Ganz Zufaellig escrita por Inktrap


Capítulo 1
Ganz Zufaellig




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Futebol é um jogo muito simples: 22 homens correm por
90 minutos atrás de uma bola, e no final os alemães vencem.

- Gary Lineker

Ganz Zufällig

- Foi mal, eu não te vi...

Aquela, Schuldig pensou, era uma desculpa que as pessoas não usavam com freqüência ao esbarrar nele.

Não disse nada, esperando por um telefone ou um convite para visitar um apartamento 'só para checar se ele estava bem mesmo'. Quando o convite não veio, Schuldig olhou para quem havia tropeçado nele.

Ken levou a mão à cabeça. Ela estava doendo após esbarrar em alguém na loja de artigos desportivos, mas não fora o encontro violento que a deixara latejando.

Ele notou o cabelo ruivo, estranhamente familiar, e levantou o rosto após pedir desculpas pelo encontrão.

- Você?

O telepata dos Schwarz deu um meio sorriso condescende, como se a falta de tato não lhe surpreendesse nem um pouco.

Tinha uma vaga lembrança de Siberian, que logo tornou em uma sabedoria detalhada ao invadir a mente do moreno e descobrir seu passado em questão de segundos.

Ken franziu o cenho e deu um passo para trás, desnorteado.

- Que diabos..? - Piscou os olhos com força, tentando afastar a tontura que o telepata lhe causara. Quando se recuperou, tornou a olhar para o outro com desconfiança.

Schuldig teria permanecido ali até ficar entediado, e os dois trocariam olhares tal qual dois predadores se encarando antes de iniciar a luta. Enretanto, Ken interrompeu o curso natural dos acontecimentos.

- O que você tá fazendo aqui?!

Até Ken notou o quanto sua própria pergunta fora irremediavelmente estúpida.

Schwarz tinha sua própria vida além dos crimes pérfidos que cometia - não era como se um assassino que trabalhasse numa floricultura e desse aulas de futebol para crianças pudesse dizer algo sobre isso - mas Ken também estava ciente de que um telepata a serviço de um vidente não deveria conhecer a palavra 'coincidência'.

Schuldig não devia satisfação nem a Craword, mas foi com um sorriso sincero que respondeu à pergunta do outro. Ergueu uma camisa que colocara na cesta de compras.

Ken arregalou os olhos.

Havia milhares de coisas para se dizer e nenhuma delas era inteligente o bastante. A única frase que ele conseguiu pronunciar saiu da sua garganta quase que cuspida com desprezo e choque.

- Eu não acredito que você torce pra Alemanha.

---



O segundo encontro não foi muito bem um encontro. Eles - Weiss e Schwarz - estavam numa missão. A missão oposta, como sempre. O telepata atirou nele e Ken desviou quase sem querer: as pessoas não tinham mesmo muita sorte com isso, nem Kase tinha acertado. Não que isso importasse muito, porque Farfarello aparecera em seu caminho e Yohji interceptara o telepata. Ken não conseguiu falar uma palavra sequer com Schuldig.

Não que ele quisesse, óbvio.

---



No fim de seu terceiro encontro, ambos estavam respirando pesadamente, tentando limpar o suor do corpo. Ken estava ligeiramente horrorizado. Schuldig ainda tinha um sorriso nos lábios.

- Eu não acredito no que acabamos de fazer.

- Ora. Não foi tão ruim assim.

- Eu acabei de jogar futebol com você.

- Contra mim.

- E ainda deu empate!

Ken não pode esconder o orgulho ferido.

Ele estava dando aula para as crianças quando o telepata aparecera. Elas logo perguntaram quem era o gaijin-san, insistindo em uma resposta - que Mastermind prontamente dera ao perguntar se podia jogar. Os meninos riram. Afinal, um gaijin-san que usava sobretudo e não tinha chuteiras apropriadas não iria vencer o Ken-kun nem que o Ken-kun tentasse perder de propósito.

Schuldig olhou para elas com um sorriso de quem odiava crianças e Ken imediatamente concordou com uma partida.

A alegria dos garotos morreu quando notaram que talvez, só talvez, o treinador deles não conseguiria vencer um gaijin bem apessoado demais para jogar futebol. Mesmo com o empate, Schuldig se deu por satisfeito. Já havia deixado uma pequena camada de sujeira no mundo. O dia de alguém ficara infeliz por sua culpa.

