Bloody Hands escrita por StoryTeller
Notas iniciais do capítulo
Se você gosta de finais felizes, pare no primeiro interlúdio; se gosta de estórias com finais duvidosos, pare no segundo; se você é do tipo que quer realmente saber como as estórias terminam, leia até o final.
O quarto estava escuro, grossas cortinas mantinham a luz do sol do lado de fora, a única fonte de iluminação era a parca luz vinda da tela do computador. A cadência rítmica do digitar era acompanhada pelo barulho constante do ar-condicionado.
Quebrando a monotonia do quarto, o celular vibrou, insistentemente. Devagar, ele moveu-se esticando o braço para atender.
— Alô? – A voz embriagada pelo sono.
— Oi? Alô? É você? — A voz dela estava embargada enquanto atrapalhava-se com as palavras.
— Hey, o que foi? Se acalma e me fala — Ele já estava de pé fitando o vazio.
— Eu não sei... Não suporto mais meu pai! Todo o dia é a mesma coisa! Eu já estou ficando maluca! Minha vida ta uma merda! — Ela desabou em lágrimas.
Ele ficou em silêncio por algum tempo enquanto aguardava ela se acalmar e tentava organizar os próprios pensamentos. Era óbvio que ela estava péssima, e a última coisa que ele queria era piorar a situação.
— Onde você está agora? — ele perguntou cauteloso.
Ela acalmou-se e respirou fundo antes de responder.
— Na rua — ela respondeu — Não aguento mais ficar em casa.
— Certo. Dá pra pegar um taxi pra minha casa?
— Acho que sim... Mas não tenho dinheiro pra pagar.
— Tudo bem, eu pago quando você chegar. Vamos sair pra conversar em algum lugar e você me diz o que está acontecendo, ok?
— Ok e hum... Obrigada — Ela desligou.
Ele jogou-se na cadeira e debruçou-se sobre a mesa. Os cotovelos apoiados na mesa e a cabeça entre as mãos. Respirou fundo. Jogou o corpo para trás. Voltou ao computador, salvou os arquivos, fechou o player de música e desligou a CPU.
Levantou-se, agarrou o celular e as chaves e pegou o elevador.
O dia estava nublado e quase não havia sinal do sol. Uma brisa gelada carregava as últimas folhas secas do outono.
Ele a esperava de pé no hall do pequeno prédio em que morava. Vestia calças de moletom, um casaco do mesmo material e sandálias.
Dez minutos depois o taxi chegou. Quando ela saiu do carro, ele sentiu um aperto no peito. Bolsas escuras sublinhavam seus olhos e seu nariz ainda estava vermelho.
Havia uma Starbucks a duas quadras dali. O ambiente tranquilo somado aos aromas de café e chocolate sempre o acalmavam. Ele esperava que surtisse o mesmo efeito nela.
Abriu o portão e saiu do prédio. Pagou ao taxista idoso que saiu e deixou-os a sós. Ela abraçou-o forte e afundou o rosto em seu peito. Ele ficou sem ação por um momento, para em seguida retribuir o gesto, afagando-lhe a cabeça.
***
Quando se separaram, ele tateou os bolsos em busca da carteira e percebeu que só trouxera o dinheiro para o taxi. Precisaria voltar ao apartamento para buscá-la.
Quando chegaram ao seu andar, pediu a ela que segurasse a porta do elevador enquanto iria pegar a carteira. Ela assentiu sem olhar em seus olhos. Ele entrou correndo, deixando a porta aberta.
Depois de perder algum tempo procurando a carteira na bagunça do quarto, voltou à sala e lá estava ela. De pé no centro da sala, mantinha a cabeça baixa e a pouca luz que entrava no apartamento era refletida por um objeto prateado em sua mão direita. Depois disso, tudo aconteceu em questão de instantes. O cérebro dele trabalhava a mil, imaginando os piores cenários possíveis.
