Vendida Por... escrita por Nynna Days


Capítulo 1
... Eles




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/543027/chapter/1

Então, já está na minha vez de contar minha história? Nossa, chegou bem rápido. Somos quantas? Vinte? Vinte e cinco? E não, não estou enrolando. Hey, não me olhem desse jeito. Estamos no mesmo barco. Quero dizer, no mesmo contêiner. Ok, vou começar.

Meu nome é Skyler Mitchell e tenho dezessete... Opa, já passou da meia noite não é? Claro que passou. Nessa hora eu estava bebendo um copo de gim com soda com minha amiga, Hayley Russell gritando Feliz aniversário, vadia no meu ouvido. Portanto, tenho dezoito anos oficialmente. Que belo jeito de se comemorar essa data, não é?

Estou tentando ver tudo ver o lado bom dessa situação. Calma, loira, isso se chama “sarcasmo”. Guarde suas garras. Como eu estava dizendo... Ah, sim. O lado bom. O ponto positivo de estar presa dentro de um contêiner com mais vinte e poucas garotas em pleno aniversário de dezoito anos é que tenho uma justificativa para o meu atraso ao jantar em família.

Vou ser sincera. Minha família é um saco. Sério! Meus pais sempre esperam o pior de mim, sendo que eu sou uma filha exemplar. Minhas notas são acima da média – no entanto não sou nerd –, não ando com pessoas que usam drogas – porém não sou uma santa – e evito roupas escuras e músicas que mencionem a palavras morte mais de duas vezes – mas não sou patricinha. Não, não irei me rotular. Sou apenas uma adolescente normal como vocês.

E estamos todas ferradas por isso.

Voltando a história – antes que a loirinha pule em meu pescoço – tudo começou um dia antes do meu tão esperado aniversário. Hayley falava todos os dias das loucuras que poderiam fazer e como estava cansada de ter dezoito anos sozinha. Era um discurso diário que minha mente fazia questão de editar.

Eu fui para a escola já esperando mais uma dose da sua empolgação, só que minha amiga estava estranha. E muito puta da vida. A pancada que ela deu no armário doeu em mim. Seus olhos azuis permaneciam fixos no armário, como se estivesse planejando um jeito torturá-lo lentamente. Deu medo.

“Alguém roubou seu batom de novo, Hayley?”, perguntei tentando fazer uma piada.

Se havia uma coisa que tirava Hayley do sério, era roubar algo de sua personalidade. E com isso eu estou dizendo cor de batom exótica ou rasgar as roupas em lugares estranhos... Ou vulgares. Na maioria das vezes, vulgares. Essa bota que estou usando é dela. Sei que não combina com meu cardigã, só que gosto dela.

Ela bufou, revirando os belos olhos.

“Ninguém comete o mesmo erro duas vezes, Sky.”, ela disse controlando a respiração e soltando o ar em algumas lufadas. “Não. Meu batom está seguro por hora. O problema é familiar mesmo.”

Isso me fez ficar estranha. A família de Hayley era podre de rica e poderosa. Claro que tinha aquela velha história dos pais dela não estarem nem aí para o que ela aprontava em sua ausência – o que incluía inúmeras festas – mas isso era um pequeno detalhe. O que importava era que eles tinham um acordo implícito: Ela não ia presa e eles não interfeririam em sua vida.

Parece que o acordo foi rompido.

“Meu irmão está vindo para a cidade.”, ela respondeu ao meu olhar confuso e inquisitivo. “Harvey conseguiu se meter em confusão em Los Angeles e está voltando para Seattle para morar conosco. Não quero minhas amigas babando por meu irmão gostosão. Principalmente você.”

Arqueei uma sobrancelha ainda não entendendo a linha de pensamento de Hayley.

“Harvey é problema, Skyler. Só é três anos mais velho e tem mais passagens pela polícia do que você.”

Isso me ofendeu, sabe? Olhe, quando eu disse que não era nenhuma santa, estava falando a verdade. E talvez meus pais tenham motivos para esperar o pior de mim. Em minha defesa, Hayley exagerou. Só tinha três passagens pela polícia e a culpa é dela. Não fiquem assustadas, garotas. Eu não matei ninguém.

A primeira vez que parei na prisão foi por causa de uma festa em uma casa abandonada. Os amigos de Hayley tiveram prazer em destruí-la de um modo nem um pouco discreto e eu estava bêbada demais para correr da polícia. E segunda vez? Idem. Por isso aprendi a ou não ir á essas festas ou a me manter sóbria para fugir ao som das sirenes.