- A culpa é toda sua. - Ken constatou o óbvio, esfregando uma toalha contra o rosto e procurando uma garrafa de água. Quando Schuldig lhe entregou a sua, Ken encarou o telepata, desafiando-o a continuar a provocá-lo.

- Oh, sinto muito. - Schuldig aceitou o desafio de bom grado e sorriu alegremente, como se houvesse acabado de lembrar-se do que Kase havia feito. A memória ainda estava evidente e ao seu alcance, tão fresca como se fosse dele mesmo. Por um segundo, Schuldig até achou que fosse.

- Você roubou. Esse resultado não vale. Esse seu poder...

- Eu não li nada sobre a proibição do uso de telepatia nas regras da FIFA. - Não era como se Schuldig fosse adepto do fair play. - Além do mais, meu poder não funciona com você assim.

Ken olhou para ele como se Schuldig estivesse perdendo o último resquício de sanidade que ainda possuía.

- Por que você acha que luto contra... - Schuldig precisou recorrer à mente de Ken para lembrar do codenome de Yohji. - Balinese?

- Porque você acha ele bonitinho? - até Ken se perguntou o que diabos ele havia falado. - Eu não sei. Eu não consigo ver nenhum motivo. Por que você iria querer lutar com ele?

- Para não lutar com você. Seria uma tarefa um tanto quanto complicada. Você - Schuldig pareceu refletir - é um homem de ação.

- Puxa, - Ken franziu as sobrancelhas. - Obrigado. Eu acho.

Schuldig suspirou como se o mundo estivesse mesmo perdido, e não precisasse de ajuda nenhuma da Schwarz para isso.

- É difícil ler os pensamentos de quem não pensa, Siberian.

---



O quarto encontro foi na floricultura. Tudo bem que os homens da Schwarz eram loucos, mas Ken não sabiam que eram tanto assim. Graças a Deus naquela manhã a Koneko era só dele. Aya não pegava o turno da manhã. Omi estava fazendo uma entrega. Yohji, que deveria estar ali com ele, estava "puxando um ronco no quarto, depois eu pego um turno seu, tá, KenKen?". Ken nunca agradeceu tanto pelo cochilo matutino de Yohji.

- Sabe, Siberian, - Schuldig disse, pagando um imenso buquê de rosas brancas. - Fico muito triste que você desconfie da minha falta de tato.

Todas as garotas que estavam ali olhavam de forma estranha para Schuldig. Algumas até ousaram se aproximar um pouquinho, como se ele estivesse ali para compensar a ausência dos outros três. Isso distraiu Ken tanto que ele mal entendeu as palavras do telepata.

- O- O quê...?

- Vamos dizer que foi tudo cuidadosamente planejado.

- Ah, é, é...?

Ken segurava as flores que Schuldig escolhera entre os braços com o ar meio perdido. Nem conseguiu montar um arranjo. O papel e o laço de fita estavam em cima da mesa, só esperando que Ken recuperasse a ação para transformar uma porção de rosas num buquê.

O que diabos Schuldig estava fazendo ali...?

- Vim visitar você. - ele respondeu à pergunta mental de Ken em voz alta, arrancando do moreno uma reação imediata. Ken deu um passo para trás e apertou mais as flores entre os braços.

- Hmn, Ken-kun, - uma das garotas mais atrevidas - Ryoko-chan, se ele se lembrava bem - encostou no balcão. - Ele é seu amigo?

Ken quase esbarrou na cadeira atrás de si e caiu.

Tem certeza de que você não foi expulso da J-League porque tinham medo de que você tropeçasse na bola?

- O que você disse-?!

Só quando Ryoko arregalou os olhos ele percebeu que Schuldig não havia falado aquilo em voz alta.

- Ora, Siberian, você não precisa gritar com ela... - Schuldig deu um sorriso tão falso que Ken quis poder enfiar o punho na sua cara.

- Não, tudo bem... - Ela franziu as sobrancelhas, colocando uma das pernas atrás da outra. Segurou na barra da saia. - Eu fui indelicada. É que ele te chamou por um apelido, então...

Oh meu Deus. Schuldig havia o chamado pelo seu codenome numa floricultura lotada e as garotas achavam que era um apelido carinhoso.

