Door To Nightmare escrita por Rennan Oliveira


Capítulo 1
Capítulo 1




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Lara era o nome escrito no documento de identidade que ela apanhou sobre a mesa de criado-mudo, ao lado de sua cama. Colocou o documento dentro da cara carteira que comprara há poucos dias, em uma loja de departamento, investindo no acessório porque o vendedor garantira que a peça era de couro e ela gostava da sensação de ter posse de algo legítimo.

Sentou-se na cama e apanhou seus mais novos scarpins pretos, antes escondidos embaixo do móvel. Calçou-os com rapidez e contemplou os próprios pés. Quando Deus criara o mundo, ele certamente tivera uma atenção maior no que dizia respeito a sapatos. Tudo era tão perfeito em torno daquele par que era capaz de provocar felicidade. Uma pena que aquela fosse apenas a primeira e também a última vez que calçaria aqueles sapatos.

Amor! – chamou a voz eternamente juvenil do noivo no andar de baixo da casa. – Por favor, amor, não demora!

– Não estou demorando – mentiu. Tinha plena consciência do que estava fazendo, mas não daria o braço a torcer. Michael precisava se acostumar com o fato de que a mulher bonita com quem decidira se casar não ficava do jeito que fazia seus olhos brilharem se não se dedicasse por bastante tempo.

Levantou-se e parou em frente ao espelho. Era uma mulher magra, esguia, como preferia dizer, de pele bronzeada naturalmente. Os cabelos eram negros e cortados em um penteado moderno e curto, com os fios bagunçados sobre a nuca e sobre os ombros. Tinha os olhos negros puxados como os de um oriental, porque a mãe era oriental, não o pai. Contornara-os com tons de preto, adicionando-lhe volume. Estavam perfeitos.

Ergueu um par de brincos que pareciam de diamantes, embora fossem imitação, na altura das orelhas. Ficariam perfeitos com aquela combinação de blusa vermelha e saia preta. Colocou-os e mais uma vez se encarou no espelho, como se aquele pequeno detalhe fizesse toda a diferença. Estava pronta.

Mais uma vez, apanhou a carteira de couro e agora estava pronta para deixar a casa.

– Vou esperar no carro – a voz do noivo disse e, antes que ela pudesse protestar e dizer que já estava chegando, que estava pronta, que ele podia esperar só mais um pouco, ouviu a porta da frente bater.

– Ótimo – sussurrou para si mesma.

Chegou ao hall de entrada e parou mais uma vez em frente ao espelho que ficava ao lado da porta. Ajeitou o quadro com a foto da mãe, ao lado desse espelho, e depois os cabelos. Estavam perfeitos e brilhosos, como todo o restante do visual. Apalpou a mesa de canto em busca das chaves, mas não as encontrou; Michael devia tê-las apanhado. Encaminhou-se para a porta.

Girou a maçaneta, mas a porta não abriu.

– Michael, seu imbecil! – esbravejou e tornou a girar a maçaneta, na esperança de estar enganada. – Abra essa porta! Eu já estou pronta!

Michael não respondeu, e Lara não esperava que fosse responder, na verdade. Se ele já estava no carro, provavelmente estava a muitos metros da porta, distante o bastante para não conseguir ouvir qualquer tipo de grito vindo dela.

Mas não o bastante para deixar de escutar algumas batidas.

E ela bateu. Bateu com muita força, esmurrou com o punho fechado, praguejando palavrões por Michael ser tão impaciente. Considerou a ideia de chutar, mas então se lembrou dos scarpins novinhos. O chute teria que ficar para outra hora.

Às vezes, se perguntava se ficar com Michael era mesmo o certo a fazer. O noivo era muito temperamental e tinha mania de querer educá-la, como se ela fosse uma criança que ele adotara. Trancara a porta porque provavelmente queria lhe ensinar uma lição. Uma pena que a hora não fosse das mais propícias.

Lembrou-se da porta do porão, que dava para o jardim de trás, uma que ela dificilmente trancava mais por irresponsabilidade do que por confiança. Caminhou o fino corredor até lá e desceu um pequeno lance de degraus na escuridão daquele trecho da casa. Sentia arrepios, e só não sabia dizer se eles eram provocados por medo ou por excitação.

