Remus mordeu o lábio, rodando sua pena de falcão nas mãos. Seus olhos, um âmbar dourado impossível, viajaram pelo pergaminho, e ele logo bagunçou o cabelo castanho claro. Em seguida, franziu o nariz, daquela forma que formava um vinco no meio de suas sobrancelhas. Então suspirou.

— Severus, se você não parar de me encarar assim, eu não vou conseguir terminar o trabalho de Transfiguração. — Falou, sem tirar os olhos de sua tarefa.

— Eu não estou te encarando. — Respondeu o sonserino, petulante, se forçando a olhar mais uma vez para o livro de Poções que tinha nas mãos. Isso não durou muito, porém, e logo estava observando Remus mais uma vez. Ele deu um suspiro, como que desistindo, e fitou decididamente suas notas.

Remus era um garoto bonito. Não arrancava gritinhos de garotas como Potter ao bagunçar os cabelos negros de um jeito irritante, ou as deixava coradas ao dar um sorriso malicioso do jeito que Black fazia. Mas, sim, bonito. Com um rosto adorável e sorriso gentil, Severus sabia que ao menos cinco garotas haviam pedido para sair com ele e, até onde tinha conhecimento, havia recusado todas.

Se perguntou, não pela primeira vez, o que Remus fazia com alguém como ele. Severus era feio, sabia disso. Podia ver todos os dias no espelho o seu nariz adunco, o cabelo oleoso. Uma vez até tentou consertar o último, e o efeito durou exatas duas horas antes de ser estragado enquanto ele fazia uma de suas poções, antes mesmo de que Remus pudesse vê-lo.

Também sabia, por muita experiência, que não era alguém fácil de se conviver. Ele tinha um humor sombrio, temperamento curto, e sempre acabava ofendendo a pessoa com quem conversava, mesmo que essa não fosse a sua intenção. Remus, por outro lado, era simpático e gentil, e conseguia fazer as pessoas se sentirem melhores e mais confortáveis sem nem mesmo perceber.

O que ele estava fazendo aqui, o que ele estava fazendo com Severus, quando podia estar junto de Potter e sua turminha, pregando peças, ou beijando alguma garota bonita? Era um mistério, e Severus não gostava muito deles quando não resolvidos. Apesar disso, o enigma enchia seu peito de uma sensação quente, e subitamente sentiu uma vontade latente de levantar a mão e simplesmente tocar aquele quebra-cabeças que suspirava frustrado a sua frente.

Severus amava Lily Evans. Ele sabia disso desde que era pequeno, e viu o brilho daqueles olhos verdes pela primeira vez. Lily era gentil, inteligente e a garota que ele mais gostava no mundo inteiro. Ele faria qualquer coisa por ela, morreria por el,a. Mesmo depois da briga que houve entre os dois, do fato dela se recusar a perdoá-lo, e começar a sair com o garoto que gostava de humilhá-lo.

Mas Remus… Remus era especial, de algum modo. O calor que tinha no peito ao estar perto dele era diferente do que sentia quando junto de Lily. Remus esteve sempre lá, ficou com ele mesmo depois de Severus quebrar seu coração em um milhão de maneiras ao continuar a beijá-lo depois de admitir que estava apaixonado pela grifinória. Ele certamente pensava que estava sendo usado, mesmo essa não sendo a verdade no lugar confuso onde ficavam seus sentimentos, e ele ficou ao seu lado apesar disso.

E assim, naquelas epifanias inesperadas, Severus percebeu que o amava, tanto ou até mais do que amava a Lily. Com ela, por mais que o desejo sempre fora forte, ele conseguia aceitar o destino de nunca tê-la para si. Mas o simples pensamento de que Remus poderia deixá-lo, perceber o pouco valor que Severus carregava, era muito doloroso de contemplar. Não ter Lily o deixaria incompleto, mas ficar sem Remus arrancaria sua essência por inteiro.

Sem pensar, ele derrubou o livro que segurava, e se aproximou dele, o beijando com fervor. Remus soltou um som de surpresa antes de retribuir, doce como só ele conseguia ser. Severus quebrou o beijo, descansando a testa nos ombros de Remus, e podia sentir ele passando os dedos lentamente por seu cabelo mal cuidado.

— Nunca pense em me deixar, seu grifinório estúpido. — Severus murmurou, quase inaudível. Depositando um beijo gentil em seu pescoço nu, Remus replicou, rindo:

— Nunca pensaria nisso. — E lá estava, o calor no peito de novo. Severus fechou os olhos, e decidiu que podia viver com aquilo.