- A gente só queria saber se você podia apresentar o seu amigo para a gente. - uma das amigas de Ryoko completou, apoiando as mãos nos ombros dela. Ken teve que refazer sua opinião sobre Ryoko ser atirada. - Meu nome é Kaede. Muito prazer!

Schuldig não parecia afetado pela súbita popularidade na Koneko. Pelo contrário: ele era todo sorrisos. Ken aproveitou sua distração para terminar de arrumar as flores. Assim que entregou-as para Schuldig, entretanto, as garotas tornaram a se amontoar ao redor de ambos.

- Para quem são essas rosas? - Ryoko perguntou, olhando o tamanho do buquê. Ele era quase tão grande quanto o preço que Schuldig havia pago por ele.

- Você tem namorada? - Kaede interveio.

- Hmn.... Não é bem uma namorada. - Ken quase engasgou com a resposta de Schuldig. Imaginá-lo com uma garota era... Bom, não era tão difícil assim. Até Aya, que tinha o charme de uma porta, conseguia centenas de garotas atrás dele. Schuldig não só era bonito como um pouco mais sutil que Yohji, então não era de se admirar que várias meninas estivessem interessadas. Só que Schuldig não só era um assassino como também um psicopata que conseguia ler mentes e-

Isso é ótimo na cama. Não espero que você compreenda, Siberian, levando em conta a sua experiência. Ou a falta dela.

Ken queria acreditar que não, o telepata da Schwarz não havia feito um comentário sobre sua vida sexual. Sua sanidade agradecia.

- É uma amante? - as garotas se empolgaram, palpitando. Schuldig só respondeu com uma piscadela. - Uma mulher casada?

Quando o telepata saiu da Koneko, as garotas também abandonaram o lugar, deixando Ken sozinho com uma nota de 10000 yen na mão e a ligeira impressão de que Schuldig seria um rival à altura de Yohji se eles resolvessem competir.

---



O quinto, o sexto e o oitavo encontros decorreram perfeitamente bem, somente com uma ligeira interrupção no sétimo, quando Ken arruinou o sobretudo favorito de Schuldig com suas garras. Schuldig devolveu no nono, deixando Ken fora de ação por dias com o braço engessado. O dia em que Ken tirou o gesso foi o décimo encontro. Os dois sentaram num bar e Schuldig pagou para Ken um sanduíche que ele não comeu, com medo de estar envenenado.

Era junho de 98 e a Copa do Mundo estava sendo realizada na França. O Japão estava no grupo H, mas não era nesse jogo que eles estavam interessados.

- Então você torce para o Brasil? Hmn, inesperado, vendo que você jogava pela J-League.

- Lógico! Os brasileiros são ótimos. Eu só fico surpreso por você torcer para- para a Alemanha, de todos os times.

- Eu sou alemão.

- Explica o cabelo vermelho. E o nome.

- Você é um gênio, Siberian. Schuldig não é o meu nome de verdade.

- Então qual é? - Ken fechou o rosto. - Não que eu esteja curioso ou qualquer coisa assim. É só que não é justo. Você sabe o meu nome verdadeiro.

- Eu sei tudo sobre você.

Ken engoliu em seco e ficou calado - o que foi bom, porque o jogo havia acabado de começar. Schuldig não tinha certeza se iria conseguir calá-lo a tempo caso ele resolvesse discutir.

O jogo era Brasil versus Marrocos, e Schuldig passou uma hora e meia com a cabeça apoiada na mão, olhando para Ken vibrar a cada gol que o Brasil fazia. O jogo deixara de ser emocionante depois do primeiro. Vieram um segundo e um terceiro, todos para o Brasil. Marrocos não estava nem tentando.

Quando o segundo tempo acabou, Ken quase se pegou abraçando Schuldig, que olhou de volta para ele desconfiado.

- Uh. Não é nada disso. Seja lá o que você tiver pensando. - Ken argumentou, notando um ligeiro divertimento nos olhos azuis do alemão. - É só que eu tive que comemorar, né. Tava muito puto. Graças àquela missão idiota estava de cama bem no dia do primeiro jogo. Nem vi a Escócia perder.

- Hmn, entendo. - Schuldig descobriu que entendia mais do que desejava. - O Brad me mandou fazer um trabalho ontem, no exato momento em que a Alemanha goleou os Estados Unidos... Ele realmente consegue ser um filho da mãe quando quer.

