Kitty love. escrita por StardustWink


Capítulo 1
Capítulo Único.


Notas iniciais do capítulo

E aqui estou eu, depois de /meses/ de ter começado a escrever isso, finalmente terminando essa fic. Para vocês terem noção, eu pensei em escrever ela quando o anime de Noragami estava //acabando//, e só postei agora. Em SETEMBRO. Viva à procastinação e criatividade falha que é a minha.

O resultado ficou bom, eu acho. Sempre quis fazer uma UA diferente, e a ideia de uma que envolvesse um desses cafés modernos que tem áreas em que você pode relaxar com gatinhos fofos me pareceu boa demais para deixar de lado. Espero que vocês gostem! ♥



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Tudo começou com um miado agudo e alto que ela ouviu quando voltava para casa depois de um dia tedioso de aula.

Hiyori, que amava animais apesar de nunca ter tido um, não pensou duas vezes antes de se abaixar para cumprimentar o gatinho branco e caramelo que tinha corrido até ela.

Foi enquanto acariciava o pequeno que a mesma percebeu uma presença se aproximando por trás – e, como toda garota que sabe os perigos de andar sozinha numa rua deserta, tratou de se virar e dar um chute bem dado no desconhecido.

...Ok, talvez nem toda garota saiba nocautear alguém desse jeito. Enfim.

Pegando o gatinho nos braços e dando uns passos para trás, ela observou o estranho – um garoto usando um uniforme esquisito – enquanto ele se contorcia de dor no chão.

- Qual o seu problema?! – Ele exclamou, apoiando uma das mãos no cimento da calçada e levantando os olhos para encará-la. – Você sai batendo nas pessoas do nada desse jeito?

- Do nada? Eu só estava me defendendo! – Hiyori gaguejou em resposta, corando de raiva. O desconhecido estreitou seus olhos azuis – que pareciam quase cristalinos, de uma cor que ela nunca vira antes na vida – e bufou, sentando no chão.

- Eu não estava atrás de você, idiota.

- Não? – Ela piscou. Ah, droga, ela tinha acabado de chutar uma pessoa inocente na rua, não tinha? Ainda assim, aquele garoto parecia suspeito. Hiyori estreitou os olhos. – O que estava fazendo, então?

- Indo atrás dele. – Ele disse, apontando para o gato que ela levava nos braços. A garota olhou para baixo, observando a pequena bola de pêlos enquanto ela chiava ameaçadoramente para o estranho.

- Acho que ele não gosta de você. – Ela comentou, o encarando. O garoto bufou, pôs-se de pé e cruzou os braços.

- Eu sei disso, ele está fugindo de mim desde o início da semana. – Hiyori observou enquanto ele dava um passo para frente e descia sua cabeça para observar o gatinho de perto. – Gato idiota, eu estou tentando te levar para um abrigo!

- Abrigo? – Hiyori piscou. Levantando a cabeça para encará-la, o garoto sorriu, assentindo.

- Na verdade é um café que também tem animais, mas é quase a mesma coisa. De qualquer modo, - Ele tirou um cartãozinho de seu bolso, estendendo em sua direção. – Aqui, olha!

- Eh? – Equilibrando o gato em uma das mãos, ela apanhou o papelzinho e o analisou.

Yato? Esse é o nome dele? Hiyori fitou-o brevemente, que ainda sorria. E o que ele quer dizer com ‘faz-tudo’? Além disso, se referir a si mesmo como Deus é um pouco...

- Você é estranho, não acredito em você. – Ela declarou, dando um passo atrás. O sorriso do rosto do garoto transformou-se em uma expressão de choque antes que ele fizesse bico.

- Olha menina, eu ainda tenho dois trabalhos para fazer hoje! Não dá pra me dar logo esse gatinho e, sei lá, voltar para casa? – Ele bufou.

- Não! Quem te garante que você não vai perder esse gato antes de chegar lá? – Hiyori bufou, colocando o cartãozinho no bolso e trazendo o animal mais para perto de si.

Yato não respondeu. Por mais que não quisesse admitir, aquilo era sim bem possível. De repente, seu rosto se iluminou. Sem nenhum aviso prévio, ele puxou-a por uma das mãos – e a fez quase derrubar o filhotinho, que miou assustado – e começou a arrastá-la pela rua.

- E-ei! – Ela tentou forçar os pés no chão para parar, só que o estranho era mais forte do que parecia ser. – O que você está fazendo?

- Te levando junto, óbvio! – Ele virou o rosto para trás e sorriu outra vez. – Você é a única que conseguiu acalmar esse gato aí, então vou precisar que você vá comigo até o café.

- E por que exatamente eu faria isso?

- Por que ele merece um lar! – Yato piscou para ela antes de voltar a olhar para frente. – Não acha?

- Huh. – Hiyori murmurou. Ela não discordava disso. E, julgando pelas marcas de arranhões nos braços do desconhecido e marquinhas de mordidas mal escondidas por bandaids em seus dedos, ele parecia estar falando sério.

E, para continuar perseguindo um filhotinho malcriado por uma semana para poder levá-lo para um abrigo... Talvez ele não fosse uma pessoa ruim, afinal.

Mesmo que tivesse um gosto péssimo e uma maneira estranha de se apresentar. Sério, quem tem um ego tão grande para se chamar de Deus?

Ela suspirou. Lá se fora sua noite de sexta feira.

xxx

Ao invés de um café, ambos foram parar num pet shop a duas quadras dali. Isso porque o desconhecido – Yato, ela lembrou-se, o nome dele era Yato – insistira que fazia parte do protocolo checar para ver se os gatos abrigados estavam saudáveis antes de levá-los para interagir com pessoas.

O gatinho não gostara muito de ser examinado, e muito menos de tomar vacinas – ela teve de segurá-lo forte enquanto ele tentava sair correndo.

O maior acontecimento da noite não era esse, porém. Aparentemente, Yato tinha uma relação problemática com a dona do estabelecimento. Isso, ou ela não via problema nenhum em dar um soco em pessoas assim que elas entrassem pela loja.

- É uma rixa antiga, - O gerente, um homem de uns vinte poucos anos e que usava óculos, tinha a explicado enquanto os dois discutiam. – É melhor deixar esses dois de lado.

Hiyori ficou com vontade de ir para casa algumas horas pela tamanha estranheza da situação – mas a pequena bola de pêlos e todos os outros animais da loja tinham a convencido a ficar.

Além disso, ela tinha de ter certeza que Yato levasse o pobre gatinho até o “café” que ele ajudava. Não confiava muito nele ainda.

- Ok, está tudo certo agora! – Falando no diabo. A garota desviou os olhos nos itens de animais para observar o garoto e sua tentativa de levantar o gato em comemoração – não foi muito efetivo, já que o pequeno só arranhou a sua mão e pulou para longe dele.

- Ah, vamos Yukine! – Yato bufou, agachando para olhar o animal.

- Yukine? – Ela se aproximou dos dois.

- É! – O garoto abriu um de seus sorrisos característicos. – É o nome que eu acabei de dar para ele! Perfeito, certo?

- Eh. – Ela sentiu a vontade de perguntar onde ele tinha ganhado o direito de nomear o filhote que gostava mais dela, mas ficou quieta. Até que o nome era bonitinho. – É, claro...

- Ok, agora temos que levar você para o café! – Yato estendeu uma das mãos na direção de Yukine, só para tê-la arranhada outra vez. – Augh!

Hiyori teve vontade de rir quando ele caiu para trás e segurou sua mão machucada. Ela agachou perto dos dois e tomou o gatinho delicadamente em seus braços, levantando.

- É melhor eu fazer isso. – Ela sorriu para ele. Yato a observou por um tempo – seus olhos azuis vibrantes chegaram a deixá-la um pouco incomodada – antes de ficar de pé.

- Vamos? – A garota ofereceu um sorriso sem graça, vermelha que ele ainda não tinha parado com aquela expressão estranha. Como se tivesse saído de um transe, Yato piscou – e assentiu.

- Ah, claro, vamos.

Silêncio.

-... Eu não sei onde é o café, Yato. Que tal você me guiar? – Ela comentou. O garoto, piscando outra vez, riu levemente antes de puxá-la pelo braço outra vez. Ambos se despediram dos funcionários da loja e saíram pela porta.

O café não era tão longe, só a algumas três lojas de distância. Havia mais pessoas andando por aí, e algumas também podiam ser vistas lá dentro, sentadas numas poucas mesinhas. No letreiro de madeira ao lado da porta, lia-se “Coffee and Whiskers” em letra cursiva.

A garota lembrou-se de suas amigas comentando sobre esse lugar alguns dias atrás – era um daqueles novos cafés que tinham surgido recentemente, onde você pagava para passar um tempo com animais e aliviar o estresse do dia a dia. Então Yato trabalhava num lugar como esse?