A terceira foi um pouco pesado até para mim e quase me garantiu anos atrás das grades. Repito: Culpa da Hayley e de minha fidelidade. Fui descuidada, tenho que admitir. Entretanto, como saberia que os policiais descobririam a heroína escondida em meu casaco? Nunca fui uma boa mentirosa. E depois daquele flagrante, percebi que não era um bom transporte.

Hayley ficou sem a droga e eu fiquei com mais um acréscimo á minha ficha criminal.

Tirando tudo isso, sou uma filha exemplar. Melhor do que minha amiga garanto que sou.

“Espero que ele venha arruma confusão por aqui.”, ela continuou resmungando. “E nem que aquela paixão idiota que vocês tinham, continue.”

Vocês estão suspirando? Sério? Parem com isso. Se essa história girasse só entorno da minha atração infantil pelo irmão da minha amiga, eu não estaria aqui contando para vocês. Antes de continuar, tenho que perguntar uma coisa: Só eu estou ficando enjoada nesse maldito contêiner? Ah, vocês também estão? Ufa. Pensei que meu estômago estivesse ficando frágil.

O mau humor da minha amiga persistiu por todo o período escolar. Ela parecia tensa e toda vez que erguia os olhos para o relógio, se encolhia. Não vou dizer a vocês que eu estava assistindo tudo sem sentir absolutamente nada. Muito pelo contrário. Eu estava sentindo tudo. Ansiedade, medo e...

“Quando ele chega?”, perguntei, não me contendo.

Hayley mexeu a cabeça, sinalizando para a porta da saída. Fechem os olhos por um segundo, meninas. Isso. Agora imaginem aquela típica cena de cinema do protagonista gostosão estacionando a moto e caminhando no corredor em câmera lenta com direito á um vento que, até há poucos segundos, era inexistente batendo em seus cabelos. Foi exatamente assim. Pelo menos na minha mente.

Só não esperava que o desfecho dessa cena fosse comigo levando gelo.

“Vamos embora, Hayley.”, ele mandou.

Nem me deu um olhar. Eu fiquei parada que nem uma idiota segurando meus livros e mendigando um pouco de atenção. Juro que por um instante consegui captar um meio sorriso brincando no canto de seus lábios. Tirando isso, a sua pose era fria e distante. Como se eu fosse responsável por toda a tensão que ele sentia.

“Muito bom te rever, Harvey.”, eu disse.

Sabem o que ele fez? Nada. Ignorou-me completamente. Hayley me lançou um olhar de desculpas e se afastou com seu irmão. Conclusão: Tive que ir para casa sozinha e repetindo aquela cena na minha cabeça inúmeras vezes e em ângulos diversificados. Vocês sabem muito bem como é uma garota quando reencontra um amor de infância. Se tornar stalker em menos de uma hora.

Por isso que, exatamente uma hora depois, eu estava pulando a cerca da casa dos Russell. Já tinha uma ideia do que aconteceria se a polícia me pegasse. Só que eu estava focada em meu objetivo: Invadir o quarto de Harvey e berrar o motivo dele agir feito um... Hey, não arregalem esses olhos para mim. Queriam escutar a história, agora aguentem. E parem de ficar me interrompendo, ok?

Era essa palavra que eu iria dizer. Ele estava agindo feito um idiota. E talvez – mas um talvez quase inexistente – eu estivesse semelhante a ele. Felizmente, a senhora Russell é fã do meio ambiente, o que a fez cultivar um belo jardim e uma longa trepadeira ao lado da janela de Harvey. Não vou mentir e contar que foi fácil. Estão vendo esses arranhados? Todos daquela noite.

Entretanto, consegui chegar ao meu destino. E não foi nenhuma surpresa ver que os irmãos estavam brigando feito cão e gato. Com a janela entreaberta, foi fácil escutar algumas palavras aleatórias.

Tive que me encolher para ter uma visão do que acontecia. Hayley parecia exaltada, andando pelo quarto e passando as mãos por seus cabelos escuros. Harvey exalava frieza, com os braços cruzados e indiferente as atitudes da irmã.

“Não acredito que você voltou por isso!”, ela julgou. “Tinha que ter um dedo da polícia nisso.”, balançou a cabeça olhando o irmão de cima a baixo, preocupada. “E como será se pegarem você, Harvey? Não tem lugar no mundo que irá te proteger.”

Ele ergueu uma sobrancelha.

“Então não se meta nisso.”

Hayley se irritou, jogando as mãos para o alto.

“Não me meter? Você está se escutando?”