O telepata não precisou nem olhar para Ken para ver sua confusão. Ela se refletiu claramente em seus pensamentos.

Brad?

Schuldig rolou os olhos.

- Crawford, Oracle, que seja. Sempre luta com o Fujimiya. - Ken não quis saber por que motivo Schuldig sabia quem era Aya. - Alto, moreno. Usa óculos e sempre está com aquela cara de azedo. O americano... Hey. É verdade, ele é americano! Tenho certeza de que foi por isso que ele não quis me deixar ver o jogo. Fez de propósito!

Por um segundo, Schuldig pareceu bastante ultrajado. No segundo seguinte, entretanto, seu tom mudou.

- Ele vai ver só, - ele disse de forma vingativa. - Vai ficar sem sexo por uma semana!

---



Uma semana depois e ele ainda não havia se encontrado com Schuldig. O vira de relance numa missão, é verdade, cinco segundos antes de Farfarello enfiar a sua cabeça na parede e ele não ver mais nada.

Aquilo não contava. Nem conseguira perguntar para Schuldig se ele dissera aquilo que Ken achava que ele dissera sobre Crawford.

A última vez que lembrara do comentário foi quando viu o telepata - rapidinho, rapidinho. Tentou ignorá-lo mas o estrago já estava feito. Imaginou por cinco segundos uma cena que ele não queria imaginar nem morto, se distraiu, e Farfarello teve tempo de deixá-lo com uma enxaqueca e diversos hematomas.

Pelo menos Ken havia conseguido espanar aquele pequeno pedaço de informação não desejada para um canto obscuro de sua mente e não pensar mais nele. Não até estar sozinho na Koneko novamente e uma outra visita inesperada parar em sua porta.

- Merda. - gemeu baixinho, afundando a cabeça entre as mãos após encarar Crawford e lembrar do que não queria.

Era horário de aula, então a floricultura estava vazia. Crawford entrou com passos lentos e as mãos nos bolsos. Ken se lembrava vagamente dele desviando dos golpes de Aya.

- Errr, bom dia. Posso ajudar? - Ken tentou oferecer o seu melhor sorriso de atendente de loja.

- Sim. Recebi duas dúzias de rosas brancas daqui. Muito bonitas. - Crawford disse ao se aproximar do balcão. Ken não achou que poderia viver depois de Crawford admitir ter ganhado de Schuldig um buquê de flores que custara aproximadamente cem dólares. Esperou um ataque ali mesmo. Seu corpo seria encontrado estirado no chão da Koneko, coberto de sangue. Duas dúzias de rosas brancas estariam enfeitando o seu leito de morte.

- Pois não...? - tremeu.

Crawford olhou para o balcão como se estivesse imundo antes de apoiar-se nele. Ken tentou afastar-se, mas o outro apanhou seu braço sem dificuldade.

- Siberian. - ele disse, e Ken gelou.

Quando ele recobrou-se, arrancou o seu braço das garras do outro num gesto brusco, colocando uma distância entre ambos que Ken rezava para que fosse segura. Levantou os punhos defensivamente.

Nem Aya conseguira vencê-lo. Só o mantivera bastante tempo ocupado. Se ao menos Ken conseguisse fazer o mesmo até Yohji acordar...

- Não se intimide.

- Quem aqui está com medo, ein?!

- Oh, você sabe o significado da palavra. Muito bom. Pelo que Schuldig fala de você, achei que não tivesse a inteligência superior a um garoto da quarta série.

Ken apertou os punhos e deu um passo para trás, fazendo suas costas encontrarem a parede.

Ótimo. Não bastava estar desconcertado demais para atacar. Agora, estava encurralado também.

A culpa não era dele. Era enervante a maneira como aquele homem falava. Crawford lhe dispensava as palavras como se ele não valesse o esforço. Não era só a arrogância - o aparente líder da Schwarz também lhe lembrava, a cada minuto, das palavras de Schuldig.

- Agradeceria se você tentasse não imaginar eu e Schuldig na cama, Siberian.

- Eu já tentei! - Ken cobriu a boca com as mãos imediatamente. Bem que Yohji sempre dizia para ele que era melhor ele ficar calado. É melhor fechar a boca e deixar com que os outros achem que você é um idiota, do que abrir a boca e fazer com que tenham certeza, KenKen.