Ela não pôde evitar o sorriso que se apoderou de seu rosto; tinha se arrependido de atacá-lo mais cedo. Para passar uma semana perseguindo um gato de rua... É, aquele lugar definitivamente combinava com ele.

Ao segui-lo pela porta de entrada, Hiyori foi tomada pelo susto pelo borrão de rosa que surgiu do nada e pulou em cima de Yato.

- Ah, Kofuku! – Ele, parecendo estar acostumado com isso, rodopiou a desconhecida vestida com um vestido de garçonete antes de colocá-la no chão. Depois, ela pareceu perceber sua presença – e a de Yukine.

- Ah, é esse o gatinho que você estava procurando antes? – Ela chegou mais perto, e levantou os olhos para Hiyori. – E quem é essa? – Perguntou com um sorriso.

- Ela se ofereceu para trazê-lo até aqui! – Yato sorriu de um modo triunfante, colocando as mãos nos quadris.

Se ofereceu? Você me arrastou até aqui, lembra? A garota sentiu uma gota descer por sua testa.

- Ah, sério? – Kofuku pareceu animar-se com isso, fitando-a com os olhos brilhando. – Você gosta de gatos?

- Gosto...? – Ela respondeu com um sorriso sem graça. A outra então soltou um gritinho de alegria, puxando-a – e assustando Yukine, que se enroscou mais no braço em que se apoiava- até perto do balcão.

- Olha só, Daikoku! Temos uma nova cliente! – Ela falou animadamente para o homem que acabara de ligar a cafeteira. – E um novo gatinho também!

- Ah, - O homem – alto, cabelo castanho e grande – se virou, encarando-a. Hiyori engoliu em seco, subitamente nervosa. – Bem vinda. Foi você que achou?

- Fui eu! – Yato exclamou da entrada, marchando até alcançá-los. O homem não lhe deu nenhuma atenção, porém, preferindo examinar Yukine mais de perto. O gatinho se afastou do dedo que tentou tocá-lo, chiando.

- Ele parece assustado. – Daikoku comentou, encarando o garoto – que ainda parecia levemente irritado – com a testa franzida. – O que você fez dessa vez?

- Nada! Ele já estava assim quando eu o achei! – O “faz-tudo” respondeu, emburrado, e depois apontou para Hiyori. – Só ficou calmo com essa garota aí.

Essa garota? Ela pensou, estreitando os olhos. Olhou novamente para Kofuku, que tinha uma expressão pensativa no rosto.

- Hmm, mas se for assim não vai dar para deixá-lo com os clientes... – A mesma fez um rosto triste, se virando para Yato. – Acho melhor deixar ele uns tempos com a Visha.

- Não dá. – O garoto protestou, cruzando os braços. – Aquela mulher já encheu a loja até o teto de animais. Não acho que dê para levar outro para lá.

- Mas ele é um filhote! Não pode ficar sozinho na rua... – Hiyori escolheu esse momento para intervir. Os três olharam para ela.

- Bom, isso é verdade, mas... – Kofuku fez bico. – Se ele não puder interagir com ninguém do café, vai ser um problema manter ele aqui...

- Hm... – Yato colocou uma mão no queixo, parecendo debater consigo mesmo sobre o assunto. Ele olhou novamente para a garota que conhecera recentemente, para o gatinho em seu colo, e seu rosto se iluminou. – Já sei! Podemos usar ela!

- Eu? – Hiyori sentiu uma gota descer pela testa.

- Bom, o Yukine parece só se sentir seguro com você. Então, se você ficar perto dele enquanto acostumamos ele a conviver com outras pessoas, ele pode perder esse medo! – O garoto explicou com o dedo indicador erguido.

- Ah, isso pode dar certo! – Kofuku juntou as duas mãos, assentindo alegremente. Depois, ela se virou para Hiyori. – Você se importa de ajudar?

- Uh... Não, eu... – Ela olhou para o gatinho ainda enroscado em seus braços. Seus pais não a deixariam adotar um animal de estimação, e não queria que ele tivesse de voltar para a rua sendo tão novinho... – Se for para manter ele aqui, eu não me importo.

- Isso! Viram, eu consigo resolver qualquer coisa! – Yato comemorou com um sorriso confiante, para depois pegar um celular do bolso e encarar a tela. – Bem a tempo do meu outro emprego, também! Bom, foi ótimo ajudar vocês-!

- Pode parar por aí. – Daikoku o interrompeu, puxando o garoto que já se dirigia à porta pelo lenço estranho que ele estava usando. – Você acha que vai deixar todo o trabalho para uma garota fazer?

- Do que você tá falando? Eu já fiz meu trabalho, olha! – Ele apontou para Yukine, que chiou em sua direção.

- Trazendo um animal que não podemos usar? Que ótimo trabalho você fez. – O homem encarou-o com raiva. – Você vai ficar ajudando até que ele consiga ficar com os clientes.

- Mas esse gato me odeia!

- Então você vai ficar aqui até que ele consiga te aturar! – Ele esbravejou, acabando com qualquer outra reclamação que Yato poderia fazer. O garoto foi deixado a dar resmungos contrariados enquanto o mais velho voltava para o balcão.

- Eu não acho que isso seja uma boa ideia... – Hiyori murmurou para a dona do café, apreensiva. Kofuku direcionou seus olhos para ela e sorriu.

- Não se preocupe! O Yato trabalha com muitas coisas aqui, então ele sabe o que fazer.

A garota direcionou os olhos para o mesmo, que parecia querer estragar o tecladinho de seu celular de tão rápido que estava clicando. Como dizer... Ela não tinha um pressentimento muito bom quanto a isso...

A garota olhou novamente para Yukine – que parecia querer descer, cansado de ficar fora do chão por tanto tempo – e decidiu que, pelo bem dele, teria de fazer isso funcionar.

xxx

E foi assim que ela se encontrou dentro de um café com serviços felinos em uma tarde de sábado. Os donos tinham sido agradáveis com ela até o momento, e ela tinha até ganhado o privilégio de passar um tempo com os gatinhos sem pagar pela ajuda que estava dando.

O único problema nisso tudo era, bom, Yato.

Ele podia ter boas intenções de início, só que o mesmo não parecia muito interessado em ajudar no momento – só a ficar deitado num dos sofás, resmungando.

Hiyori o encarou pelo canto do olho, desviando a atenção de Yukine – que parecia entretido com um rolo de lã, por mais cliché que isso fosse – e bufou. Se ela queria ter essa situação resolvida o mais cedo possível, teria de tomar a iniciativa.

- Ei, Yato. – Ele desviou os olhos do teto para o rosto dela, parecendo lembrar-se que ela estava ali. – Eu sei que você não quer fazer isso, mas isso vai demorar menos se você vier me ajudar, não acha?

O garoto piscou, e sentou-se no sofá virado para sua direção.

- Bom, garota, eu já tinha dito que vai ser impossível fazer esse gato aí gostar de mim-

- Hiyori.

- Eh?

A garota o encarou.

- Se vamos ficar aqui por não sei quantos dias até o Yukine se acostumar com você, é melhor que você saiba meu nome.

- Ah, ok, Hiyori. – Ele assentiu, para depois continuar. – Como eu estava dizendo, não acho que isso vá dar certo. Então seria muito melhor se você convencesse aqueles dois a me liberarem, não acha?

- Não. – Ela o fuzilou com os olhos. – E se você não vier aqui agora, eu juro que te trago à força!

- Tá, tá, já tô aqui! – O garoto foi apressado até ela, sentando-se com as pernas cruzadas e o rosto emburrado. A garota sorriu internamente; pelo chutá-lo tinha servido de alguma coisa.

- Ótimo. Agora, - Ela virou-se para o gatinho enrolado em fios de lã, e pegou-o delicadamente, pondo-o no chão entre ela e Yato. – Tenta fazer carinho nele.

O garoto a encarou como se dissesse “isso não vai funcionar”, mas estendeu sua mão da mesma forma. Yukine, ao perceber o movimento que ele fizera, foi rápido para fugir para debaixo do sofá.

- Viu? – Ele bufou, cruzando os braços.

- Hmm. – Ela não iria desistir tão fácil. Puxando a mochila mais pare perto, ela tirou uma varinha simples com plumas na ponta e estendeu-a para ele. – Tenta brincar com ele.

- Isso não vai-

- Só tenta!

- Ok... – Suspirando, o garoto levantou-se, agachando perto do gatinho, e começou a mover o brinquedo para os lados para chamar sua atenção. Yukine foi rápido para morder a isca, lançando-se para frente na tentativa de pegar as plumas.

- Funcionou! – Hiyori sorriu, vendo o gatinho pular para o alto outra vez. – Vamos, continua! – Ela falou para o garoto, que também parecia surpreso com a reação do mesmo. Ele continuou a mover as plumas toda vez que o pequeno tentava alcançá-las, abrindo um sorriso depois de um tempo.

