Usuário Final escrita por Ishida Kun


Capítulo 12
A Rede 3:2


Notas iniciais do capítulo

"Ahhh que demora! Quem você pensa que é pra demorar tanto para postar?" - leitor irritado pela demora na postagem do capítulo

Sei que é bem isso gente, desculpe pela demora na postagem! Sabem como é dezembro... fim de ano as coisas ficam violentas! Prometo tentar regularizar a ordem das postagens... não garanto nada, mas prometo tentar...



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— Que tal se eu tingir o piso com seu sangue? - perguntou, a voz era de uma mulher, falava lentamente com uma entonação arrastada.

— Você não vai fazer isso. Assassinar um Usuário Final resulta em suspensão imediata dos privilégios de Usuário que você possuí. - Adam falou, calmamente, apesar da situação ele não sentia medo, estava tranquilo como se soubesse perfeitamente o que estava fazendo. - Seria uma sentença de morte para você. Está tudo no manual.

— Bom garoto... - disse ela, retirando a arma da cabeça de Adam — Mas o manual não vai salvar sua vida aqui, novato, lembre-se disso!

Adam se virou lentamente, encarando uma mulher de pele negra e olhos escuros e penetrantes, os cabelos eram de um tom que lembrava chocolate meio amargo, presos em um rabo de cavalo com apenas uma mecha solta, que pendia pela testa cobrindo parte de um dos olhos, os lábios volumosos estavam esticados num sorriso de deboche. Ela vestia uma roupa semelhante à dele, possivelmente uma versão feminina do uniforme, porém os detalhes no ombro acendiam num brilho fraco de amarelo.

— Definitivamente você não é a Beatriz. - disse Adam — Carla, a garota que não gosta de novatos... - Resolveu arriscar.

— Quem te disse isso? Porra, eu adoro novatos! - ela falou de uma forma quase teatral, com a voz carregada de um falso entusiasmo.

— Será que algum de vocês sabe falar sem usar ironias ou sarcasmo?

— E desde quando estou sendo sarcástica, novato? - perguntou Carla, abrindo os braços - Escuta... já te falaram sobre quanto tempo você vai durar por aqui?

— Do que você está falando? - perguntou Adam, imaginando o que viria a seguir.

— Duas semanas para novatos, um ano para os mais espertinhos, mas quase ninguém passa dos dois. É o nosso tempo de vida, ou prazo de validade, como você preferir.

— E com isso você pretende me assustar? Desculpe, mas não convence e também é uma péssima forma de causar boa impressão.

— E quem disse... - começou ela, lentamente chegando mais perto. - que eu... quero causar uma boa impressão? - E quando ele percebeu, ela estava ainda mais perto do que antes, seus olhos pareciam atravessá-lo feito uma faca e a arma, uma pistola preta, parecia firme em sua mão direita.

— Quem é você afinal de contas, Adam? O que você quer aqui? É diversão que você procura? Ou há um propósito maior para sua vinda até a Rede?

— Se fosse por mim, preferia estar em casa sonhando, e não aqui, na frente de uma garota maluca que usa uma arma. - respondeu seriamente. O que se passava pela cabeça dela?

— Ok novato, então está certo. Sem nada a esconder não é mesmo?

— Do que você está falando?

— Eu realmente não sei qual é a sua, novato, mas se você ferrar com a nossa equipe, eu vou mostrar para você que assassinato não é a única coisa que faz com que um Usuário perca seus privilégios.

Adam ficou em silêncio por um instante que pareceu durar horas, apenas fitando o rosto sorridente. Ele não fazia ideia do que ela estava falando, mas notou algo de estranho, sentia que ela esperava algo dele, mas ele não conseguia saber o quê. Foi uma sensação estranha, como se alguém sussurrasse aquilo em seu ouvido, foi como se pudesse enxergar através das palavras daquela mulher.

