"Como você pode ver o homem por trás do monstro, eu nunca saberei."

"Às vezes, os melhores livros têm as capas mais empoeiradas. Mas, certas vezes, a melhor xícara de chá está lascada."

Os votos de casamento ainda ecoavam na cabeça de Rumplestiltskin quando ele acordou naquela típica manhã em Storybrooke. Deparou-se com Belle dormindo, o rosto sereno e tranquilo, e constatou que tudo era real. Ele, o temível Senhor das Trevas, havia sido perdoado e a bela mulher que se encontrava em sua cama era, agora, sua esposa.

A cerimônia tinha sido tão simples, discreta, e, por isso mesmo, sincera. Um momento de intimidade que poucas vezes Rumple havia experimentado, um evento inesquecível, oficializado por Archie, o simpático psicólogo que outrora fora o Grilo Falante.

Rumple despertou dos seus devaneios e encarou Belle, que ainda dormia, a respiração suave e a expressão de um anjo. E era isso mesmo que ela era: um anjo, um lampejo de luz na escuridão em que o homem se encontrava. Teve pena de acordá-la, mas não foi necessário. Como se sentisse observada, a moça acordou por si mesma, os olhos piscando para espantar o sono e um sorrisinho tímido nascendo ao avistar Rumple. Espreguiçou-se e disse, ainda um pouco grogue:

– Bom-dia!

– Bom-dia, querida. - No passado, Rumple chamava as pessoas dessa forma, carregada com cinismo. Com Belle, era diferente. Era realmente um tratamento carinhoso.

Os dois foram preparar o café da manhã. Uma simples parte da rotina: frutas, pão, leite... Eles poderiam acordar e dormir sossegados, sem nenhuma ameaça os espreitando. Pelo menos, era o que pensavam...

– Pela primeira vez, as coisas estão tranquilas, não? - Belle comentou.

– Tratando-se de um lugar como Storybrooke - Rumple sorriu.

O casal teve um início de romance conturbado. O homem a expulsara de sua vida de forma brusca e pensara que ela tinha morrido, quando, na verdade, a morena tinha sido sequestrada por Regina e ficado presa por 28 anos. Para completar, perdera a memória e tornara-se alguém completamente diferente! Eles mereciam um pouco de tranquilidade, para variar...

Belle se dirigia para o seu trabalho, na biblioteca, a que Mr. Gold havia dado a ela. O que melhor para uma leitora assídua do que trabalhar em um lugar cercado de livros, aquele cheirinho delicioso e inconfundível?

– Olá! - a atenção da morena se desviou para a cliente. Lembrava-se vagamente de tê-la visto em algum lugar. Em Storybrooke mesmo, ou talvez em Fairy Tale Land. Tantas pessoas e acontecimentos. A memória de Belle custava a funcionar.

– Onde fica a seção de livros infantis? - perguntou.

Belle indicou e só então reparou no garotinho alegre e loiro, que explorava o local.

– Vamos, criança - a mãe chamou.

O garotinho tratou de obedecer a ordem e começou a folhear os livrinhos, cheios de cores e figuras.

A mulher gorducha usava um vestido simples, mais parecido com um vestido antigo, daqueles que usavam na Floresta Encantada, do que uma roupa de pessoas normais. Ela percorreu os dedos pela estante de livros mais maduros e comentou:

– Soube que se casou com o Mr. Gold. - Ela sorriu. O tom não era de lamento como se, como se perguntasse:O que uma mulher jovem, bela e inteligente tem em mente para se casar com o Senhor das Trevas? O tom parecia até mesmo orgulhoso. - Eu sempre soube que isso aconteceria, cedo ou tarde.

Aquela mulher era mesmo excêntrica. Não parecia ser protagonistade um famoso conto de fadas, como Branca de Neve. Parecia, no entanto, mesmo que sem tanto destaque, ter tido papel importante em algum.

A ex-princesa sorriu.

– Sei reconhecer o amor verdadeiro diante dos meus olhos, menina. Não sabe da minha experiência. Foi bom te ver de novo.

Espere. De novo? Um flash logo se acendeu na cabeça de Belle e ela logo disparou:

– Eu... eu conheço você! Era uma criada do meu castelo!

– No outro mundo, me chamavam de Madame Samovar. Já escolheu o livro? Vamos comprar, Zip.

A moça, ainda atônita, atendeu a cliente e a viu sair, ainda com aquela sensação estranha. Samovar... Zip... Tinha a impressão de ter lido um livro com aqueles nomes. Talvez um sobre uma bela camponesa e uma fera peluda...

Belle, ao sair do trabalho, teve uma grande surpresa ao notar Rumple ali.

– Olá! - ela sorriu daquele jeitinho único, flertanto.

– Decidi apenas te cumprimentar - ele falou, como se não fosse nada de mais, e inclinou-se para beijá-la.

Uma mulher loira, trajando um vestido azul, observava a cena discretamente. Ela, assim como todo o povo da cidadezinha, havia lido sobre o casamento no jornal. Ninguém a conhecia, porém não houve suspeitas. Deveria ser apenas personagem de um conto de fadas que nunca foi contado. Ah, se desconfiassem de sua verdadeira identidade... Ela fixou o olhar triste no casal e deu meia-volta, provocando um vento frio e arrepiando as pessoas que passavam por lá.

O frio não vai mesmo me incomodar, pensou, andando rapidamente, sentindo as batidas fortes de seu coração congelado.