- Vamos, Yukine! – Yato manteve o brinquedo à altura do gatinho, só para levantá-lo quando este tentou o alcançar. – Demorou muito!

Hiyori sorriu levemente ao ver os dois interagirem. Para quem não estava querendo ajudar, o garoto parecia bem à vontade. Uma risada borbulhou de sua garganta quando Yukine rolou no chão depois de pular, e isso pareceu chamar a atenção de Yato, que olhou em sua direção.

Ele ainda mantinha o sorriso de antes – ela não pôde deixar de notar o quanto ele ficava bem assim – e abriu a boca para falar alguma coisa, só para ser interrompido quando Yukine conseguiu tirar o brinquedo de suas mãos.

- Ah, espera! – O garoto tentou futilmente alcançar a varinha, e tentou pegá-lo pelo vão debaixo do sofá onde o gatinho tinha ido se esconder – só para ser mordido outra vez. – Augh!

A garota encarou-o com uma gota enquanto ele continuava a olhar para o sofá. Foi aí que ela decidiu partir para o plano B.

- Aqui, vamos tentar isso. – Ela tirou um pote retangular de sua mochila, colocando-o no chão. Os olhos de Yato começaram a brilhar, e ele se aproximou dela rapidamente.

- Isso é comida? – Ele foi pegar o pote, só para Hiyori tirá-lo de perto de suas mãos rapidamente.

- Não é para você. – Ela abriu o pote, revelando uma série de petiscos para gatos devidamente arrumados com até o que parecia ser sardinhas num canto.

- Você fez uma marmita para ele? – Yato a encarou, e as bochechas da garota se tingiram de rosa.

- E-eu não tinha outros potes para usar! – Ela tentou se justificar, - Eu nunca tive um gato de estimação antes, então eu...

- Eh... – O garoto a encarou, curioso. – O que mais você tem aí?

- Bom, uh... – Ela tirou um ratinho de pelúcia, um borrifador de água, um peixinho de plástico e mais alguns brinquedinhos da mochila. Yato pegou o borrifador com um sorriso maquiavélico nas mãos, só para tê-lo arrancado de si pela garota.

- Eu fico com isso. – Ela ignorou o olhar contrariado dele, colocando o objeto novamente junto dos brinquedos. - Tenta dar um desses aqui para ele, talvez isso o faça sair debaixo do sofá. – Ela empurrou o pote na direção do garoto.

- Ok, ok... – Ele pegou um dos petiscos, encarando-o por um segundo ou dois, antes de se arrastar até perto do sofá e abaixar a cabeça na altura do vão do sofá. – Vamos, Yukine! Olha o que eu tenho para você!

Hiyori encarou as costas do garoto enquanto ele movimentava o petisco levemente com uma das mãos. Depois de uns segundos, ela pôde ver uma cabecinha branquinha com uma manchinha amarela brotar debaixo do vão, seguida do resto. O gatinho foi rápido para alcançar a comida das mãos dele, mastigando-a em seguida.

- Isso! - Yato comemorou quando conseguiu que ele continuasse ali mesmo depois de terminar de comer. Mas, quando foi tentar fazer carinho nele, teve sua mão mordida – de novo.

- Talvez ele só esteja treinando os dentinhos. – Hiyori comentou, colocando o ratinho de pelúcia próximo do filhote, que não perdeu tempo em abocanhá-lo.

- Você parece saber bastante de gatos para quem nunca teve um. – O garoto comentou, virando-se para encará-la com uma sobrancelha arqueada.

- Eu andei pesquisando... – Ela sorriu, um pouco sem jeito. Depois, pareceu lembrar-se de algo. – Ah, mas você já faz trabalhos para a Kofuku há algum tempo, não é?

- Hmm. É um dos meus trabalhos mais fáceis da semana. – Ele comentou, observando Yukine enquanto este rolava com o ratinho pelo chão.

Trabalhos? Ela piscou. É mesmo, né, ele tinha até um cartão...

- Você trabalha em muitas coisas? – Yato direcionou os olhos para ela, e sorriu de um modo convencido.

- Ah, sim! Eu sou bom em muitas coisas, então me contratam para tudo quanto é emprego, sabe? Eu até posso me considerar o deus do meio-período-

- Então por que escolher gatinhos? – Ela o interrompeu com um semblante curioso o rosto. Ele piscou, franzindo a testa. Hiyori viu isso com um sinal de se explicar melhor, - Quer dizer, a Kofuku me falou hoje que você já ajuda há algum tempo, então...

- Ah, é que... – Ele coçou a cabeça. – Todos os animais daqui são de rua e... Eu sei como é isso.

Silêncio.

- Você... Também não tem uma casa...? – Ela perguntou, atônita.

- Não é isso que eu quis dizer! - Ele protestou com o rosto irritado, bufando em seguida. - Eu tenho uma casa sim, ok?! E estou a poucos dias de comprar uma mansão! ...Eu quis dizer que sei como é ser abandonado, só isso.

-... Ah. – Ela murmurou, fitando-o enquanto o garoto mantinha seus olhos grudados ao chão. Tinha a impressão de ter tocado num assunto delicado. Hiyori encarou Yukine, que cansara de brincar e tinha deitado ao lado de seu novo ratinho de brinquedo, e suspirou.

- Bom, acho que seria melhor se eu te passasse o meu número. – Ela retirou um bloco do bolso da mochila, rasgando uma das páginas e retirando uma caneta do mesmo lugar. – Caso alguma coisa aconteça, me ligue. – A garota terminou de rabiscar e entregou o papel a ele.

Yato encarou-o por alguns segundos, e pegou a folha. Depois, olhou para ela novamente com um sorriso um pouco animado demais.

-... Então, Hiyori, você tem twitter?

Ela preferiu ignorar essa pergunta.

xxx

No fim das contas, ela acabou sim passando seu twitter. Também acabou por ter contato com ele por mais tempo do que obviamente necessário, porque Yato tinha a mania de sempre chegar atrasado e sobrava a ela o dever de lembrá-lo de seu compromisso antes que Daikoku arranjasse motivos suficientes para demiti-lo.

Para ser honesta, ela até não se importava muito – apesar dele poder ter um ego gigante, ser irresponsável e um pouco irritante, não era realmente má pessoa. E, depois de uns dias convivendo juntos, tinham formado um a amizade peculiar.

Bom, pelo menos ela achava isso. E, como Yato a ligava de vez em quanto para reclamar de coisas pessoais e a respondia à posts seus no twitter, Hiyori imaginava que o sentimento era mútuo.

...Ou não. A garota ainda não se esquecera do comentário sobre ser abandonado. Será que ele só não tinha mais ninguém para falar sobre isso? Por quem exatamente ele tinha sido abandonado? Família, amigos, uma namorada antiga?

Ela andava pensando muito sobre isso esses dias. Não queria se intrometer na vida de alguém que mal conhecia direito, mas aquilo tinha atiçado sua curiosidade.

Mas foi num dia de inverno, enquanto andava em direção ao café, que os problemas de Hiyori pioraram drasticamente.

- Eh? Hiyori! – A garota piscou ao ouvir a voz familiar, e virou-se para encontrar suas duas amigas de escola.

- Ah! Yama-chan, Ami-chan! – Ela sorriu, esperando até que as duas a alcançassem. – O que estão fazendo por aqui?

- Íamos experimentar os crepes da loja nova do lado da biblioteca. – Ami sorriu para ela.

- Sim! Estou doida para provar aquele “Explosão de Morango”! – Yama uniu ambas as mãos, rosto em puro prazer como se já pudesse imaginar o gosto do aperitivo. Hiyori e a outra de cabelos negros riram da animação dela, para depois Ami perceber algo.

- Hiyori, o que é isso? – Ela perguntou, apontando para as marmitas envoltas com um lenço rosa que ela levava nas mãos.

- Ah, isso é para o Yukine. – A garota sorriu, apertando um pouco o embrulho contra si.

- Yukine? – Yama piscou, seus olhos cintilando em seguida. – Hiyori está saindo com um garoto?!

- EEEEh? – A garota de óculos ao seu lado arregalou os olhos, se aproximando da mesma.

- Ei, n-não é isso! – A de olhos rosados tentou se explicar, balançando a cabeça para os lados, bochechas pinceladas de rosa. – Yukine é o nome do gatinho que eu achei na rua semana passada! O que eu estou cuidando, lembra?

- Ah... – A jovem de cabelos curtos murmurou, soando um pouco decepcionada.

- Mas, tanta comida para um gatinho? Você não está alimentando ele demais, Hiyo?

- Para falar a verdade, mais da metade disso é para o garoto que me ajuda a cuidar dele. – Ela admitiu com um sorriso amarelo.

Silêncio.

- Então tem um garoto, afinal! – As duas exclamaram ao mesmo tempo, olhos brilhando e se aproximando até encurralarem-na perto da parede.