— E meu nome é Adam. - E saiu da frente dela, andando na direção contrária o mais rápido que suas pernas amolecidas conseguiram. Ouviu-a rir às suas costas, mas ignorou completamente, não a conhecia, nem estava interessado em conhecê-la. Aquela garota, Carla, não tinha o menor direito de falar como se ele fosse uma espécie de criminoso, ela nem mesmo sabia quem ele era, porque desconfiava tanto? Em partes, num mundo perigoso como aquele, Adam não culparia alguém tão desconfiado desse jeito, mas a situação não estava boa e ele não estava tendo um bom dia, portanto, deixou a piedade para trás.

Não havia dado nem dez passos quando sentiu uma mão pesar em seu ombro, seus instintos foram mais rápidos do que seus olhos e ele repeliu a mão com um tapa, girando logo em seguida para questionar Carla sobre o que quer que fosse o problema dela.

— Qual o seu proble... - e deixou as palavras se calarem. Definitivamente, aquela não era Carla. A expressão era um misto de espanto e riso. Sua pele era clara e límpida como a neve, com um tom rosado nas bochechas, os lábios exibiam uma cor de cereja brilhante, seus olhos, bem delineados, eram de um tom de verde-escuro quase artificial, grandes e expressivos. Seus cabelos eram castanho escuros, com ondas que terminavam em cachos abertos, bem abaixo da linha do queixo. Beatriz não usava o habitual piercing nos lábios, mas era impossível não reconhecer aquele sorriso provocante e os lábios tentadores. Ela era tão bonita quanto ele imaginava que ela fosse e naquele momento, a sensação de familiaridade foi ainda maior. O uniforme que ela usava era o mesmo que Carla, porém com detalhes em vermelho vivo, e também parecia ser mais justo, evidenciando ainda mais as belas curvas de seu corpo.

— Eu não tenho nenhum problema. E você? - ela perguntou com um meio sorriso.

— Droga... - murmurou Adam, apoiando a mão na testa e deslizando pelos cabelos — Sinto muito, achei que fosse aquela pirada. Beatriz?

— Exatamente. Mas que diabos você tá fazendo aqui?

— Como?

— Você chegou cedo demais. A gente nem teve tempo de pendurar as bexigas e a faixa! - brincou Beatriz.

— Que pena, estraguei a festa...

— Claro que não, a festa tá só começando! E como toda boa festa, vai ter diversão, armas e uma bela briga!

— Meu Deus... que tipo de festa você frequenta?

— Do tipo que garotinhos como você são servidos como aperitivo. - e riu, tocando a ponta do queixo de Adam com o dedo — Você parece um trapo. A viagem foi tão ruim assim? Eu encomendei passagens da primeira classe pra você.

— Se era aquela, escrito “bagageiro” na entrada, sinto em lhe dizer, mas você foi enganada. - ele disse, e se sentia estranhamente confortável ali, as palavras simplesmente surgiam e ele sentia uma certa nostalgia naquele momento, como se aquilo tudo já tivesse acontecido antes, como se Beatriz não fosse uma completa estranha.

— Até que você é divertido quando não está se comportando feito um garotinho mimado que quer correr de volta pra mamãe.

— Você vai ficar de conversinha com ele, ou vamos partir logo para o que interessa, Bia? - disse Carla, que para o desagrado de Adam, já havia se aproximado novamente — Cadê os outros?

— Não faço ideia. Logamos todos juntos, talvez estejamos com divergência temporal de novo.

— O engraçadinho aí chegou bem cedo. Cedo demais pro meu gosto. Nenhum novato faz isso.

— E lá vamos nós outra vez... - murmurou Adam, revirando os olhos e olhando seriamente para Carla. - Tem algo de errado com o fato de eu ser um novato? Porque me parece que isso incomoda você... e muito!

— Você todo é errado. E já disse, eu adoro novatos. - ela respondeu com aquele sorriso que ele começava a odiar. - Meu problema mesmo é com você.

— Ei! Ei! Senhoras e senhores, aqui todo mundo joga limpo. - disse Beatriz entrando entre os dois - A única pessoa que pode ter problemas com um de vocês sou eu, exatamente porque bem aqui, em cima da minha cabeça — E fez um gesto como se tivesse um letreio sobre sua cabeça — diz que eu sou a chefe, a manda chuva, the big bad boss ou o que quer que vocês conheçam por garota-incrível-muito-foda-que-manda-em-todo-mundo! Fui bem clara?

