Usuário Final escrita por Ishida Kun


Capítulo 2
Acorde, Adam 1:1


Notas iniciais do capítulo

Aqui estou novamente com mais um capítulo de Usuário Final. Acredito que talvez esse pareça um pouco confuso, mas ele se encaixará perfeitamente na segunda parte. A propósito, como os capítulos ficaram muito grandes, postarei-os em partes durante a semana. Em média serão duas ou três partes, mas gostaria se possível do feedback de vocês, para eu saber se devo postar capítulos maiores ou não. Boa leitura!



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Adam estremeceu de leve, como se tivesse cochilado por um instante. Olhou ao redor, para a rua vazia estendendo-se noite adentro, como se algo o espreitasse e de alguma forma, aquilo era extremamente familiar. Uma sensação desconfortável surgiu na barriga, como se suas entranhas se contorcessem e a saliva espessa, fazia parecer que tinha engolido uma bola de basquete. Ele dividia um pequeno banco de um ponto de ônibus com uma linda moça, a qual ele jurava conhecer de algum lugar. Os minutos se arrastavam lentamente enquanto um vento frio e sussurrante soprava em seu ouvido. A moça levantou a manga da blusa para olhar as horas em seu relógio de pulso, um movimento do qual ele copiou instintivamente. Por um momento não acreditou no que seus olhos lhe mostravam. As horas não estavam mais lá. Os ponteiros pareciam os mesmos, mas os números não eram números, nem letras, nem nada do que pudesse descrever com palavras. Adam apertou os olhos e tentou fixar a visão quando de súbito, se pegou olhando diretamente para a moça, que o encarava com um sorriso.

— Não acho que adiante olhar as horas. Fiquei sabendo que alguns ônibus demoram bastante. - Sua voz era tão leve quanto um sussurro e ele involuntariamente a comparou ao farfalhar de folhas secas.

— Como? – perguntou, não sabendo o porquê, já que entendera perfeitamente o que a moça lhe falara.

— O ônibus. Você está o esperando, correto? – perguntou a moça, sorrindo largamente. Adam fixou os olhos nos lábios dela, de um tom de rosa claro tão bonito, que era inevitável não pensar em como seria beijá-los.

— Sim! Claro, o ônibus. Espero o… - afirmou desajeitado, enquanto as últimas palavras morriam em sua boca. Simplesmente havia esquecido. De alguma forma não conseguia se lembrar da numeração do ônibus, as formas, os sinais não se completavam.

— Espera o? – perguntou novamente, a bela moça.

Como poderia ter esquecido qual o maldito ônibus que deveria pegar? Que diabos estava acontecendo consigo? Olhou desajeitadamente para o relógio e dessa vez não havia mais ponteiros. Uma imaginária gota de suor, escorreu fria por sua testa, o forçando realmente a limpá-la.

— Você está bem? – perguntou a moça, dessa vez apoiando a mão em seu ombro delicadamente. A sensação macia da ponta de um dos dedos que encostava em seu pescoço, fez uma segunda gota escorrer, mas essa ele não limpou.

— Sabe quando você tem a impressão de que algo não está certo, mesmo que tudo diga o contrário? Me sinto indo na direção contrária de tudo... - disse por fim, num sorriso meio torto.

— Sim, entendo. - respondeu a moça – As vezes tenho essa impressão o tempo todo. É como se eu estivesse andando para uma direção, mas então, do outro lado da rua, todos estão andando para a direção contrária. Daí eu tento mudar, mas eles mudam também.

— Não poderia dar um exemplo melhor...

— Obrigada... não sou boa com essas coisas! – confessou, sorrindo e se recostando no banco – Já lembrou o nome do ônibus que você deveria pegar?

— Ahn... não exatamente. - respondeu Adam, não se recordando de quando tinha dito que havia esquecido o nome do ônibus. Provavelmente, suas estranhas atitudes o denunciavam a quilômetros.

— Então não pegue nenhum. Você pode acabar se perdendo, indo parar onde não deveria, vai saber...

— Que animador... e o que você me sugere?

— Que você respire fundo e como um bom cavalheiro, me faça companhia até eu seguir meu caminho. Depois, tenho certeza de que você vai encontrar o seu. Ninguém fica perdido para sempre, sabia?