- Ah, esperem! Não é o que vocês estão pensando! – Hiyori tentou se justificar, tropeçando nas palavras. – Eu não gosto dele! Só estamos treinando o Yukine-!

- Então por que fazer esse lanche todo, Hi-yo-ri? – A de cabelos curtos perguntou com um sorriso malicioso.

- Isso mesmo! Você vai para esse café quase todo o dia! E, além do mais... – Ami concordou, apontando o dedo indicador para o rosto da garota. – Esse é o garoto que fica te mandando mensagens no meio da aula, não é? E que te marca em coisas no twitter...

- Então esse é o ‘Yato’?

- Vocês duas, PAREM! – Cansada e com o rosto quase explodindo de vergonha, Hiyori exclamou. Ela encarou as amigas com um olhar mortal, para depois continuar. – Eu e ele somos só amigos, ok?! Amigos. E agora eu tenho que ir, não quero deixar o Yukine esperando.

- Ah, tudo bem então. – Yama continuou rindo, acenando para a garota enquanto ela ia. – Até mais, Hiyori! Boa sorte no encontro!

Apressando o passo e tentando ignorar as amigas, a garota segurou os lanches perto de si, um bico indignado se formando em seus lábios rosados.

Que coisa que suas amigas foram inventar. Ela e Yato, o cara que se autodenomina Deus, tem mil empregos diferentes e fica a ligando de noite quando ela precisa estudar? Esse Yato? Nem em mil anos ela iria se apaixonar por ele!

...Mas, tudo bem, ele era sim bonito, tinha de admitir. E ficar perseguindo o Yukine por uma semana inteirinha só para leva-lo para um abrigo tinha sido honrável...

Ah, no que você está pensando? A garota se repreendeu, sentindo o rosto esquentar. Malditas amigas que ficam colocando coisas em sua cabeça. Tudo bem que ela nunca tivera um caso sério com alguém, e que seu último beijo tinha sido à quase meio ano atrás, mas precisava de tudo isso? Não! E agora ela ficaria pensando nisso hoje e seria vergonhoso e-

- Hiyori?

Ela congelou ao ouvir a voz, arrepiando-se involuntariamente. Droga.

- Ah, Yato! Você por aqui... – A garota se virou com um sorriso amarelo, tentando lutar contra a vermelhidão de seu rosto.

- É, eu estava indo para o café. – Ele se aproximou casualmente, não percebendo o outro arrepio da garota ao andar até seu lado. – Mas é estranho de te ver atrasada, Hiyori.

- B-bom, eu tive que ficar até o último minuto em casa fazendo comida para você, então... – Ela comentou, desviando o olhar dele para o outro lado da rua. A voz dele era tão grave assim? E rouca... E por que ela estava pensando na voz dele aimeudeus.

- Você fez as salsichas de polvo que eu te pedi? – O moreno andou com os olhos brilhando até ela, que deixou escapar um som de surpresa quando ele chegou perto demais. Dando uns passos para trás, ela tentou achar sua voz novamente para responder.

- B-bom, sim, você ficou me importunando o fim de semana inteiro por elas, então... – Ela resmungou, com os olhos no chão.

O corpo vindo ao seu encontro foi rápido demais, e ela não pôde se afastar a tempo de ser envolta pelos braços fortes que a envolveram. Hiyori arregalou os olhos, seu nariz captando rapidamente o que provavelmente era o melhor cheiro que ela já tinha sentido na vida.

- Obrigado, Hiyori! – Yato, não percebendo o desconforto da garota, continuou a abraçando até que ela saiu de seu transe e o empurrou para longe.

- N-não precisa me abraçar desse jeito! – Ela exclamou, vermelha, virando-se de costas em seguida e começando a andar. – Vamos, não quero deixar todos esperando.

- Ah, ok... – O garoto foi rápido em alcançá-la, colocando as mãos nos bolsos de seu uniforme – que ainda era o mesmo de quase a semana inteira, para variar – e um sorriso no rosto. – Você tá diferente hoje. Aconteceu alguma coisa?

- Ah... Nada de mais, não... – Hiyori respondeu, forçando um sorriso. – Só a escola sendo um pouco puxada demais.

- Oh, eu me lembro dos tempos de escola! – O garoto abriu um sorriso convencido, cruzando os braços. – Eu tirava notas ótimas, era o primeiro aluno da turma, sabia?

- Aham... – Ela murmurou, o encarando. Aquilo era meio difícil de acreditar...

- Não faça essa cara, é verdade! – Yato protestou, com o rosto lembrando o de uma criança de três anos prestes a fazer birra. Hiyori não pôde deixar de rir com isso, o que provavelmente o irritou mais, mas... Ela não conseguia se importar muito com isso no momento.

O que eu estava pensando, hein? A jovem sorriu, encarando o garoto enquanto ele resmungava sobre “garotas mal educadas de hoje em dia”. Não tem como eu gostar de uma pessoa como ele desse jeito. E, além disso, eu nem tenho que ficar pensando nisso agora...

Sim...

Os orbes cor de rosa de Hiyori viraram-se para frente por instinto, como se soubessem o que estava prestes a acontecer.

Eu tenho que me concentrar no Yukine.

O garoto caminhava um pouco à frente dela, olhos ao chão, perdido em suas lembranças de notas boas na sétima série. Tão perdido, que não percebeu quando passou da calçada para a faixa de pedestres...

No...

O sinal estava vermelho.

- YATO! – Ela exclamou, estendendo uma mão e puxando-o pelo tecido do uniforme segundos antes de um caminhão passar em alta velocidade pelo lugar onde estava. Ambos caíram para trás na calçada, ele de costas por cima dela, as marmitas com os lanches caindo uns passos para o lado.

- P-preste mais atenção, idiota! – A garota praguejou quando recuperou sua voz, coração ainda acelerado pelo susto.

- Desculpa, eu... – Ele se virou rapidamente, bem a tempo de vê-la trazer uma das mãos que tinham amortecido sua queda para perto. – Você se machucou?

- Eh? Bom... – Hiyori não teve tempo de terminar antes que uma mão grande tomasse as suas, trazendo-as mais perto para ver os arranhões. Ela corou, observando-o analisá-las com um rosto estranhamente sério, próximo do seu.

O cheiro de antes voltara com força total, e ela se via de repente com falta de ar. A garota engoliu em seco, tentando em vão se acalmar, antes que a voz dele chamasse sua atenção.

- Consegue levantar? – Ele perguntou, erguendo-se e estendendo-a uma das mãos. A garota aceitou a ajuda, notando a preocupação estampada no rosto dele. Sem falar mais nada, Yato abaixou-se para pegar o embrulho com a comida e começou a puxá-la até a rua que deviam ter seguido antes.

-... Eh, Yato? Onde estamos indo? – Ela perguntou depois de um tempo, não tendo certeza do que exatamente estava acontecendo.

- Para o café. A Kofuku deve ter algo para passar nas suas mãos. – O garoto deu uma pausa, antes de continuar. -... Desculpa.

- N-não precisa se desculpar, sério! Não foi nada demais! – A mesma respondeu, incomodada com seu comportamento fora do comum.

Ele permaneceu quieto, mas sua mão apertou a dela um pouco mais forte. Hiyori observou-o por trás enquanto ele andava, ainda confusa. Não era normal dele se preocupar tanto com algo – até aquele momento, ela achara que Yato era imune a essas coisas.

- ...Eu quis dizer que sei como é ser abandonado, só isso.

...Ou, talvez, ela só tivesse o entendido errado.

Ambos chegaram ao café logo depois, e ela deixou ser conduzida até onde Kofuku limpava uma mesa enquanto cantarolava.

- Kofuku, eu preciso do seu kit de primeiros socorros. – Ele anunciou, fazendo a mulher dar um pulo de onde estava e levantar seus olhos rosados para ele.

- Ehh? Está dentro do armário da dispensa, por que você precisa-!

A dona do lugar piscou, percebendo que o jovem tinha ido embora logo após sua primeira frase. Ela bufou, cruzando os braços e fazendo bico.

- Ele podia pelo menos esperar eu terminar de falar, né...

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Se alguém a perguntasse antes, Hiyori nunca diria que Yato pudesse ser tão delicado enquanto cuidava de suas mãos. Quer dizer, as dele tinham alguns calos – provavelmente de todos os trabalhos manuais que ele devia fazer – e estavam quase sempre sujas, por ele não ter muita noção de higiene.

Ela não podia negar, porém, que ele parecia estar fazendo tudo certo, mesmo que o remédio doesse um pouco em contato com os cortes em suas mãos.

Ele podia falar alguma coisa, não é... A garota pensou, sentindo o rosto esquentar enquanto observava, sentada numa cadeira, ele passar antibiótico nos seus machucados. Ela tinha sim dito que podia fazer aquilo ela mesma, mas Yato insistira para que ele o fizesse com aquele rosto sério e, bom, Hiyori não soubera como dizer não.