Crawford respondeu com um olhar glacial. Era impressionante como ele conseguia ser frígido até quando mandava um inimigo parar de imaginar sua vida sexual.

Era meio estúpido.

- Além do mais, como você sabe... - tentou argumentar inutilmente.

- Por favor, não me subestime. Você é tão previsível que minhas habilidades não são necessárias para ver isso.

Ken não conseguiu evitar ficar vermelho. Aquela era uma situação ridícula. Tinha certeza de que Schwarz achava a mesma coisa.

O mais estranho era que ele não ficava surpreso. Quer dizer, ele deveria estar, mas não estava. Óbvio que ficou no primeiro momento, mas quanto mais pensava naquilo - e ele estava pensando bastante - mais lógica a situação parecia.

Okay, dois caras juntos. Não era usual, mas também não era tão esquisito a ponto dele nunca ouvido falar daquilo antes. Céus, ele jogava num time de futebol. Caras gays eram toda a razão de existirem piadinhas nos chuveiros do vestiário depois de cada treino. Ken, não deixa o sabonete cair, ou Kase, seu viado, tá gostando do que tá vendo pra ficar olhando tanto?

Com isso ele sabia lidar. Não que ele fosse gay ou coisa parecida, mas ele não se sentia incomodado com quem fosse.

O problema inicial é que Craword e Schuldig não eram exatamente Crawford e Schuldig. Eles eram Oracle e Mastermind, eram Schwarz. Antes de tudo, em primeiro lugar, eles eram dois assassinos psicopatas que não sentiam uma gota de remorso com o que faziam.

Quase iguais à Weiss, é verdade.

Ken tinha ficado horas pensando naquilo, e no que Yohji falara para ele há muito tempo atrás, quando ele tinha conhecido Yuriko. Yohji havia perguntado para Ken se ele ainda conseguia abraçá-la, mesmo sabendo que suas mãos estavam sujas de sangue.

E então ele entendeu tudo. Melhor do que procurar conforto no abraço de centenas de mulheres desconhecidas ou cometer mais um crime ao busca o amor em uma só, era criar um laço com alguém próximo. Alguém que o conhecesse de verdade, que soubesse de tudo...

Um assassino. Alguém da própria equipe.

Ken precisou conter o riso ao imaginar Yohji oferecendo um buquê de rosas e promessas de amor eterno para Aya. A imagem mental não foi embora, e Ken se engasgou e perdeu o ar.

Felizmente, ele foi acordado de seus devaneios por um pigarro e um olhar mortal.

- Não- eu não estou rindo de você! - Ken levantou os olhos, ainda mordendo os lábios para não gargalhar. Sentia suas bochechas queimando.

Desvencilhou-se de Crawford com pressa. Um copo de água com açúcar depois e ele estava sentado no banco da loja olhando para o outro da forma mais séria que conseguia. Ainda tinha alguns espasmos de vez em quando, mas Ken se aguentava e Crawford o ignorava solenemente.

- Então... - agarrou a borda da cadeira, brincando com o lábio inferior. Fazia tudo para ignorar a vontade quase incontrolável de rir. - Por que veio aqui? Espero que não tenha sido só para... - mordeu a língua com força quando se sentiu tentado a fazer algum comentário sobre sua própria imaginação fértil. Crawford não precisava de mais certeza sobre ele imaginar ambos. Juntos. Vinte e quatro horas por dia. - agradecer pelas flores.

- Não.

Era impressionante como o homem conseguia ser sucinto.

- Então... huh...

- Vim para pedir que pare de ver Schuldig.

Ken não se controlou.

- Ciúmes?

O olhar de Crawford foi o bastante para fazê-lo abaixar a cabeça, embaraçado.

- Desculpa.

- De fato, a sua... amizade - a palavra foi dita com escárnio e um tanto de descrença. - com Schuldig foi um tanto benéfica para Schwarz.

- O quê?

- O seu último alvo não se encontrava no prédio indicado, que explodiu bem antes que vocês pudessem se apoderar dos documentos que denotavam o real paradeiro do homem. Não se perguntou o por quê?

- Bem, obviamente foi trabalho de vocês.

- Sim. Obviamente. - constatou. - Entretanto, precisaríamos de tempo para plantar os explosivos.