Carla deu de ombros e Adam desviou os olhos, respirando fundo.

— Não me obriguem a fazer vocês apertarem as mãos. Sério.

Quando Adam finalmente decidira contestar as últimas opiniões que Carla dera a seu respeito, ignorando completamente a ideia de Beatriz, ouviu um ruído como o farfalhar das folhas e os olhos, num impulso, giraram para o mesmo local no qual ele acordara, onde agora um corpo se materializava lentamente. Era como se a pessoa estivesse caindo de uma pequena altura, mas em câmera lenta, o corpo sendo recriado por uma infinidade de fios luminosos que chicoteavam o ar, desaparecendo em pequenas fagulhas brilhantes. Em instantes, um homem alto e corpulento se ergueu imponente, acompanhado de uma garota ruiva, bem menor do que ele. Hector e Valéria, com certeza.

Os dois acenaram e Hector sorriu largamente apontando o dedo indicador para Adam, que não entendeu o gesto. Ele devia chegar quase aos dois metros de altura, os ombros tão largos quanto aparentavam ser pela imagem do chat, o queixo era quadrado, típico dos personagens grandes e fortes dos filmes, mas parecia bem diferente do que ele havia visto. Seus olhos, em contrapartida do resto do corpo, eram pequenos e transmitiam uma serenidade agradável, como se sorrissem o tempo todo, seu cabelo escuro era curto, arrumado meticulosamente ao estilo “moicano” se estendendo numa faixa até a nuca. Seu uniforme possuía de diferente, a cor azul escura, lembrando o céu da noite. Já Valéria, parecia ainda mais diferente da pessoa que ele vira parcialmente pelo chat. O rosto ainda parecia delicado, mas sem as sardas, os cabelos ruivos eram bem lisos, transformando-se em ondulações perfeitas nas pontas. Seus olhos eram amendoados, com uma sombra alaranjada que combinava perfeitamente com a cor do cabelo e dos detalhes do uniforme, que eram do mesmo tom de laranja. Apesar de ter a aparência jovem, seu corpo parecia o de uma garota de treze ou quatorze anos e os seios quase não faziam volume na roupa, é claro que perceber esse detalhes fez com que Adam se sentisse desconfortável, mas ele logo espantou a ideia pensando em como os maquiadores e cabeleireiros odiariam a Rede, ou, pelo menos, o sistema que cuidava da parte estética dos Usuários.

— Por que não podemos nos ver no mundo real, mas podemos nos ver aqui? - perguntou Adam, olhando para o casal que se cumprimentava com um abraço.

— Porque essa não é nossa aparência real. - respondeu Beatriz- Mesmo que seja apenas um sinal, uma marca de nascença, já é o bastante para que sua versão da Rede não seja a mesma do mundo Real.

Adam assentiu com a cabeça e se perguntou por um momento como seu rosto estaria, se ele ainda se reconheceria ao se olhar no espelho. Olhou ao redor procurando algo e Beatriz de imediato, respondeu sua pergunta.

— Você não poderá ver o seu próprio rosto, se é o que você está se perguntando. Há apenas duas coisas que não existem na Rede: espelhos e a cor branca. De resto, o céu é o limite. - E sorriu, provocativa como sempre.

— Adam meu rapaz! - Hector havia se juntado aos três, cumprimentando Adam com o que deveria ter sido um “tapinha” no ombro, porém o movimento foi tão forte que levou Adam ao chão.

— Caramba, Hector! - reclamou Valéria se abaixando para ajudar Adam — Qual o seu problema? - Ela o levantou pela mão e ele se sentiu leve feito uma folha de papel.

— Eu não fiz nada... nem foi tão forte assim e ele caiu feito um saco de batatas- justificou-se para Valéria – Foi mal cara, não imaginava que você fosse pro chão. - Hector levantou a mão na intenção de repetir o gesto, mas desistiu, olhando para a própria mão como se pudesse identificar o que havia de errado com ela.