Ela fitou seus olhos azuis límpidos enquanto eles estreitavam-se em concentração e teve a breve vontade de assegurá-lo outra vez que estava bem. Por que ele estava tão preocupado, afinal? Fora só uma coisa de nada...

Deve ser só o jeito dele de lidar com as coisas. Hiyori pensou para si mesma. Se bem que... Eu nem o conheço direito para saber o jeito dele. Se eu soubesse, talvez...

A garota engoliu em seco, deparando-se com as diversas perguntas que enchiam sua mente desde a última semana. Se fosse para saber mais sobre ele... Ela tinha que tentar.

- Yato? – Arriscou, com a voz baixa.

- Hmm. – O garoto murmurou, não desviando os olhos de sua tarefa.

- O que você... – Ela hesitou, mas decidiu prosseguir. – O que você quis dizer com ‘saber o que é ser abandonado’?

Hiyori percebeu quando as mãos dele pararam de se mover, e desviou os olhos para seus joelhos. Droga, ela não devia ter feito isso, não é? Aquela pergunta fora pessoal demais para alguém que ele conhecera em menos de um mês, e agora ficaria esse silêncio constrangedor...

-... Quatro anos atrás, eu costumava viver com o meu pai e minha irmã. – Foi quando a voz dele tirou-a de seus devaneios.

A jovem levantou o rosto, observando-o enquanto ele mantinha seus orbes cristalinos nas mãos dela.

– Ele não era o melhor pai do universo; longe disso, ele vivia se metendo em coisas que não devia e nos fazendo faltar a escola para ajudar com as contas. Eu... Não queria que ele me odiasse, então sempre fazia o melhor que podia, mas...

Ele deu uma pausa, e continuou em seguida.

- Um dia, ele me disse que tinha contraído uma dívida. Algo muito grande, que não conseguiríamos pagar nem com os meus empregos de meio período. – Yato engoliu em seco. – Ele disse que iria dar um jeito de algum modo, com aquele sorriso de sempre. E eu acreditei nele... Na semana seguinte, ele e minha irmã tinham sumido.

- Eh...? E a dívida? – Hiyori piscou.

- Ainda estou tentando pagar. Eu não sei como, mas aquele velho conseguiu se meter com uma das milícias da cidade, então... – Ele suspirou. – É isso.

Ela arregalou os olhos. Então era por isso que ele tinha tantos empregos, por que sempre vivia correndo de um lado para o outro sem parar...

- M-mas... Você não tem outros parentes, mais ninguém que possa ajudar?

- Não. Acho que eu realmente vou continuar sozinho nessa, tentando sobreviver e continuando invisível para o mundo. – O garoto riu sem emoção, ainda olhando para baixo. – É engraçado, não é? Para alguém que se proclama um deus, eu não consigo nem ser importante para alguém.

Não. Algo doeu dentro de seu coração enquanto ela observava a expressão de Yato. Esse rosto não combina com você. Você devia estar sendo arranhado pelo Yukine, me pedindo coisas estúpidas e falando de seus empregos agora, e não... Não dizendo uma coisa dessas...

Você não combina com esse rosto triste, Yato.

Sem pensar no que estava fazendo, Hiyori apertou levemente as mãos que seguravam as suas, trazendo os olhos azuis dele de encontro aos dela.

- Isso não é verdade. – A garota disse com a voz decidida. – E quanto a todos os animais que você ajudou a resgatar por aqui? O Yukine provavelmente ainda estaria na rua se não fosse por você. Além disso, a Kofuku, o Daikoku, até a dona da pet shop... Você é importante para a vida de todos eles!

Seus olhos rosados se amaciaram, e ela viu-se olhando para suas próprias mãos, envoltas nas dele.

- E, além disso... Você também é importante para mim, Yato. Então não ouse falar isso de novo, ok?

- Hiyo...

Ela foi pega de surpresa pelas mãos que a puxaram para perto, mas foi rápida em envolvê-lo com os braços e retribuir o abraço apertado. Hiyori sorriu, encostando a cabeça nos ombros dele. Pelo menos agora eu consigo te entender melhor.

- Obrigado. – Ela ouviu a voz dele murmurar baixinho. Levantando uma das mãos para acariciá-lo na cabeça, a garota fechou os olhos.

- Não foi nada.

Sem o conhecimento de ambos, Kofuku ouvira a cena encostada na parede do lado de fora, um sorriso satisfeito em seu rosto.

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Mais uma semana se passou – e, com ela, foram junto as dúvidas de Hiyori. O que começara com um pequeno tombo pelo garoto de olhos claros tinha se tornado uma queda colossal, e ela não se via nem um pouco arrependida desse fato.

Quer dizer, ele tinha lá seus defeitos – muitos, que ela não conseguiria listar em apenas uma folha de caderno frente e verso (sim, ela tentara) – mas também era irresistível de um jeito que ela nunca vira antes e... Bom, Yukine era quase o filhinho deles, de um modo.

Mesmo que ele fosse um gatinho, claro.

Seja como for, ela estava de bom humor naquele dia, e passar o tempo com seus garotos favoritos só a faria ficar mais feliz. Hiyori cantarolou uma melodia sem letra, entrando pela porta do café e acenando brevemente para Daikoku, que atendia uma cliente no caixa.

- Ah, Hiyorin! – Kofuku sorriu para ela da mesa em que atendia um casal. – O Yato já chegou, ele está lá dentro com o Yukine!

- Ok, obrigada! - A garota sorriu, entrando pela porta para o espaço de relaxamento dos gatos, espiando com a cabeça inclinada para dentro.

Yato estava com o gatinho branco e cor de mel escondido entre as pernas, lutando para colocá-lo perto de outros gatos enquanto o pequeno voltava a se esconder perto dele. Ela riu um pouco – para quem não conseguia passar um minuto sem ser mordido antes, ele e a pequena bola de pêlos até que tinham ficado bem próximos.

- Ouch!

...Ou talvez nem tão próximos.

- Boa tarde! – A garota escolheu esse momento para anunciar sua presença, chamando a atenção de ambos. Yukine correu para perto dela no segundo seguinte, esfregando-se em uma de suas pernas e ronronando, e ela ficou tão distraída com isso que nem percebeu o brilho dos olhos claros do garoto ao observá-la.

- Hiyori! Você chegou na hora certa! – Ele disse enquanto ela pegava o gatinho no colo e se aproximava. – Estou ajudando o Yukine a se acostumar com os outros gatos!

- Ah, boa ideia. – A garota se sentou, tentando em vão tirar o gatinho que se prendia com as unhas à sua blusa. – Mas talvez ele não esteja tão feliz quanto a isso...

- Ora, vamos! Eles são inofensivos, olha! – O garoto virou-se para os outros felinos que se espalhavam pelo local, chegando perto de um e acariciando sua cabeça. Além dele, mais outros dois vieram para perto do mesmo.

- Eles parecem gostar de você. – Ela observou com um sorriso no rosto. Yato virou-se para ela novamente, a encarando por um momento antes de voltar-se para os gatos, orelhas levemente vermelhas.

- É porque eu trouxe a maioria deles para cá... – O garoto comentou – e aquilo era nervosismo em sua voz? – antes de continuar. – Eles me adoram por causa disso. Eu posso até ser considerado um Deus para eles, sabia?

Ah, lá vem isso de novo. Hiyori pensou com uma gota ao ver o garoto que agora tinha brilhos nos olhos. Ela piscou, porém, ao vê-lo se mover em direção à sua mochila e procurar algo dentro dela.

- O que foi? – Ela perguntou, agachando perto dele – com Yukine ainda no colo e ainda grudado a ela sem previsões de se soltar – e tombando a cabeça para o lado.

- Ahá! – O garoto exclamou em triunfo, antes de erguer um objeto ao ar.

Orelhinhas pretas de gatinho.

- O que...? – Hiyori murmurou baixo, rosto atônito, enquanto o garoto mostrava o acessório para ela.

- Olha! Com isso aqui, eu sou definitivamente o Deus dos gatos! – Ele exclamou triunfante, colocando as orelhinhas na cabeça e fechando as mãos em punhos de excitação. – Não está vendo, Hiyori? Você também, Yukine!

A bola de pelos branca com mel presa a ela olhou para o garoto com o que a mesma poderia classificar como vergonha alheia, se gatos pudessem sequer sentir isso. Hiyori também teria vontade de bater a cabeça na parede pela descoberta de Yato ter um par de orelhas de gatinho se a visão à sua frente não fosse tão cativante.

Quer dizer, aquele era o garoto idiota por quem ela se apaixonara, com orelhinhas da exata cor de seu cabelo parecendo radiante rodeado de gatinhos fofinhos que o adoravam.

Era a coisa mais fofa que ela já vira na vida.

Hiyori abriu um sorriso largo, uma risadinha escapando pelos seus lábios enquanto ela o observava. Yato pareceu levar isso de uma maneira errada, pois o mesmo fez bico em seguida.