Correu na direção dela e tirou-lhe a faca da mão à força, lançando-a longe. Quer fosse para matar a si mesma ou a ele, não podia deixá-la armada nas condições emocionais em que se encontrava. Ela sequer tentou resistir, apenas caiu desfalecida em seus braços.
E foi aí que ele sentiu.
Algo molhado e pegajoso começou a escorrer intensamente entre seus dedos. Como a sala estava escura, não conseguia enxergar, mas conseguia sentir o cheiro.
Logo suas lágrimas juntaram-se ao sangue.
***
Pouco tem depois já havia viaturas da polícia e uma ambulância na frente do prédio. Ela foi levada às pressas para o hospital mais próximo. Sua situação havia sido regularizada, mas muito sangue fora perdido. Se uma transfusão sanguínea não fosse feita, em breve ela morreria por hemorragia.
Quanto a ele, estava em estado de choque. Os policiais interrogaram-no inúmeras vezes, mas tudo o que ele conseguia fazer era olhar para baixo com os olhos desfocados.
Ele só disse algo quando lhe disseram que ela estava bem.
— O que aconteceu? — O policial perguntou pela centésima vez.
Os pensamentos dele voaram, e logo as palavras saíram.
— Fui eu. Eu a esfaqueei. Eu tentei matá-la.
O policial recuou assustado. Não era essa a confissão que esperava. Pelo estado de choque dele, tudo levava a crer que fora apenas um espectador que ligara para a emergência após presenciar uma tentativa de suicídio.
Quando perguntaram a ele o porquê de ter feito aquilo, ele apenas levantou a cabeça e com os olhos ainda marejados respondeu:
— Porque eu quis.
Logo corria a notícia da tentativa de assassinato. Foram atribuídos a ele inúmeros outros casos de crimes brutais. O júri foi unânime em dizer que ele era perigoso demais para ser liberto. Afinal, mesmo que os vestígios indicassem uma tentativa de suicídio, ele por diversas vezes confessara o crime, detalhando inclusive como havia atraído-a para sua casa. Sendo as confissões verdadeiras ou não era arriscado demais libertá-lo. Pelos crimes que fora acusado, notava-se um caráter frio, de um assassino que matava por prazer. Um “serial killer” como a mídia alarmista decidira chamá-lo. Logo, ele foi sentenciado à pena de morte, aguardando seu julgamento final no corredor da morte.
Em uma das poucas oportunidades que tinha de telefonar pra família, especificamente naquele dia, ele digitou um número diferente. A recepcionista atendeu e ele disse o nome da paciente com quem desejava falar. A ligação logo foi encaminhada para o quarto dela.
— Alô? — Era raro ela receber ligações.
— Oi... – Ele não sabia como começar.
— Você? Meu Deus! O que aconteceu com você?! Não tive nenhuma notícia sua! Os médicos não sabem de nada e ninguém da minha família diz uma palavra sobre o assunto!
Ele ficou em silêncio enquanto esperava a própria voz normalizar-se. Uma lágrima correu pelo seu rosto ao perceber que aquela antiga energia e entusiasmo dela haviam retornado.
— ... E-eu, eu fui condenado por tentativa de assassinato.
— Assassinato?! – Ela quase pulou do leito – Como assim assassinato?! Você tentou matar alguém?
—... Sim... você.
Ela abriu a boca para dizer qualquer coisa, mas logo as palavras perderam-se. Um raio de compreensão passou por ela quando percebeu o que acontecera. Ele colocara a culpa sobre si mesmo. Uma tentativa desesperada de tentar salvá-la das consequências de seus próprios atos. Ele dera a vida para salvá-la da vida que levaria se descobrissem sobre a tentativa de suicídio.
— NÃO! Você não pode fazer isso! Não! Não! – Ela começou a gritar enquanto as lágrimas juntaram-se a um soluçar desolado.
Ele tentou sorrir, mas logo o sorriso tornou-se uma careta. Mais lágrimas insistiam em brotar. A chamada terminara.
Ele voltou a aguardar sua pena consumar-se. Do outro lado da linha, ela ainda derramava lágrimas de desespero.
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