Agora seus olhos já não incomodam.

Recordo-me da primeira vez que ela me fitou com aqueles olhos tão verdes e me deu um sorriso. Que não chegou a ultrapassar seus lábios inacreditavelmente carmim. Irremediavelmente meu mundo passou a ser você.

Antes de nos conhecermos, não me importava com o que qualquer pessoa pudesse pensar a meu respeito. Então ela apareceu e tudo que queria era fazê-la sorrir de verdade. Queria que seu sorriso alcançasse seus olhos. Precisava da aprovação daquela que era uma completa desconhecida.

Sabia que ela não me amava. Intuí muito antes de chegar racionalmente a essa conclusão. Marília era superior a banalidades tais como sentimentos. Ela se bastava.

Por um mês fui apenas o cara que te levava pra sair nas sextas e que você deixava antes de amanhecer sábado.

Depois você passou a ficar comigo até o almoço.

Mesmo depois de termos resolvido morar juntos tinha uma ausência em você. Como se seu espírito estivesse longe (no universo ao qual realmente pertencia?).

Consumia-me em esforços para trazê-la pro meu mundo.

Deixei meus amigos e família.

Mudamos de cidade uma semana após ter-me dito que gostaria de morar na serra. Os que permaneceram disseram que era loucura, entretanto imaginei que poderia ter aquele sorriso quando visse a casa que comprei no vale mais lindo do país.

Obviamente estava enganado.

Acho que foi quando ouvíamos aquela música e você se colocou a dançar que percebi que nunca houvera um nós.

Inevitavelmente a ideia se apossou de mim.

Não poderia existir um mundo em que ela não me pertencesse. Fiz tudo para termos a última noite perfeita.

Planejei cada detalhe. Comprei nossas passagens. Nossas bodas de papel seriam comemoradas no Atlântico.

Seu abraço quando te anunciei a viagem, loucamente, me fez acreditar que tinha conhecimento os meus planos e estava ansiosa.

Creio que em nossa última dança seu sorriso tocou-te os olhos.

Foi mais ardente na cama do que em nossa lua de mel.

Enquanto dormia em meus braços pensei em desistir. Talvez ela me amasse afinal. Vi seus olhos fixos em mim e já não sabia se sonhava ou recordava. Revivi cada segundo ao seu lado num átimo. E soube que se a amasse deveria libertá-la. Terminei me decidindo a seguir o plano até o fim.

Naquele transe que acompanha grandes momentos de paixão e morte atravessei o navio, vazio àquela hora, e me deixei cair no abismo.