- O que foi?

- Nada, é só que... – Ela riu mais um pouco antes de finalmente olhar para ele, notando suas pupilas contraídas; ele era mesmo que nem um gatinho. – Você está uma gracinha assim, Yato.

O garoto piscou, antes que todo o seu rosto se colorisse de vermelho. Hiyori, percebendo finalmente o que deixara escapar, sentira seu próprio rosto ficar quente. Ela desviou seus olhos para o chão, mordendo o lábio inferior e distraidamente fazendo carinho em Yukine.

- Ah, quer dizer, eu...

Ela parou de falar assim que sentiu mãos em sua cabeça, e olhou para cima – corando mais ao ver que o rosto de Yato estava a centímetros de distância, também vermelho, e que ele a encarava de um modo que fazia os pelos de seus braços eriçarem.

- Eh...? – A garota murmurou, observando-o se afastar um pouco, levantando uma das mãos para notar que sim, ele tinha posto as orelhinhas no cabelo dela.

- ... Você também fica uma gracinha desse jeito, Hiyori. – Ele disse por fim, encarando-a de frente com um olhar tímido, e ela arregalou os olhos.

O que? G-gracinha? Ele realmente pensava isso dela? E por que ele parecia tão vermelho, quase como se ele estivesse prestes a-

- Yato, você...

Ela parou de falar quando ele começou a se aproximar novamente, e viu a si mesma se aproximando também.

Não sabia direito o que estava acontecendo – mas entre as batidas fortes de seu coração e o cheiro inebriante dele que a envolvia, Hiyori só tinha certeza de que queria chegar cada vez mais perto, até que a distância entre os dois finalmente sumisse de vez...

- Hiyorin, Yato, precisamos usar a sal- Oh? – Kofuku, que acabara de abrir a porta com violência e assustar quase a metade dos gatos – entre eles Yukine, que tinha pulado do colo de Hiyori para se esconder atrás dela – piscou para os dois e abriu um sorriso malicioso. – Desculpa, eu interrompi alguma coisa?

- Não, Kofuku, tá tudo bem! O Yukine não parece estar pronto para ficar com os outros gatinhos ainda, haha, então eu vou levar ele para a outra sala... – Yato foi rápido em se afastar, agarrando o gatinho malhado com uma mão – que miou em protesto por ter sido puxado tão rápido – e se levantou, indo em direção à porta.

- Yato, aquela não é a sua mochila? – A dona da loja apontou inocentemente para o item esquecido no chão, ainda com o olhar de antes no rosto.

- ...Ah. – O garoto corou ainda mais, voltando rapidamente para pegá-la enquanto Hiyori ainda o encarava atônita e dessa vez passando direto para a porta.

Hiyori piscou, tentando acalmar as batidas de seu peito. Eles quase tinham... Se Kofuku não tivesse interrompido, eles definitivamente teriam se beijado... Isso queria dizer que ele gostava dela também? Ou pelo menos que ele queria fazer isso com ela?

- Hiyorin, tá tudo bem?

- S-sim, já estou indo! – A garota sorriu sem graça, levantando e tirando a poeira da sua saia. Estava ainda tentando decidir como agiria na frente de Yato quando os dois ficassem sozinhos de novo quando a voz de Kofuku a chamou outra vez.

- Eh? – Ela se virou para a dona do café, que tinha um sorriso divertido nos lábios.

- Você ainda está com as orelhinhas na cabeça, Hiyorin.

- Ah! – A garota corou escarlate, tirando o acessório rapidamente. – O-obrigada por avisar. Eu vou indo então!

Kofuku observou a mais nova ir até o outro quarto, parar por uns segundos na frente dele e depois entrar, ainda corada. A rosada sorriu para si mesma.

Ehehe, jovens...

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Ela e Yato permaneceram num clima tenso pelo resto do dia, seja porque ele nunca a encarava da frente ou por ela mesma não conseguir falar com ele sem gaguejar. Hiyori estava nervosa demais com a possibilidade de seus sentimentos serem mútuos para falar alguma coisa e, quando percebeu, já estava andando de volta para casa.

A mesma assoprou contra o ar gélido do fim de tarde, vendo sua respiração se condensar em fumaça. A ideia de que Yato podia gostar dela confundia seus pensamentos, e a mesma se sentia uma covarde por não ter simplesmente arrumado coragem e tentado terminar o que eles tinham começado naquela tarde.

Hm, mas se eu o beijasse, como será que ele reagiria? A garota pensou, ajeitando seu cachecol rosa em seu pescoço. Ele definitivamente coraria – do jeito que tinha corado com um elogio hoje – e talvez a puxaria para perto depois? Será que ele saberia beijar alguém direito? Quer dizer, ele era sim bonito o suficiente para conquistar pessoas, mas será que elas conseguiriam passar pelo ego gigante e idiotice dele?

Bom, eu consegui, então... Hiyori suspirou, abrindo um sorriso tímido em seguida.

Tinham acabado de se despedir, mas ela já queria vê-lo outra vez. Queria ouvir sua voz enquanto ele falava algo engraçado, queria vê-lo brincando com Yukine, e queria ver ele, simplesmente.

Será que é assim que pessoas apaixonadas se sentem?

- Ahh, eu ainda tenho que terminar o dever de casa hoje... – A garota resmungou para si mesma, triste. Ela queria dormir logo, queria ir para a escola amanhã logo e sair o mais cedo possível para ver Yato novamente.

Ela queria ouvir sua voz...

- Cheguei, mãe! – A garota falou quando finalmente passou pela porta de sua casa, deixando seus sapatos na entrada. Hiyori já estava tirando seu cachecol quando uma mensagem em seu celular chamou sua atenção.

Eh? Quem pode ser a essa hora? Ela se aproximou do telefone com passos despreocupados. Será que são as garotas?

O nome yato em sua caixa de mensagens fez seu coração acelerar drasticamente, mas não pelo motivo que ela achava que o faria.

A mensagem O Yukine fugiu do café nunca a fizera correr tão rápido.

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Hiyori teve de dar uma explicação corrida para seus pais antes de sair pela rua novamente, correndo o mais rápido possível na direção do café e tentando não esbarrar nas pessoas que ainda lotavam as ruas durante seu trajeto.

Quando avistou o letreiro familiar do “Coffee & Whiskers”, viu Kofuku e Daikoku parados na frente dele, parecendo preocupados – assim como a dona do pet shop e seu assistente. A garota engoliu em seco, parando em frente ao grupo.

- O que houve?

- Ah, Hiyorin, eu estava terminando de dar comida para os gatos e esqueci a porta do quarto em que ele estava aberta... – Kofuku foi ao seu encontro imediatamente, uma expressão terrivelmente culpada no rosto. – Uma cliente disse que ele passou por baixo das pernas dela quando estava entrando e desapareceu pela rua.

- E cadê o Yato? – Ela perguntou em seguida, olhando para os lados. Os alarmes de ‘perigo’ estavam soando em sua cabeça por não tê-lo visto ainda.

- Ele foi atrás do gato. Saiu assim que mandou a mensagem para você. – A mulher loira dona do pet shop respondeu, suspirando. – Ele pelo menos devia ter esperado, levado alguma coisa para tentar atrair o gato... Como ele espera achar um bicho que já fugiu dele por uma semana inteira antes disso?

- Eu não acho que o Yukine ainda fugiria dele como antes. – Hiyori respondeu com convicção, olhando para ela. – Para que lado ele foi?

- Ei, você realmente espera sair atrás deles a essa hora, Hiyori? – Daikoku interviu, se pondo à frente de Bishamon. – Nós pedimos para ele te avisar, mas ir assim é perigoso demais-

- Eu tenho que ir, Daikoku! – A garota o interrompeu, sua voz alta surpreendendo todos que a encaravam. Hiyori tinha uma feição preocupada no rosto. – O Yato não é o único encarregado de cuidar do Yukine, eu também sou. E, além disso, o Yukine sempre gostou mais de mim, certo? Então vai ser mais fácil se eu procurar também.

- Hiyorin... – Kofuku começou, apreensiva, mas Hiyori virou seus olhos para ela, suplicantes.

- Por favor, Kofuku. Eu tenho que ir. – Ela pediu mais uma vez.

Ela sabia que Yato era solitário. Sabia que ele poderia até ter todos dali como amigos, mas a família que ele tivera já se fora há muito tempo atrás, e...

Naquele pequeno tempo que tiveram, Yukine e ela tinham se tornado sua família. Ela sabia disso, tinha certeza, porque no fim, era a mesma coisa para ela.

- ...Ele foi por ali. – Uma voz a livrou de seus devaneios, e ela se deparou com o assistente do pet shop que apontava para o lado com uma expressão séria no rosto. – Continuou andando até a segunda esquina e depois entrou nela.