Agarrou a maçaneta da porta do porão e sentiu-se estranhamente livre quando a percebeu abrir. Caminhou para dentro do recinto e precisou dar apenas três passos para perceber que estava de volta ao quarto.

Só que agora ele estava escuro.

Não que esse tenha sido o primeiro detalhe ao qual ela se atentou; o choque de, de repente, se dar conta de que estava no quarto quando podia jurar que estava no andar de baixo, dirigindo-se para o porão, foi arrebatador, causando-lhe uma confusão que a fez perder o raciocínio por um momento. Mas seu baque logo passou. Pensou se não estivera tendo devaneios muito profundos, daqueles que enganam a mente e transportam o corpo para outro lugar. Não seria de se espantar; ela andara bebendo um pouco de vinho antes de começar sua arrumação, no que considerava um esquenta para a festa à qual estava prestes a ir.

A lâmpada de seu abajur piscou algumas vezes, como se a casa sofresse de algum problema elétrico.

Lara olhou para trás apenas para se certificar de que não havia uma porta nenhuma às suas costas. Não havia, e jamais haveria. A única porta do quarto estava ali na frente, para onde ela se dirigiu.

– Michael! – chamou, descendo aqueles conhecidos degraus, mesmo na escuridão, até o hall de entrada. – Michael?

Girou a maçaneta da porta da frente. Estava trancada. Constatar isso lhe trouxe uma leve sensação de déjà vu, como se ela já tivesse passado por aquele ritual. Sentiu-se irritada novamente, xingando Michael em pensamento por tê-la trancado dentro de casa.

Sairia pela porta do porão.

Desceu os degraus até a porta do porão e a abriu. Passou por ela e se deparou novamente com a escuridão.

A escuridão do seu quarto.

Olhou para trás com rapidez, esperando que sua agilidade lhe pudesse permitir ver a porta pela qual passara às costas, mas ou não fora rápida o bastante para isso ou a porta pela qual imaginara ter passado não existia. Estava de volta ao quarto e se questionar sobre como pudera fazer isso lhe trouxe uma pontada de dor de cabeça.

Eu devo estar louca, pensou, passando pela porta do quarto, descendo mais uma vez as escadas para o hall de entrada. Ou, no mínimo, bebi demais e estou muito bêbada.

A porta da casa estava trancada, o que, querendo ou não, não lhe foi uma surpresa. Se aquilo era um delírio, era normal que alguns padrões fossem seguidos, como aquela repetição, típica de um pesadelo. Talvez aquele fosse de fato um pesadelo, daqueles em que pessoas atrasadas nunca conseguem chegar ao seu destino no horário marcado. O dela era chegar até o carro, onde Michael estava, homem que a levaria à festa que combinara de ir e de chegar pontualmente naquela noite.

A porta do porão. Na escuridão da casa, o silêncio só era cortado pelo som de seus scarpins batendo no assoalho. Desceu os degraus até a porta e abriu-a com pressa.

Passou por ela e estava de volta ao quarto.

Não se deu o trabalho de olhar para trás e verificar se a porta pela qual passara ainda estava lá, porque, de alguma forma, já sabia a resposta. Sendo assim, no mesmo passo em que passara pela porta, prosseguira quarto afora.

– Michael! – chamava enquanto descia as escadas. – Michael, pelo amor de Deus!

Você consegue ouvir minha voz?

Estancou no lugar, a caminho da porta de saída da casa. Um arrepio subiu-lhe pelas costas até a nuca, eriçando seus fios de cabelo mais curtos. Tivera a impressão de ter ouvido alguém dizer algo às suas costas e, como aquela não fora a voz de Michael, agora tinha medo de olhar pra trás.

– Michael? – sussurrou.

V-Você pode ouvir a minha voz...?

Girou nos calcanhares de uma vez só e deparou-se com a vazia escuridão. Não havia ninguém ali.

A porta do porão. Ela precisava encontrar a porta do porão e sair de uma vez por todas daquela casa. Não se importava mais com a festa, só queria deixar a casa e respirar um ar mais fresco, porque o dali de dentro de repente ficara denso, como se pudesse ser tocado.