Eu sabia que Hayley estava pronta para dar o sermão do dia no seu irmão mais velho, só que foi bruscamente interrompida quando ele a segurou pelos ombros e os apertou com as grandes mãos. Ela soltou um uivo de dor e se encolheu diante do olhar tão semelhante ao seu. Harvey tinha a voz baixa, porém perigosa. Apenas o seu tom carregava o aviso, independente da mensagem expressada.

“Se me atrapalhar, irá se arrepender.”, ameaçou a soltando. Foi tão de repente que fez Hayley tropeçar em seus próprios pés e cair. Harvey deu um pequeno sorriso, apreciando aquela cena. “Não sou o único com segredos, maninha.”

Só deu tempo de vê-lo sair do quarto e Hayley se ergueu para ligar para alguém – e não, não foi para a polícia – antes que eu fosse surpreendida. Quem iria imaginar que a mãe de Hayley iria sair para regar as plantas àquela hora?

“Skyler, é você?”, me chamou estreitando os olhos, duvidando de sua visão.

O susto foi tão grande que caí em cima de alguns arbustos. Ergui-me rapidamente, escondendo-me no vão da porta. Disfarcei ao tirar algumas folhas do meu cabelo e forcei um sorriso amigável.

“Senhora Russell, me desculpe.”, pedi. “Chamei Hayley, mas ela não atendeu. E só tem uma trepadeira desse lado.”, não sei que contei a vocês, mas tenho o péssimo hábito de corar em situações vergonhosas. “Como a senhora está?”

Deu para ver no fundo dos olhos dela que não tinha engolido nenhuma de minhas palavras, só que fingiria porque estava incerta se queria saber da verdade.

“Estou ótima, querida.”, ela respondeu me ajudando a tirar o restante das folhas. “E sabe que não precisa me chamar de Senhora. Chame-me de Natalie. Sei que Hayley fica com aqueles fones de ouvido a noite inteira e não me escuta nem quando a chamo para jantar.”, parou, analisando seu trabalho e sorriu. “Pronto. Quer jantar conosco?”

Eu deveria ter recusado. Se me oferecessem uma máquina do tempo, seria a primeira coisa que consertaria. Só que meu instinto de perseguidora estava aceso dentro de mim. Por isso que a única coisa que fiz foi sorrir e dizer com o máximo de educação possível:

“Claro.”

Ela olhou por cima dos meus ombros e franziu o cenho, se aproximando.

“Você não deveria ficar na rua até tarde, Skyler. Não está sabendo dos sequestros de mulheres que vem acontecendo? A maioria tem a sua idade.”

Vejam a ironia do destino.

Bastou eu por os pés dentro da casa para sentir o seu olhar. Abaixei os olhos, presa na missão de evitá-lo na frente de seus pais e não gritar antes do jantar. Teria bastante tempo. Só que ao fazer esse movimento, percebi que minhas mãos estavam sangrando. Claro que estariam. Foram as primeiras coisas que alcançaram o chão com a minha queda.

Não querendo manchar o tapete, fui até o banheiro lavar minhas mãos. Nem tive tempo de fechar a torneira antes que alguém entrasse. A força com que bateu a porta delatou quem era meu companheiro inconveniente. Não me entendam mal. Eu queria ficar um momento a sós com Harvey, só que depois que ele se acalmasse de seu surto. Se ele resolvesse me sacudir e me jogar como fez com sua irmã, o resultaria seria mais... Sangrento.

“Não é legal ficar espionando as pessoas.”, ele disse se encostando à porta. Sua expressão permanecia impassível. É incrível como ele conseguia dar a mensagem sem esforço: Você só vai sair quando me esclarecer o que eu quero saber. “O que você está fazendo aqui?”

Levantei uma sobrancelha, o desafiando.

“Eu que deveria estar te perguntando isso.”

Deu um meio sorriso. Não, meninas. Ele não estava feliz em me ver e nem tendo aquele momento fofo de reconhecimento. Ele só estava achando graça da minha tentativa de braveza.

“Essa é a minha casa, Skyler.”

“Não desde que foi preso.”

Maldade? Sim. Só que ele merecia depois do gelo que me deu. Chamem-me de infantil mais tarde, ok?

Ele se desencostou da porta e deu um passo na minha direção. Olhem, o banheiro não era tão grande. Bonito, mas pequeno. Por isso que bastou um passo para que ele estivesse parado com o corpo quase roçando no meu. Vi raiva em seus olhos.

“Incrível que em três anos você não perdeu essa estúpida paixão que tem por mim.”

Juro que naquele momento quase arrisquei uma prisão por agressão.