- Ah...! – Ela não lembrava o nome do homem, mas faria questão de agradecê-lo infinitamente por aquilo depois. – Obrigada!

Sem gastar mais nenhum minuto, a jovem disparou pela calçada, seguindo pelo caminho indicado – os gritos pelo seu nome mal podendo ser ouvidos em meio à sua própria agitação.

- Kazuma! – A mulher loira virou-se para seu assistente com um olhar repreendedor. – O que você pensa que está fazendo?!

- Não teria nada que nós pudéssemos fazer para impedi-la, Veena. – Ele respondeu calmamente, suspirando. – Ela estava certa quando disse que poderia ajudar. Só tente se acalmar, ok?

- E muito fácil você falar, sabia. – Ela suspirou em resposta, virando-se na direção que ela tinha ido. Também estava preocupada com o gatinho que sumira, mas... Ah, como aquilo fora acontecer, afinal?

Hiyori correu e correu pelas diversas ruas do centro comercial, gritando o nome de Yato em meio às pessoas por quem passava. Ela não se importava com o cansaço de suas pernas, do perigo que poderia estar correndo andando por aí naquela hora da noite; ela tinha de achar aqueles dois, rápido, e entender porque Yukine fugira em primeiro lugar.

Ela não fazia ideia do por que; achava que o mesmo tinha finalmente se acostumado a viver no café, então por que fugir assim, do nada?

Tinha de achar aqueles dois, e rápido...

Um som distinto chamou sua atenção; a de um miado angustiado, e ela virou seus olhos na direção em que o ouvira. Entrou pelo beco sem hesitar, atenta a qualquer outro ruído que viesse a ser feito enquanto andava pelo espaço pequeno entre os prédios, até que encontrou o que queria depois de cruzar uma esquina pequena, atrás de uma lata de lixo.

Yato estava lá, parado... E Yukine também. Ele miava incessantemente para algo no chão...

O cheiro horrível chegou a suas narinas logo em seguida, e ela sentiu seu coração gelar ao finalmente avistar o que era.

Em frente aos dois, jazia um gato morto.

Hiyori comprimiu os lábios, o cheiro pútrido do corpo fazendo seus olhos arderem. Há quanto tempo aquele gato estaria ali, esquecido? Certamente já estava se decompondo, pelo cheiro horrível e moscas que rondavam o mesmo.

Aquele gato, podia ele ser...

Ela olhou novamente para Yukine, e finalmente percebeu o que estava acontecendo.

Ele estava chorando.

A garota deu alguns passos para frente, não conseguindo achar sua voz para chamar nenhum dos dois. Ela não se viu na necessidade de fazer isso, no entanto, pois Yato começou a falar logo em seguida.

- ...Eu sabia que ele estava procurando ela.

Ela.Então era uma fêmea?

- Eu achei estranho um gato tão novo estar andando por aí sem mãe, e acabei adivinhando o que tinha acontecido. Ela parece ter sido atacada por alguém... Talvez por pedras, ou talvez um cachorro...

Hiyori engoliu em seco. Pedras? Então poderiam ter sido pessoas fazendo isso?

- Eu não achava que ele tivesse noção do que acontecera com a mãe, então não queria que ele tivesse vindo aqui, mas... – Quando Yato finalmente se virou, ela viu a tristeza refletida em seus olhos cristalinos. – Ele veio mesmo assim, no final.

- Yato... – A garota murmurou, para depois olhar para o gatinho. Ela suspirou, tentando achar forças para falar novamente – com convicção, de um modo que pudesse acalmar aqueles dois, pois ela teria que agir como o escudo dessa vez, pelo que parecia.

Hiyori deu uns passos para frente, até ele.

- Eu acho que ele já sabia. Provavelmente devia estar com medo de pessoas exatamente por esse motivo... Eu realmente não sei por que ele foi ficar calmo logo perto de mim, mas... – Ela levantou uma das mãos para pousá-la no ombro dele, e sorriu. – Você fez o possível, ok? Não precisa se colocar para baixo por causa disso. Você foi atrás dele mesmo depois dele continuar a fugir por que não queria que ele ficasse sozinho, certo?

O garoto estremeceu com isso, e ela suspirou.

- Bom, o Yukine já não está mais sozinho. Ele tem a nós dois agora, não é mesmo? – Ela ofereceu um sorriso para ele, que continuou a observar. – E você também tem a nós dois, então...

Ela observou enquanto Yato inspirava fundo, expressão de quem estava tentando se controlar para não chorar, e seu sorriso aumentou levemente.

- Vamos para casa, Yato.

E, depois de uns segundos, ele assentiu.

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Hiyori fez questão de eles enterrarem o corpo da mãe de Yukine em algum lugar para que não ficasse lá às moscas, e então os dois demoraram um tempo antes de retornarem, com as mãos sujas de terra e um gato branco e caramelo seguro, para o café.

Kofuku quase chorara de alegria ao ver que tinham conseguido, oferecendo aos dois copos cheios de chocolate quente (e mais uma tigela de leite quentinho para Yukine, que acabou bebendo tudo depois de alguma coerção), mandando-os se limpar e os enrolando em cobertores para livrá-los um pouco do tempo frio.

Hiyori ligara para seus pais avisando que estava bem – e poderia esperar uma bronca quando chegasse em casa, mas aquilo ficaria para depois – e decidira esperar mais um pouco, só para ter certeza que aqueles dois estavam bem. Afinal, Yato ainda tinha um olhar distante no rosto.

Ela estava ficando curiosa por causa disso. Estavam sentados um de lado para o outro no sofá de um dos cantinhos do café, e o mesmo parecia estar perdido em algum mundo paralelo.

- ...Yato? – Ela enfim arriscou chamá-lo, e o mesmo piscou, seus olhos focando-se novamente.

- Ah, sim? – Ele se virou para ela, copo de chocolate ainda entre seus dedos. Hiyori o observou por um momento antes de continuar.

- Você parece meio distraído. O que foi?

- Distraído? – Yato piscou, para depois corar um pouco e desviar os olhos dela. A mesma tombou a cabeça para o lado, intrigada, observando-o enquanto o mesmo se recusava a olhar em sua direção. – Não, eu só...

- Você só...?

- Eu estava pensando. – Ele começou, deixando o copo numa mesinha na frente deles, unindo seus dedos em seguida. -... No que você disse, no beco.

- No que eu disse? – Hiyori piscou. Ela dissera algo muito estranho?

- Sobre ir para casa. – O garoto respondeu por ela, voltando seus olhos para os outros habitantes do café que conversavam mais à frente. – Até você me falar naquele dia sobre ser importante, eu nunca tinha pensado que esse lugar poderia ser assim para mim, mas...

Yato abriu um sorriso, pequeno mas verdadeiro, que fez Hiyori sentir-se infinitamente orgulhosa por ter sido ela a que o pusera no rosto dele.

- Agora que eu paro para pensar, é sim. Esse lugar, essas pessoas... São como uma casa para mim. – O garoto murmurou por fim.

Hiyori sorriu mais com isso, dirigindo os olhos para Kofuku e os outros.

- Eu fico feliz em ouvir isso.

- ...Ah, mas...

A garota piscou, voltando seus olhos para ele, que agora estava olhando para baixo...?

- Hm?

- Eu não estava pensando somente nisso, uh...

- Então no que mais? – Ela perguntou.

- Bom, por que... – Yato engoliu em seco, subindo uma mão para ajeitar sua franja. – Você também disse, lá no beco... Que eu não estava sozinho, e que... Eu tinha a você e ao Yukine, certo...?

- Ah, sim... – Hiyori sentiu-se corar um pouco, lembrando. Tinha falado aquilo no calor do momento e, agora quando parava para pensar, fora um pouco óbvio demais, mas...

Ela não mentira quando dissera aquilo; muito pelo contrário.

Assim como Yato encontrara sua casa naquele lugar, ela tinha encontrado a sua naqueles dois idiotas há muito tempo.

- Você estava falando sério?

- E-é claro que eu estava! – A garota piscou, gaguejando enquanto corava mais. – Você acha que seu falaria aquilo da boca para fora?

- Não, é só que... – Ele respondeu, para depois hesitar de novo, ficando mais vermelho. – É só que, se for assim... Hiyori, eu...

Ah, vê-lo tropeçar com as palavras estava a deixando frustrada. Hiyori viu sua paciência voar pela janela e decidiu que, dessa vez, ela não agiria como uma covarde novamente.

Deixando seu copo na mesinha, ela trouxe suas duas mãos para o rosto dele e o beijou.

Ela pôde sentir a respiração dele vacilar e como o corpo dele enrijeceu inteiro com seu toque, mas, depois de algum tempo, o pressionar de seus lábios nos dele foi correspondido com fervor – o que a surpreendeu um pouco e a fez inclinar-se para trás com o movimento. Uma mão em sua nuca a puxou de volta e, depois que a surpresa passou, ela finalmente pôde sentir o calor percorrendo todo seu corpo, as faíscas no topo de sua pele, a excitação misturada ao nervosismo.