- Eu imaginei que alguém estivesse fazendo isso enquanto vocês nos atrasavam. Omi - mordeu os lábios, hesitante. Decidiu continuar. - Omi estava nos guiando de fora, pelo seu computador. Vocês só precisariam de três homens.

- Precisamente.

- Eu vi Schuldig de relance, correndo até o Yohji. O Farfarello estava batendo a minha cabeça na parede, - deu uma risada nervosa. - Aya me avisou pelo comunicador antes disso que estava com dois problemas.

- Sim. Eu e Prodigy.

Ken parou para fazer as contas.

- Oh merda. Vocês já sabiam. - Não foi uma pergunta. - Vocês sabiam que nós iamos atrás daquele sujeito.

- Sim.

- Vocês planejaram a saída dele anteriormente... A culpa é minha, não é? - Ken parecia desolado. Craford anuiu. - Schuldig viu tudo na minha cabeça, né?

- Parece que você finalmente entendeu.

O moreno engoliu em seco.

- Por que você tá falando isso tudo pra mim? Quero dizer, - ele franziu as sobrancelhas, se esforçando para dar um sorriso seco depois e não parecer tão abatido. - Se isso ajuda vocês. Schuldig podia continuar me fazendo de idiota.

Crawford ergueu uma sobrancelha.

- Certo, certo. - Ken fungou. - Você não precisa dar nenhuma justificativa. Vai embora logo, que tal? Pode apostar que eu não vou mais vê-lo.

- Schwarz não precisa disso.

- O quê?

- Não precisamos de mais um membro.

Ken se levantou imediatamente, deixando a cadeira cair com a violência do movimento.

- Está nos chamando de incompetentes?

- Sim.

- Ora, seu-

Ken havia se aproximado de Crawford em um flash. Não era como se o homem não houvesse previsto. Ele apenas não desejou detê-lo.

Quando Schuldig entrou na floricultura, Ken estava com as mãos ao redor do terno Armani de Crawford, empurrando-o contra o balcão da loja. O tilintar do sino o fez notar a nova presença ali, mas não o deixou temeroso o bastante para se mover.

- Hey! Siberian. Não pense em roubar o Crawford de mim. - Schuldig disse com um sorriso. Sabia que isso era mais efetivo do que arrancá-lo de cima do seu amante. Ken deu um pulo e se afastou do outro o mais rápido possível.

- Você! - Ken rosnou. Schuldig notou com humor a maneira dele fechar os dedos lentamente ao redor de uma barra de ferro imaginária em sua palma, como se esperasse apertá-la e fazer as garras nascerem de suas mão.

Ken sabia que ele mesmo não podia fazer nada contra dois membros da Schwarz, muito menos sem sua bug'nahk.

- Brad. O que diabos você estava fazendo debaixo do Ken? - Ken pode notar vivamente o prazer de Schuldig ao dizer aquilo. Crawford levantara-se e estava a ajeitar a camisa quando Schuldig olhou para ele de maneira significativa.

- Schuldig. - ele disse com cara de poucos amigos.

- Quê?! Você nunca me disse que ele fazia o seu tipo.

Ken segurou a vontade de sair correndo gritando por Yohji como uma garotinha. Schuldig lhe deu um sorriso simpático e cheio de pena.

- Schuldig.

- É ciúmes, não é, Brad? Pode deixar,- ele se aproximou de Ken como se o moreno tivesse o potencial destruidor de um pequeno poodle. Até colocou o braço ao redor dos ombros dele. - Eu e o Ken somos só amigos.

Crawford estava olhando para ele, então Ken não ousou pisar no pé de Schuldig por ter sido chamado pelo primeiro nome. E por ter se atrevido a insinuar que Crawford poderia ter pensado que havia algo além de amizade entre eles.

Não que eles fossem amigos, lógico.

Ken ousou olhar feio para Schuldig, entretanto, quando uma imagem horrorosa dos gostos pessoais dos dois homens da Schwarz apareceu em sua mente. Ele tinha certeza de que nunca imaginaria algo tão detalhado assim, então só poderia haver um culpado ali.

- Schuldig.

- O que, Ken? - Era ridículo como Schuldig parecia inocente e ameaçador ao mesmo tempo. Ele não estava nem se esforçando muito. Seu sorriso de anjo tinha mais dentes pontudos que o tubarão daquele filme.