— É... até que parece um bom plano. Estou me sentindo meio idiota por tudo isso... deve ser uma amnésia temporária. Será que isso existe?

— Amnesia temporária? – perguntou a moça, com um tom de incredulidade na voz – Talvez...

— É o melhor que consigo pensar no momento... Bom, eu me chamo...

— Olha só! – interrompeu-lhe a moça apontando para o céu – Era uma estrela cadente! Que coisa incrível!

— Droga... perdi essa... - resmungou Adam, caçando algo pelo céu emaranhado de nuvens – Você tem bons olhos hein...

— Obrigada... percebi que você não para de olhar para eles. - respondeu a moça, com um sorriso tímido enquanto afastava uma mecha de cabelo do rosto.

Adam corou e percebeu que de fato não conseguia tirar os olhos daquela moça a sua frente. Sem conseguir dizer nada, ele apenas riu, mas aliviado. Se sentia melhor agora. A sensação de peso havia sumido e aquele nó na garganta parecia ter afrouxado mais. Mas ainda tinha medo de olhar para o relógio e ver novamente, uma situação da qual não poderia explicar. Sempre se sentiu acuado diante de situações do tipo, com um certo medo de não encontrar uma resposta plausível para algo, a certeza reconfortante de que estava tudo bem.

Adam e a moça conversaram sobre os mais diversos assuntos e em nenhum momento, se apresentaram, algo que tornou a ocasião ainda mais importante. De alguma forma ele sabia que jamais se veriam novamente.

— Olha só! Minha carona chegou! – interrompeu a moça, de súbito, após um breve discurso sobre a desastrosa programação matinal da TV. Ao longe, os faróis do ônibus azul que se aproximava, reluziam feito holofotes. Mais claros do que Adam se recordava que fossem.

— Para onde ele vai? Não consigo ver o nome... - perguntou ele, apertando os olhos enquanto se levantava para acompanhar a moça.

— Vai para minha casa. Portanto, antes que pergunte, você não poderá ir.

— Talvez ele me leve para perto da minha cas...- E foi interrompido por um caloroso abraço apertado, que ele tão logo retribuiu. O perfume tão doce dos cabelos dela parecia ter atravessado seu nariz, sua carne e ossos, ido além do que palavras jamais poderiam descrever. E apesar daquela sensação doce, ao mesmo tempo ele sentiu como se seu coração estivesse sendo atropelado por um rolo compressor. Era uma dor sem igual se espalhando dentro dele, como uma navalha abrindo caminho pela pele, de dentro para fora. Um único pensamento lhe subiu em mente.

Ainda não estava pronto para dizer adeus.

A porta do ônibus se abriu e Adam não conseguiu ver nada além dela, sorrindo como se não houvesse amanhã. Enquanto ela se afastava para longe ele segurou uma de suas mãos, mas ela partiu mesmo assim, o deixando sozinho, novamente. Sim, de fato ele a conhecia, mas algo o impedia de lembrar-se, como uma parede intransponível feita de algo tão doloroso, que ele nem mesmo conseguia entender.

— Esse ônibus ainda não é para você. Preciso que faça uma coisa por mim, Adam.

Foi então que as portas se fecharam, separando-os e ele sabia que aquela não havia sido a primeira vez. Ela sabia seu nome, mas ele jamais saberia o dela. Enquanto o ônibus sumia noite adentro, os detalhes daquele belo rosto, que ele lutou tanto para guardar se perdiam aos poucos. Acompanhou o veículo com o olhar, retribuindo um aceno que surgiu apressado por uma das janelas.

O que havia acabado de acontecer? De alguma forma poderia explicar aquilo? Olhou para seu relógio de pulso, onde os números continuavam onde sempre estiveram e os ponteiros trabalhavam num tique-taque quase inaudível. 5Hs da manhã. Por Deus! O que fazia àquela hora fora de casa? Deveria tomar café e se aprontar para a escola em uma hora, não perambular pelas ruas!

Ouviu um arrastar de passos e ao virar-se, uma figura sorridente o observava a centímetros de distância. Mas ela não possuía olhos. Ela nem mesmo era humana.


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Notas finais do capítulo

E então gostaram? Ainda mais confuso que o outro? Prometo que no próximo vocês entenderão o porquê de tudo isso... Até breve! Se gostaram, comentem!