Parecia que ela estava voando.

Yato se afastou primeiro, encarou-a com um olhar indecifrável enquanto ainda ofegava um pouco e puxou-a logo em seguida, fazendo Hiyori soltar um som de surpresa ao cair com o rosto num de seus ombros.

O cheiro dele – inebriante como sempre, algo que a fazia lembrar-se do céu azul, campinas verdes e flores silvestres – a envolveu inteiramente dessa vez, assim como o rosto que se escondeu em seu pescoço, e ela se viu incrivelmente confortável, ali, naquele momento.

- Você é a melhor coisa que já aconteceu comigo. – Ela ouviu-o murmurar baixo contra seu pescoço, e o hálito quente dele somado às borboletas vibrantes em seu estômago a fizeram corar ainda mais. – Eu só... Eu te amo, Hiyori.

Quando recobrou o controle de seu corpo novamente – amo, ele tinha dito amar e não algo como gostar ou se interessar por ela- , Hiyori subiu uma mão para acariciar o cabelo macio dele, sentindo-se quente e protegida e ainda mais apaixonada por aquele garoto.

- ...Sabe, para alguém que pareceu bem perigoso à primeira vista, você até que é bem meloso. – Ela comentou, e Yato se afastou quase que imediatamente, corando mais e um pouco nervoso.

- M-meloso? Bom, eu só estou falando a verdade, então-

- Shh. – Ela o calou com um dos dedos, sorrindo calorosamente. – Eu não disse que isso era ruim, idiota. Eu te amo exatamente por causa disso.

O moreno piscou uma, duas vezes, e uma lágrima brotou no canto de seus olhos. Hiyori arregalou os seus.

- HIYORIIIIII! – O garoto exclamou, voz pingando com felicidade ao abraçá-la apertado novamente enquanto chorava.

- Ah, Yato, ei- Não limpa seu rosto na minha blusa, seu-! – A garota tentou protestar, corando escarlate, mas ele parecia não a ouvir; estava feliz demais para isso. Ela pôde ouvir uma risada e olhou para o lado, onde Kofuku a observava com um olhar alegre enquanto os outros também sorriam para ambos.

Hiyori corou ainda mais, percebendo finalmente que todos eles tinham visto tudo.

- E-eh?! Y-yato, me larga, todos estão aqui-

- Hiyoriiii, eu te amo tanto! – O garoto pareceu não dar a mínima para isso, continuando a chorar de felicidade enquanto a abraçava e esfregava o rosto no ombro dela.

- Yato-!

-Nyaa! – De repente, ela sentiu algo subir pelas suas pernas, e olhou a tempo de ver Yukine subindo em seu colo, no espaço entre o corpo dela e de Yato, e continuar a miar de um jeito que parecia emburrado.

- Ah, Yato, eu acho que o Yukine quer atenção... – A garota começou, batendo de leve em suas costas, feliz quando ele finalmente se afastou um pouco dela.

...Não foi por muito tempo, pois o mesmo apenas se afastou para poder virar na direção do rosto do gato e dar a língua para ele.

- Se ferrou, ela é minha agora!

Hiyori corou novamente – minha?! De onde ele tirara aquilo? – e iria dizer alguma coisa se não tivesse visto o brilho de irritação no qual já se acostumara a ver nos olhos de Yukine no tempo em que passaram juntos.

O gatinho mostrou as garras e, em seguida, arranhou Yato bem no braço que segurava Hiyori pela cintura.

- Augh! Ora, seu...! – O garoto trouxe o braço mais para perto, encarando com raiva o felino que agora parecia satisfeito, e que ao ser encarado pulou imediatamente do colo de Hiyori para fugir em direção do corredor. – Ei, volta aqui!

- Ah, Yato-!

A garota piscou, vendo-o já desaparecer para mais dentro do café, e suspirou. Levantou-se calmamente, tentando não corar muito com os olhares de Kofuku e o pequeno “parabéns!” que ela lhe desejara, indo na direção daqueles dois.

Ela era a única que podia mantê-los na linha, não era? Bom, aquilo não importava muito.

Hiyori parou em frente à porta aberta do quarto, olhando Yato segurando Yukine com as mãos enquanto o gatinho tentava o arranhar.

Afinal...

Ela estava em casa.

xxx

OMAKE:

- Yato, você viu meu livro de biologia? – Uma jovem de uns vinte e poucos anos exclamou de um ponto do pequeno apartamento, chamando a atenção do jovem que sentava no sofá. Ele tinha um livro nas mãos, e o encarava levemente frustrado enquanto um gatinho branco e caramelo descansava em seu colo.

- Você pode acreditar, Yukine? Como um cara desses pode-

- Ah, então aí que ele estava! – Ela apareceu pelo pequeno corredor, seus cabelos longos e castanhos presos num coque frouxo, e cruzou os braços. – Você poderia ter me avisado que estava com ele, sabia?

- Esquece isso! Hiyori! – O moreno levantou repentinamente do sofá, fazendo com que o gato em cima dele caísse com o susto e chiasse para o mesmo em seguida. – Por que tem um número de telefone aqui? E é de um cara, para variar!

Hiyori encarou seu namorado de dois anos e meio – e noivo de três meses – com um olhar monótono, antes de ir com passos fortes até ele e arrancar o livro de suas mãos.

- Esse é o telefone da clínica veterinária onde eu vou tentar arranjar meu emprego, idiota. – Ela bufou, uma veia brotando em sua testa. – E esse nome é o do professor que me recomendou para lá.

- ...Ah. – Yato piscou, abrindo um sorriso sem graça. – Desculpa?

A jovem suspirou fundo, fechando o livro e sentando-se ao lado dele – dessa vez Yukine subiu nela, muito mais seguro de que não seria derrubado agora – em seguida.

- Por que você é tão inseguro, hein? – Ela virou-se para ele com o olhar ainda repreendedor. – Eu não vou te deixar, Yato. Acho que já dava para perceber isso agora. – Para comprovar sua tese, ela levantou sua mão que continha um anel folheado em prata com uma pedra azul delicada no meio.

- ... Eu sei, é só que... – Yato coçou a cabeça, corando um pouco e desviando os olhos. Ainda não conseguia acreditar que Hiyori aceitara seu pedido – e ainda o reprendera por tê-la a feito esperar tanto. – Hiyori, você é brilhante. E só agora que conseguimos comprar um apartamento novo, então eu imaginei que...

- Que o que? Eu poderia desejar algo melhor que isso? – Ela pareceu ter acertado na mosca, pois ele se calou de novo. - ...Yato, nem todo o dinheiro do mundo me faria trocar o que eu tenho agora.

- Você tá falando isso só por falar. Se realmente te oferecessem, você-

- Ei! Eu estou falando sério sim, ok? – Hiyori virou o rosto dele com a mão, expressão aborrecida. – Eu amo o meu apartamento novo e pequeno, eu amo o nosso Yukine e eu amo você, Yato. Nada vai mudar isso.

Ele abaixou um pouco o rosto, corando novamente, e voltou a olhar para ela, assentindo.

- ...Desculpa. Eu fiquei um pouco inseguro demais por um momento. – Yato coçou a cabeça, a oferecendo um sorriso determinado. – Você vai ver, Hiyori. Eu vou comprar uma mansão para nós três!

- Hmm, nós vamos. – Ela o corrigiu com um sorriso. – Nem pense que eu não vou contribuir. E além disso, você acabou de pagar a sua dívida, Yato, não se esforce demais.

- Tá, tudo bem. – Ele bufou levemente, e desviou os olhos para Yukine, fazendo carinho atrás de sua orelha. - ...Eu ainda vou te prometer uma coisa, mesmo assim.

- Eh? O que?

- Eu vou fazer de você a garota mais feliz do mundo.

Hiyori piscou para a expressão séria de Yato, corando, antes de sorrir mais uma vez.

- Seu idiota. – Ela usou uma das mãos para puxar o nariz dele levemente, rindo. – Para de falar coisas tão melosas assim do nada!

Você não devia se preocupar com isso. Afinal...

Eu já sou.

Owari.


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Notas finais do capítulo

Eeeee aqui está!!! Infinitamente grande, e com muito fluff!!!! Espero que vocês tenham gostado!

Ah, e sobre o Omake; eu imagino que eventualmente, o Yato acabe adotando o Yukine por ter se apegado muito à ele. Então ele a a Hiyori passam a cuidar dele como antes, e quando eles se mudam para um apartamento juntos (depois que Yato finalmente paga a dívida do pai e pede a Hiyo em casamento) eles levam ele também.

Família feliz de yatori é o meu fraco, gente. Esse ship é lindo mas é também trágico e eu necessito de uma família feliz deles p/ continuar com a minha vida. ;v;

Enfim, espero que tenham gostado! Até mais, pessoal! ♥



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