- Informação demais para o meu gosto. - Mesmo que a curiosidade estivesse permeando a sua mente, ele realmente não precisava saber que o americano ficava por baixo.

Crawford interrompeu.

- Schuldig, sabe que não me importo com quem tortura nas horas livres. Gostaria, entretanto, que não se metesse com um Weiss.

O alemão franziu a testa, não parecendo nada contente.

- Mas Brad-!

E então Ken notou novamente algo que ele preferia não ter descoberto. Crawford não queria que Schuldig se aproximasse de um Weiss porque não os subestimava. Pelo contrário. Crawford havia lhe esclarecido tudo. Não fora por acaso que ele mencionara que Schuldig obtivera todas as informações de Ken. Que eles haviam plantado explosivos em um prédio. E mesmo assim, Ken, Aya e Yohji haviam escapado ilesos.

Com todos os poderes que tinham, Schwarz não fora capaz de eliminar permanentemente a ameaça que Weiss apresentava.

Brad Crawford estava preocupado com Schuldig.

Girando nos seus calcanhares, Ken olhou para o alemão. Ele retribuiu, divertido. Um brilho de crueldade passou pelo seu sorriso.

- Ah, Brad! Vamos, ele não vai me fazer nenhum mal. Olha esse rostinho redondo e desprovido de inteligência! Posso ficar com ele, Brad? Diz que sim!

---



Ken ainda estava amuado por ter sido tratado como um cachorro no décimo primeiro encontro, mas isso não o impedira de marcar com Schuldig um décimo segundo. Dessa vez, Crawford fora junto. Só para garantir.

Ele bem tentara reclamar. O que poderia fazer contra um telepata e um vidente?

"Exatamente," Crawford respondera. Ken reclamara que ai não haveria nenhuma segurança para ele, mas Schuldig replicou que era um risco que ele tinha que correr. Ken não ficara muito satisfeito. Não era como se não desconfiasse de Schwarz. Só que Schuldig estava certo.

Com horror, Ken notou que valia a pena. Três encontros mais tarde e ele teve a certeza absoluta de que estava realmente valendo a pena.

Schuldig sempre fora um tipo de companhia diferente. Não era bem agradável, mas também, nenhum de seus companheiros da Weiss também o era. Omi era um menino adorável, mas suas convicções o assustavam as vezes. Yohji era bem legal, mas só quando o convinha e não havia nenhuma mulher maior de dezoito por perto. Aya era... Bom, Aya. Aya era um porre. Até Crawford era mais divertido que ele, por mais que parecesse igualmente carrancudo. Pelo menos ele não falava da irmã.

Schuldig gostava de futebol e entendia tudo o que ele dizia. Crawford tinha tendência a filosofar. Vez ou outra, os três acabavam discutindo sobre o trabalho. Haviam, de fato, separado suas vidas como Schwarz e Weiss. Ken não era chamado mais de Siberian, era Hidaka ou Ken, dependendo do humor de Schuldig para provocações. Schuldig era sempre Schuldig. Crawford não tinha nome para Ken porque Ken não precisava chamá-lo de coisa alguma, já que não tinha coragem. Essa separação, entretanto, não havia impedido-os de conversar sobre o assunto, mesmo com o conhecimento de que, ao cair da noite, eles seriam Siberian, Mastermind e Oracle novamente.

Agora que ele tinha certeza de que Schuldig podia achar em sua cabeça qualquer informação que ele deixasse à paisana sobre algum alvo, Ken só procurava marcar algo quando não tinha nenhum trabalho por perto. Crawford e Schuldig também eram absurdamente cuidadosos para não deixar informação alguma sobre sua organização escapar.

Ele não se importava em segurar vela, mesmo porque Schuldig e Crawford não eram terrivelmente carinhosos um com o outro. Havia as piadas, claro, cortesia de Schuldig, mas Crawford parecia tão desconfortável com elas quanto ele mesmo.

Brigas aconteciam, normalmente por motivos estúpidos e sempre entre Schuldig e Ken. Crawford simplesmente não parecia interessado. Uma vez, eles discutiram por causa de um xingamento qualquer que Ken jogou contra um alemão que perdera um passe. A vingança do telepata foi extremamente cruel. O moreno teve a visão de um beijo, um roçar de corpos, e ambos os Schwarz inteiramente despidos. Durou muito mais do que o mero flash, instantâneo e completamente inócuo, de quando Schuldig queria lhe provocar. Chegou a ouvir o farfalhar dos lençois e até pequenos e controlados gemidos.