“Incrível que em três anos você continua sendo um estúpido.”

Ele riu, me analisando de cima a baixo.

“E você ainda é gostosa.”

Nada de assobios! Ele só disse aquilo para me provocar. Infelizmente funcionou. Em todos os anos separados, uma coisa fundamental que tinha esquecido sobre ele, era a sua velocidade. Foi em um piscar de olhos que eu estava sendo pressionada entre ele e a parede de azulejo frio. Não que fosse uma coisa ruim. Seus dedos roçaram no bolso traseiro de minha calça e minha pele se arrepiou.

“Harvey, pare.”

“Sei que você me escutou falando com minha irmã, mas irei repetir. Não se meta nisso. E nem comigo. Esqueça, Skyler. Você deveria se afastar antes que se ferisse.”

Nem tive a chance de indagar sobre o sentido de sua frase antes que ele se afastasse e fechasse a porta com mais força do que de quando tinha entrado. Fiquei alguns segundos ali lavando o meu rosto e tentando parar de tremer.

Desculpem-me por parar. Só que é estranho que tudo isso tenha se passado em menos de vinte e quatro horas. Se não fosse uma coisa esquisita de se fazer, eu estaria cheirando o meu cardigã para ver se o cheiro dele ainda estava em mim. E não, não é por isso que estou mexendo no botão toda hora. Vou explicar isso daqui a pouco. Prestem a atenção.

Hayley reparou meu silêncio incomum durante a janta – e o barulho intimidante dos talheres que Harvey fazia. Ela trocou um olhar com o pai, que assentiu e se levantou da mesa. Sinalizou para que eu a seguisse até seu quarto. Meu segundo erro da noite. Ao passar pela porta de Harvey, lembrei-me da discussão que eles tiveram a pouco e que repercutiu e repetiu comigo no banheiro.

“Se vista. Nós vamos sair.”, ela disse abrindo o armário e pegando algumas peças de roupa. Sorriu ao pegar esse cardigã e jogá-lo para mim. “Foi mal nunca tê-lo devolvido. É que fica tão fofo com a minha saia.”

Em um dia normal, eu teria recusado o convite/ordem de Hayley. Só que eu estava com tanta raiva do jeito como cedi. Deveria ter sido mais rígida. Dito que ele não poderia falar daquele jeito comigo. Estava em um daqueles momentos em que você repassa a discussão e vê respostas inteligentes para desarmar o adversário.

Forcei um sorriso e apontei para a bota.

“Acho que vou ficar bem nela.”, a peguei junto com o cardigã. “Posso me trocar no banheiro?”

Hayley balançou a mão, interessada na roupa que usaria. Entendendo a resposta, fui para o banheiro no corredor. Harvey estava entrando em seu quarto e trocamos olhares por um curto segundo antes que fechasse a porta. Meu coração estava disparado. Minha mão foi até o bolso traseiro da calça e o nervosismo me tomou.

Tentei não demorar ao trocar de roupa e vi que Hayley também já estava vestida. Peter e Finn iriam nos buscar. Ah, vou explicar. Peter era um “namorado” de Hayley e Finn era o amigo que eles sempre queriam me empurrar. Nada contra ele. Só que aquela noite eu não estava focada no romance.

Não fiquei impressionada quando nós chegamos até uma das boates mais faladas na cidade – e não era no bom sentido. Era visível a quantidade de pessoas drogadas, bêbadas e ambos. Me senti intimidade, já que era minoria. Recusei os inúmeros convites para dança, parada no bar e bebericando minha bebida.

Hayley, meu oposto, estava dançando com Peter e Finn ao mesmo tempo. E não preciso dizer que era no meio deles, não é? Eles estavam a poucos passos de mim, mas pareciam cada vez mais distante. Quando me olharam, ergui o copo e mexi a cabeça, em uma tentativa falha de seguir o ritmo. Minha amiga cochichou algo no ouvido dos dois e veio na minha direção em seguida.

“Deveria dar uma chance ao Finn e esquecer o idiota do meu irmão.”, salientou e pediu dois gins com soda ao barman. “Harvey é um grosso, arrogante.”, me ofereceu um copo. “Nem imagino o que vocês falaram no banheiro.”

Tomei um gole da bebida.

“Ele disse para eu não me meter com ele.”, confidenciei. “E talvez tenha razão.”, botei o copo ainda cheio no balcão e estufei o peito. “Vou dançar com Finn.”

