Devaneio escrita por Melanie


Capítulo 3
Capítulo Dois - Toda Forma de Amor


Notas iniciais do capítulo

Hey, espero que gostem. Boa leitura.



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Aquela primeira semana passou como um completo borrão, mesmo não sendo tão diferente do ritmo que eu mantinha na primeira parte do semestre. Nossas aulas iam até as três da tarde e depois disso, eu ia com meus amigos para uma lanchonete (que era bar na parte da noite) que ficava há poucas quadras do colégio.

A velha senhora dona do lugar tinha um certo apreço por meu grupo e acabava nos deixando tocar em algumas noite de sábado, dia de movimento mais cheio no lugar. Na verdade quem fazia as performances sempre acústicas eram Pedro, César e Ana – eu preferia ficar num lugar privilegiado e gravar suas apresentações. Não levava jeito para cantar, mesmo tendo uma boa voz (Ana viva dizendo que meu tom um pouco rouco poderia fazer muito sucesso) e sabendo tocar um pouco de piano e violão.

Já minha melhor amiga era fantástica. Dona de uma voz rica e versátil, era inacreditável o que conseguia fazer mesmo sendo minúscula. Se eu não a conhecesse, juraria que era outra pessoa cantando em seu lugar

– Boa tarde, criança. – a velha senhora sorriu quando me viu entrando na lanchonete. –Veio cedo. Pensei que só chegaria com seus amigos.

– Eu estava passando por aqui e resolvi ficar, dona Sandra. – abri um sorriso pequeno. – Além disso, algo cheira maravilhoso e eu estou morrendo de fome.

– Deve ser o novo sanduíche que a cozinheira está testando. Vou te usar de cobaia para experimentá-lo.

O modo baixinho e cúmplice com o qual ela falou me fez rir – era como se me confiasse um segredo muito importante. Eu adorava a dona Sandra com todo meu coração. Ela era a imagem mais próxima de avó que eu tinha; meus avós paternos moravam em São Francisco e os maternos em Florianópolis, então eu pouco os via durante o ano.

A cozinheira acabou a chamando e dona Sandra me pediu para aguardá-la por alguns instantes; voltou pouco depois trazendo consigo um prato com a nova iguaria da lanchonete.

– Esse é por conta da casa.

– Dona Sandra, não precisa. Eu posso pagar pelo sanduíche. – respondi sacudindo a cabeça e puxando a carteira da bolsa que carregava com meu equipamento.

– Samantha, eu sei que você pode pagar pelo sanduíche. – ela colocou a mão suavemente sobre a minha, fazendo com que parasse o movimento que fazia – Por Deus, você pode comprar minha lanchonete se quiser. Mas eu estou oferecendo porque quero. Aceite e faça um agrado para essa velha senhora.

Golpe baixo. Dona Sandra sempre me convencia quando plantava em seu rosto marcado pelo tempo aquela expressão – os lábios franzidos e os olhos castanhos pedintes. Eu não conseguia dizer não para ela. Então aceitei o prato sem reclamar ou tentar a fazer mudar de ideia. Sabia que não adiantaria nada.

Ela ficou me olhando de forma expectante, esperando minha opinião sincera sobre a nova receita da lanchonete. Levantei os polegares em apreciação assim que dei a primeira mordida e ela sorriu.

– Paula! Samantha aprovou sua receita. – gritou animada para a cozinheira, que vibrou em comemoração. – Pode colocar no cardápio.

Soltei um riso involuntário. Adorava o modo como dona Sandra apreciava minhas opiniões. Desde que comecei a frequentar a lanchonete e a conversar com ela, a senhora havia me adotado como uma neta postiça e eu jamais recusaria o afeto extra.

Fiquei conversando no balcão e nem percebi a tarde dando adeus e a noite chegando. Aos poucos o lugar foi enchendo – grupo de amigos, casais, pessoas sozinhas que acabavam encontrando alguém para as acompanhar. Uma miscigenação de pessoas que enchia meus olhos; não havia preocupação com nada além da boa conversa, da boa comida, da boa companhia.

Naquelas poucas horas, todos tornavam-se um só, apreciando o melhor que o lugar da dona Sandra poderia oferecer.

Meus amigos chegaram pouco antes das oito horas. Já havia colocado algumas câmeras em pontos estratégicos e que me dariam uma ótima visão do palco (pretendia fazer uma compilação com os melhores momentos do pequeno show acústico). Eu gostava de filmar – um hobby que passei a apreciar desde muito cedo e trazia comigo. Era umas das coisas que me aproximava de meu pai; ele era cineasta, afinal de contas.

– Ana. Vou filmar vocês hoje, tudo bem?

– E nós temos escolha? – minha melhor amiga perguntou encolhendo os ombros e me fazendo estreitar os olhos em sua direção. – Eita! Não precisa me lançar esse olhar assassino, Sam. E o amor no coração?

– Não trouxe de casa. – respondi com sarcasmo antes de revirar os olhos. – Eu não sei porque sou sua amiga, sabia?

– Deve ser porque eu sou incrível e maravilhosa. Ah, e a melhor cantora que você já ouviu na vida.

