi um erro fatal.

Um corpo esguio e musculoso puxou-a contra o seu, envolvendo sua cintura com os braços e por fim revelando o rosto à luz de uma vela que estava disposta sobre a escrivaninha de madeira ao canto esquerdo da porta. Seus olhos eram mais negros que a própria escuridão, chegava ao absurdo de um brilho obsoleto, como se o rapaz tivesse visto várias vidas terem fim, como se fosse alguém imortal. Seus cabelos eram escuros e formavam um topete que insistia em cair para o lado direito.

— Boa noite. — sussurrou ele, com os lábios bem próximos à nuca dela.

Por um único momento, ela se rendeu, logo em seguida recompondo a compostura. Tentou se utilizar de suas forças para libertar-se, sem sucesso obtido.

— Não tenho tanta certeza assim. — retrucou, o empurrando pelo pescoço, onde havia a tatuagem de uma águia ao lado esquerdo, passando ligeiramente pelo ombro.

Ele arqueou os lábios em um sorriso malicioso e beijou calmamente o pescoço dela, e a mesma pensou que derreteria aos seus braços. Algum tipo de magnetismo esquisito estava bem evidente ali. Mas ela insistiu tanto que ele a soltou e algo nela, tentou fazer com que ficasse abraçada a ele.

— Quem é você?! — sua voz soou rude, e sem emoção.

— Mas claro, que modos os meus. — fez uma breve reverência, aproximando o braço direito do peito. — Gadreel Aurich, ao seu dispor. Contudo, não estou aqui por este motivo.

Ele se aproximou da cadeira ao lado da mesa, sentou-se e jogou os pés sobre ela. Retirou um maço de cigarros e um isqueiro do bolso de sua gasta calça jeans, e acendeu um deles. Deu uma tragada rápida e olhou para a garota, lhe oferecendo fumo com um gesto de mão. A mesma apenas balançou a cabeça negativamente e se acomodou sobre a cama.

— Preciso dizer meu nome? — ela sibilou um pouco assustada, e ele parece ter sentido o tremular de sua voz.

— Não, eu nem estaria aqui sem saber ao menos isso. — inundou o quarto todo com a fumaça de tom azulado. — Vim para lhe propor uma coisa. — iniciou o assunto principal. — Eu gostaria de te adotar, por um motivo que só cabe a mim.

Tracey amargurou seu próprio semblante, pensando em algo sujo, como um desejo sexual por ela, mas percebeu que se tratava de algo mais.

— Você não precisa me chamar de pai, e eu não quero isso, de forma alguma. — fez uma pausa, olhando para ela. — Mas pode me chamar de tutor, se for muito necessário. Prefiro mesmo é que diga apenas Gadreel, somente isso. — ela assentiu com relutância.

— Mas o motivo, é? — fez um gesto para que ele progredisse com a conversa.

— Não lhe disse que cabe a mim, e somente a mim? — uma espécie de déjà vu tomou conta dela e a fez lembrar-se da conversa que tivera com Louis mais cedo.

— Então não. — respondeu seguramente a ele. — Não aceito o acordo. Pelo menos, não sem lutar. — algo pareceu se iluminar nas feições dele. — Já lhe disse que sou boa com espadas? Que tal uma luta amistosa?

— Não, você não me disse nada sobre espadas, até porque eu meio que te conheci agora, não é? — diminuiu o conceito de tudo aquilo, mas não deixou de soltar uma boa gargalhada esquisita, que a fez tremular. — Aceito o desafio.

Ele saiu apenas alguns minutos pela janela e retornou, carregando dois galhos compridos, os quais pareciam ter sido moldados agora para parecerem uma espada. Estavam molhados e um pouco escorregadios, mas serviriam para isso. Eram até mesmo afiados.

Porém, ela não ficou se perguntando como ele fizera algo assim, apenas o empunhou com a mão esquerda e posicionou a direita atrás das costas, assumindo uma posição autoritária. Ele fez praticamente o mesmo, apenas com a diferença de que a empunhava com a direita.

Começaram então a trocar golpes, chocando as madeiras violentamente e fazendo com que farpas caíssem aos montes espalhadas para todo lado. Tudo que se ouvia além da harmoniosa sinfonia dos ataques, era a respiração dos mesmos, que tinham dificuldades em golpear fatalmente o outro.

Tracey aferiu um golpe bem próximo as costelas dele e o mesmo caiu por terra, segurando a espada dela, como se tivesse sido ferido. Mas não passava de uma brincadeira distrativa. Ainda segurando a arma inimiga, ele brandiu a espada dele e aferiu o golpe bem próximo ao ombro dela, dando tempo de desviar para que não lhe acertasse o pescoço. Contudo o cabelo não teve o mesmo sucesso. Um grande tufo chocou-se com o chão e agora boa parte de seu penteado não passava nem do ombro.

Então aproveitando desse momento, ele a desarmou e apontou a objeto de madeira afiado à sua garganta. Ela elevou os braços para cima, rendendo-se a adoção.


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