Hayley deu um sorriso animado e um leve empurrão até a pista. Finn me recebeu de braços abertos, literalmente e eu perdi a noção das horas em que dançamos – e que ele tentava me beijar. Hayley retornou com um novo copo de bebida e me ofereceu, sorrindo. Eu estava cansada e com muita sede. Por isso virei o copo de uma vez.

Terceiro erro da noite.

Tudo ao meu redor pareceu oscilar e minha visão ficou embaçada. Tive a leve noção de que eles estavam me puxando para um canto da boate, longe dos olhares curiosos. Escutei seus risos e provocações. Piscava com força, tentando alinhar ao todos os acontecimentos em um parâmetro consciente.

Antes de apagar, tudo que escutei foi a voz de Hayley em meu ouvido.

“Feliz aniversário, vadia.”

Querem que eu pare aqui? Não perguntei a você, loira. Juro que quero escutar a sua história em seguida. Ah, claro. Se tivermos tempo. Enquanto isso, deixe-me finalizar a minha. Acordei num carro em movimento e com uma dor de cabeça desigual. E a primeira coisa que vi foi o sorriso de Hayley e a expressão satisfeita de seu pai enquanto dirigia.

“Hayley, o que está acontecendo?”

Minha raptora olhou para o pai, feliz.

“Eu disse que ela não tinha ideia do que acontecia.”, voltou a me encarar. “Você sempre foi burra, hein, Skyler. Estamos te levando para uma pessoa especial que irá te apreciar.”, riu sozinha. “Ah, a quem estou tentando enganar? Estamos te vendendo.”, passou os dedos pelo braço do pai. “Meu pai teve essa excelente ideia quando os negócios estavam indo de mal a pior. Porque proteger pessoas que eram traficadas, quando poderia pegar as suas informações e usá-las para o bel-prazer? Não existe advogado melhor.”, beijou a face do pai.

Eu disse que estava amarrada? Não. Porque eu estava. E Peter tinha uma arma apontada na direção da minha cabeça. Conclusão: Sem nenhuma escapatória. Nem tentei me sacudir, como aquelas mocinhas de filme fazem. As mãos de Peter tremiam tanto que qualquer movimento – por mais sutil que fosse – desencadearia com meus miolos sendo estourados.

“Você tem certeza que ele virá?”, Hitler – quero dizer, Senhor Russell – perguntou.

Hayley revirou os olhos.

“Eles ainda se gostam, papai. Aquilo tudo era para nos despistar.”, se recostou no banco e ficou me encarando pelo espelho. “A culpa é de Harvey, querida. Se ele não tivesse feito um maldito acordo com a polícia de que ajudaria a nos prender em troca de sua liberdade, nada disso estaria acontecendo. Agora somos obrigados a te usar de isca.”, suspirou, fingindo pesar. “Uma pena te perder, Skyler. Você era uma boa amiga.”

“Então eram vocês que estavam sequestrando as mulheres?”, me arrisquei.

“Sim, você não escutou essa parte?”, se inclinou na minha direção. “Todas as vezes em que estiver com seu cafetão no outro lado do mundo, lembre-se que a culpa é de Harvey. Aquele atrevido. Querendo me ameaçar. Estúpido. Nem hesitou em aceitar o acordo para se livrar de encrencas.”

“Sua mãe...”

“Não. Ela não sabe.”, me cortou. “Aquela velha quase me atrapalhou também ao tentar te alertar. Pena que você e Harvey não vão se ver mais. Acho que teriam uma chance de ficar juntos. Ou talvez não.”

E ela continuou repetindo pelo caminho inteiro que a culpa era de Harvey. Tive que respirar fundo muitas vezes para não gritar que já havia entendido. Acho que perdemos esse direito quando estamos na mira de uma arma. E essa foi a minha história. Uma amiga vaca que se juntou com o pai corrupto e me raptou para punir o irmão infiltrado.

Vai, loira. É a sua vez... E, opa. Parece que chegamos. Fiquem para trás. Tenho que contar uma coisa antes que abram essas portas e tudo se torne um inferno. Lembram-se quando eu disse que quase fui presa por posse de drogas? Vamos apenas dizer que a polícia gosta de fazer acordos e manter mais de uma isca por perto.

Deixe-me pegar uma coisa na sola do meu pé. Incrível como uma pessoa pode subestimar a outra ao ponto de não revistá-la direito. Que arma é essa? Sinceramente, não sei. Só sei que é pequena o suficiente para caber na bota. Pelo menos posso arrancar esse localizador ridículo do botão do meu cardigã. Harvey poderia ter posto um menor em meu bolso.

Ah, finalmente as sirenes. Nunca fiquei tão feliz em escutá-la antes.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!