Aquilo me fez rir. Era o jeito convencido dela que nos tornou amigas – Ana não tinha medo de agir e ser quem era; uma palhaça com o maior dos corações. Eu a amava por isso.

– Então, o que vocês vão tocar hoje?

– Música boa. – ela sorria de forma misteriosa. – E uma especial para nossa melhor amiga.

– O que vocês estão aprontando?

– Deixa de ser curiosa, Sam. Não vai estragar a surpresa.

Sabia que era inútil tentar adivinhar. Ana não me falaria e eu sabia que ela havia feito Pedro e César prometerem não me contar também. Aquela baixinha era maligna e nenhum dos dois se atreveria a passar por cima de algo que havia decidido.

Então dei de ombros deixando o assunto para depois. Algo me dizia que eu gostaria da surpresa que aquele trio havia preparado.

Não foi muito mais tarde que eles subiram ao palco – Ana sentada no banco mais alto e sendo ladeada por Pedro à sua esquerda e César à sua direita. Eles eram uma combinação estranha; Ana era muito baixinha, dona de longos cabelos castanhos e olhos amendoados e uma pele com bronzeado impecável. Pedro era alto, dono de cabelos loiros revoltos e azuis como água. E por último tinha César. Ele era asiático e os cabelos escuros contrastavam com a pele bronzeada pelo sol.

Cada um dos três, a sua maneira, era o meu exato oposto. Herdei os cabelos ruivos do meu pai e os olhos acinzentados e a incapacidade de me bronzear de minha mãe. Mas, apesar das diferenças físicas gritantes, tínhamos personalidades que se completavam e harmonizavam perfeitamente. Eles três eram os irmãos que eu não tive de sangue e sim de coração.

O trio tocou muitos clássicos da música nacional. Desde Caetano, passando por Legião Urbana, Ana Carolina, Tribalistas e finalmente chegando em Lulu Santos – um dos meus cantores favoritos.

– Ei. – alguém me cutucou e virei meus olhos para encontrar uma imensidão verde me encarando com leve curiosidade. – Você é a Samantha, certo?

Era a garota nova da minha turma de italiano. Vitória.

– Yeah. Acho que nós fazemos italiano juntas. – abri um sorriso fraco, fingindo não ter lembrado imediatamente quem ela era. Como se eu pudesse ter esquecido aqueles olhos verdes e aquele sorriso suave. – Vitória, certo?

– Isso. – e ela abriu aquele mesmo sorriso de quando nos conhecemos. – Eles são seus amigos?

– São sim. A menorzinha é minha melhor amiga, o da esquerda é o namorado dela e o da direita é a terceira roda. – comentei rindo e a ouvi rir ao meu lado. – Você veio sozinha?

– Vim com minha melhor amiga. Ela tinha me largado para ir ao banheiro, mas eu tenho certeza que agora ela me trocou por uma companhia masculina que encontrou no caminho.

Ela falou de um jeito tão conformado, que me deu certeza que aquela era uma ocorrência comum. E como eu era uma pessoa muito solidária (ou como Ana preferia falar, esperta e mortalmente rápida), resolvi oferecer minha humilde companhia a solitária garota.

– Você gostaria de esperar sua amiga aqui? Eu estou filmando os garotos e seria legal ter alguém pra conversar.

– Eu adoraria.

Tentei esconder o sorriso em meu rosto, uma tarefa que se provou complicada. Então foquei minha atenção novamente no meu trio de amigos, que mais uma vez comandava a festa e animava a galera toda.

Eles tocaram mais três músicas antes que Ana chamasse a atenção do público que a olhava encantado e concentrado.

– Queria agradecer todos vocês por serem uma plateia tão maravilhosa. – os gritos e palmas irromperam pelo lugar. – E antes de ir, temos mais uma música. Quero dedicar pra uma pessoa muito especial pra gente e sem a qual nós não teríamos começado a nos apresentar. Sam, essa é pra você.

Quando os primeiros acordes de Toda Forma de Amor começaram a tocar, as pessoas começaram a vibrar e sacudir. Aquela música era especial para mim de muitas maneiras – além de ser de um dos cantores que eu mais admirava, marcava memórias que eu guardava com carinho em meu coração.

Involuntariamente comecei a cantar junto com eles e sorri mais ainda ao escutar a voz de Vitória juntando-se a minha. Logo todos da plateia cantavam abraçados e sacudindo de um lado para o outro, numa verdadeira festa. Quase não consegui ver o sorriso que Ana lançava em minha direção, mas o devolvi com a mesma intensidade. Eu amava aquela baixinha com todas as minhas forças. Ela e aqueles dois moleques que eu chamava de amigos.

Porque, como diria o mestre:

E a gente vive junto

E a gente se dá bem

Não desejamos mal a quase ninguém

E a gente vai à luta

E conhece a dor

Consideramos justa toda forma de amor


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Notas finais do capítulo

Não deixem de comentar e dizer o que estão achando da história. Vou tentar trazer um capítulo novo por semana pra vocês. Lembrando que podem me encontrar no ask.fm/singalullay. Até o próximo :)



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