Ken foi para casa e não dormiu durante uma semana. Quando Yohji perguntou o que ele tinha, sua resposta foi imediata.

"Pesadelos."

Siberian já achava algo diferente, mas Ken se viu pensando neles como amigos.

---



Crawford detestava junk food, mas Ken e Schuldig dividiam um balde enorme de pipoca e dois copos gigantescos de refrigerante.

Ele detesta qualquer coisa que não impressione pelo preço, Schuldig comentou. Ele ensinara a Ken a não entrar em pânico ao ouvir uma voz em sua cabeça e a não tentar responder abrindo a boca. Útil para quando falavam mal de Crawford. Schuldig adorava falar mal de Crawford, tanto em sua mente quanto em voz alta. Principalmente porque podia mostrar para Ken como faziam as pazes, e isso deixava o moreno distraído por dias. As missões se tornavam um tanto mais fáceis para Schwarz.

Você o impressionou pelo preço também? Muito tempo convivendo com alguém que podia ler sua mente o ensinara a não tentar esconder o que pensava de verdade por trás de bochechas coradas e um ligeiro embaraço.

Espertinho. Você sabe que ele te odeia por aquela semana que eu deixei ele na seca, né?

É. Você tem sorte dele ter deixado você ver esse jogo da Alemanha.


E era verdade. Era um jogo qualquer da Alemanha, Ken nem sabia contra quem. Ele e Schuldig se encontravam em todos os jogos dos seus times em um lugar qualquer que exibisse o jogo na tevê e servisse comida, e o alemão levava o amante a tiracolo. Era engraçado pensar em Crawford daquele jeito, e Ken sentia uma ligeira pontinha de satisfação ao saber como o grupo que Weiss tanto temia era na realidade.

Ora, Ken. Você sabe que ele não manda em mim. Especialmente não na cama...

Schuldig, informação demais!


A expressão no rosto de Ken alertara Crawford, entretanto, que já olhava para ambos como se estivesse prestes a matá-los - literalmente.

- Sentindo-se abandonado? - Schuldig aproximou-se dele, quase caindo no riso. Até Ken quase cuspiu a coca-cola.

O jogo estava indo não muito bem para o time de Schuldig, o que fazia os dois estarem vidrados na tela. Schuldig, esperando uma reviravolta. Ken, esperando para poder se gabar sobre como seu time não fora eliminado no meio do caminho.

Crawford se recusava a tocar na mesa, em Schuldig, e em qualquer outra coisa que não parecia valer encostar em seu Armani. Schuldig e Ken estavam se divertindo. Crawford estava prestes a cometer um assassinato.

Decidiu-se apenas por uma vingança sutil.

- A Alemanha perde para a Croácia. Só o Brasil chega à final. - Crawford disse, com a facilidade de quem prevê o futuro. Schuldig engasgou-se com uma pipoca.

- Ahá! - Ken cruzou os braços. Croácia. A Alemanha perdera - perderia, em questão de minutos - para a Croácia. Ken nem sabia onde ficava isso. Estava parcialmente satisfeito.

- A França vence o Brasil, entretanto. 3 a 0.

Foi a vez de Schuldig erguer a cabeça, sorridente e aliviado. Já entendera onde Crawford queria chegar.

- Que cara é essa?! - Ken resmungou irritado. Achava que Crawford estava do lado dele. Achava que havia sido perdoado.

Achava errado, obviamente.

- Schadenfreude.

Ken não sabia uma palavra de alemão, mas a expressão de vingança e sadismo no rosto do outro deixou o significado da expressão bem claro. Schuldig só sorria assim ao ver alguma morte lenta e dolorosa.

- Não cante vitória, Schuldig. - Crawford ajeitou os óculos com um murmúrio de desaprovação. - Em 2002, o Brasil vence a Alemanha nas finais por 2 a 0.

Crawford preferiu não mencionar a derrota da Alemanha para a Itália em 2006. Schuldig já parecia prestes a ter um enfarte. Se o ruivo descobrisse a propensão de seu time a entregar títulos para os outros países, Schwarz perderia seu telepata.

FIM


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