— Claro... - respondeu Adam, se reerguendo e daquela forma, parecia mais um idoso com problemas reumáticos. Os joelhos doeram, a sensação era de que tivessem sido arrastados no asfalto.

— Ei, você está bem? - perguntou Beatriz, e quando Adam percebeu, ela estava perto demais de seu rosto. Ele se afastou num impulso e respondeu com uma voz cansada:

— Minhas pernas parecem feitas de borracha. O que há de errado comigo?

— Você teve uma queda por mim, é simples. - respondeu Beatriz — Claro que o Hector ajudou um pouco, mas para que servem os amigos no final das contas, né?

— É isso aí Adam, meu garoto! Começou bem! - Hector disse animado, preste a dar outro tapa, mas recuando a mão logo em seguida, aquilo parecia ser algum tipo de costume estranho.

Adam pareceu desconcertado, principalmente porque Beatriz olhava diretamente para ele, era quase como se o olhar dela o atravessasse. Seus olhos, de fato, eram acusadores e eram lindos como ele imaginou que fossem, a forma como pareciam esconder algo o tempo todo exercia um certo charme. Mas isso era algo que ela jamais saberia, pelo menos não vindo dele, não voluntariamente.

E por um instante que havia durado um segundo, talvez dois, eles permaneceram ali, em silêncio, trocando os olhares daquela maneira tão surreal e para Adam era uma sensação boa, mas, ao mesmo tempo, desconfortável.

— Vocês querem parar com isso? O que deu em vocês hoje? - reclamou Carla, cortando o momento, e de certo modo, Adam se sentiu agradecido por ela tê-lo feito — É só a porra de um novato! Temos trabalho a fazer!

— Você está com ciúmes dele? - questionou Valéria, sorrindo diabolicamente.

— Vai se foder. - resmungou Carla em resposta, mostrando o dedo do meio de maneira ofensiva.

— Acho que tem uma menininha aqui gosta de ser o centro das atenções! - Hector completou e lançou um olhar zombeteiro que foi prontamente interceptado por Valéria.

Carla sorriu de maneira nada amigável, revirou os olhos e virou as costas para os três, se afastando em passadas largas e apressadas.

— Ah! Como minha família é amável — suspirou Beatriz, piscando com um dos olhos para Adam — Valéria, acho que o Adam está dessincronizado. O indicador do USV está apagado.

— Verdade... - concordou Valéria, olhando Adam de cima a baixo. - Vai levar uns bons minutos até eu botar ele em ordem.

— Ao contrário do que a Carla pensa, temos tempo. Hector, preciso falar com você um instante.

— Bom, o dever me chama! - exclamou Hector, olhando de Valéria para Adam- Se você der em cima dela eu te mato, novato! - brincou, dando um novo tapinha no ombro de Adam e desta vez, fazendo-o cair sentado, o que não o impediu de sentir dor. — Acho melhor você ficar sentado mesmo... cara, você parece acabado.

Adam apenas sorriu, pensando em dizer coisas como “ficaria melhor se um brutamonte como você não insistisse em me mandar pro chão”, mas preferiu continuar mantendo o sorriso. Hector não parecia ser uma má pessoa, ele era gentil, algo quase impossível de se ver numa pessoa que mantinha aquele esterótipo, pelo menos nas que Adam conhecia. Com isso, deu a ele o benefício da dúvida, pelo menos por hora.

— Cara, você não tem jeito mesmo... - começou Beatriz, se afastando com Hector. Os dois se juntaram a Carla, que estava de braços cruzados, olhando para a imensidão infinita da Cidade Silenciosa.


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Notas finais do capítulo

E aí? O que acharam? A Carla é um pé no saco né? Apesar de tudo eu adoro a personagem dela... essa instabilidade toda é ótima para se trabalhar num personagem. E a Beatriz? Bom, ela ainda é uma incógnita para mim... toda vez que ela fala... é diferente dos outros, sabe? Não vejo muitos sentimentos... não dá para saber se é real ou não... ela ainda é um mistério tanto para mim, quanto para o Adam. Acho que por hora é só! Espero continuar contando com vocês! Até breve!!!