Voltou-se no corredor em direção ao porão, mas havia algo no seu caminho que ela não esperava ver: uma silhueta. Claro, na escuridão, qualquer casaco pendurado podia parecer uma silhueta, mas, no meio daquele corredor, não haveria por que um casaco estar pendurado, ainda mais um daquele tamanho, que parecia pendurado no teto e era longo o bastante para tocar o chão. Parecia uma pessoa grande demais, vestida com uma capa de farrapos negros. Certa de que aquela era uma alucinação, caminhou na sua direção, mas o vulto se dissolveu como se dissolveria a fumaça de uma churrasqueira depois de certo tempo. O caminho para o porão estava livre.

Desceu os degraus até a porta e, pela primeira vez, a maçaneta não cedeu, não abriu passagem. Uma mão agarrou seu ombro e a girou com força no lugar, quase a ponto de derrubá-la.

E um rosto branco, manchado, de sorriso alargado e dentes apodrecidos, sujos com o que parecia o tipo mais sujo de gangrena, se projetou a um palmo de distância do seu olhar. Os olhos da criatura estavam desconfigurados, olhando para direções diferentes, mas de alguma maneira ela sabia onde Lara estava e mantinha o sorriso voltado para ela. Era suas mãos que seguravam os seus ombros.

Lara gritou. A criatura soltava um gemido sofrido, de alguém que tem a garganta entalada por uma grossa camada de catarro, e ao mesmo tempo parecia gargalhar, como se achasse graça que Lara não conseguia sair da casa. Lara usou as próprias mãos para empurrar a criatura, ignorando que tocá-la poderia ser prejudicial, e teve que fazer muita força para se livrar daquele abraço mortal. Quando se livrou, voltou-se para a porta do porão sem saber se ela agora abriria ou não, mas torcendo para que as circunstâncias estivessem ao seu favor.

E estavam.

Passou pela porta mais uma vez e, do outro lado, segurou sua maçaneta bem fechada, mantendo o corpo pressionado contra a porta, esperando que isso evitasse a passagem da criatura. Mas o monstro não tentou passar. Quando Lara abriu os olhos e se afastou, a porta que ela há pouco tocava não estava mais lá.

Estava no quarto novamente, com as luzes acesas.

Acordara do pesadelo. Era a conclusão mais lógica a se tomar.

O coração batia desenfreado no peito, mas pelo menos ela estava de volta. Nunca tivera um pesadelo tão real em sua vida e esperava não experimentar algo do tipo nunca mais.

Passou pela porta do quarto e desceu as escadas até o hall. Procurou as chaves na mesa de canto; não as encontrou. Michael devia estar com elas. Verificou-se no espelho ao lado da porta. Estava bonita, do jeito que queria.

Percebeu que o quadro com a foto da mãe não estava onde deveria estar, ao lado desse espelho, e o encontrou no chão. O vidro se quebrara na queda que o porta-retratos sofrera. Colocou-o de volta no lugar e deixou os cacos de vidro no chão; cuidaria disso depois.

O telefone sobre a mesa de canto tocou e Lara deu um grito, sobressaltada. Não esperava que alguém fosse lhe ligar àquela hora. Só podia ser o Michael, querendo que ela terminasse de se arrumar logo para, então, saírem.

– Michael, eu já vou – disse ao levar o fone ao ouvido. – Você devia se acalmar!

Desligou o aparelho e dirigiu-se à porta.

Abriu-a sem resistência. Saiu para a rua e estava prestes a gritar com Michael sobre como ele era um tremendo babaca quando percebeu a bruma.

Era quase como caminhar em uma imensa casa de dança, fechada em todos os cantos, preenchida por uma cortina de fumaça. Quase não havia o que ser observado além da densa neblina que de repente tomara conta da noite, e Lara só sabia que estava em seu jardim porque tinha noção do seu tamanho, mesmo sem vê-lo realmente. Michael não conseguiria dirigir se a noite continuasse assim.

Ouviu um choro às suas costas, um choro engasgado, típico de um bebê, que parecia vir do interior da casa. Suas pernas fraquejaram e o rosto foi tomado por uma profunda expressão de desgosto. Sentia-se incapaz.

Lara não acordara do pesadelo, como pensara minutos atrás. Ainda estava presa nele.


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