- Vossa Majestade, o que faremos agora? – Dizia Daisy, enquanto colocava uma xícara de chá sobre a mesa da sala real.

         - Eu não sei... O rei e eu julgávamos este o local mais seguro, principalmente para crianças como essas que temos aqui. Mas se até mesmo aqui já foi invadido por Maleficent, eu não posso duvidar de um segundo ataque...

         - está querendo dizer que...

         - Exatamente Dayse, provavelmente iremos... Ter que fechar as portas para nossos aprendizes. Pelo menos por enquanto... Eles deverão voltar para casa. Não é seguro agora, não quero me responsabilizar com o que possa acontecer de ruim a eles. E se um vira um Heartless? E se vários virão Heartless? Minha cabeça não suporta essa idéia... – Então a ratinha tomou um gole do chá dela e suspirou. – Não consigo acreditar que isto esteja mesmo acontecendo...

         Seus dedos molhados pela água tocavam a parede. Sentia um vazio dentro de si ao olhar para as plantas mortas no chão e por ver a parede então fechada. Tudo havia começado ali, bem ali, lá na floresta a beira de um lago. O reflexo de alguém com cabelos prateados destruía os Heartless ao redor com facilidade, até cair desmaiada no chão. Respirou fundo e saiu andando de volta para o castelo, nisso suas galochas amarelas de chuva balançavam o que parecia ser mais água enquanto dava cada passo. A grama verde se encontrava meio falha devido ao ataque do dia anterior, mas não impedia desta estar molhada por causa da chuva que finamente caia sobre todo lugar. Estava então no imenso hall de entrada e observava tudo ao seu redor. Imensidão, tudo tão branco e limpo, mesmo com a tragédia anterior. Era hora de dizer adeus. Seus passos ecoavam pelos corredores, pois todos os alunos estavam nos dormitórios fazendo as malas, a escola que o castelo Disney havia se tornado estava fechando as suas portas. Era hora de voltar para casa e deixar aquele lugar que enfim havia lhe proporcionado bons momentos. Nina abriu a porta escoltada por duas armaduras e subiu uma escada em espiral, chegando na sala da sua turma. Lá estavam todos em silêncio, alguns contemplando a lareira acesa naquele dia frio, outros sentados no sofá sem falar nada. A garota retirou sua capa amarela de chuva e subiu uma segunda escada, após atravessar o recinto nostálgico onde todos estavam com cara de luto. Passou pelo corredor cheio de portas e entrou na última do mesmo, vendo Eros e Lee sentados cada qual em sua cama com as imensas malas já fechadas. Eros tentou sorrir, mas falhou. Lee manteve-se calado, enquanto Nina se jogava na própria cama e jogava um travesseiro na própria cara. Agora era só aguardar o horário da partida.

                   - Temos que te falar sobre a sua saúde e... Realmente, também temos de falar sobre o Castelo Disney. – Nesse instante ela virou o rosto para os amigos e sorriu, enquanto fechava os olhos e uma fina lágrima escorria. Seu rosto ficava mais uma vez rubro.

         - Então vamos nos despedir... Não é, garotos? – Após essas palavras os três se mantiveram em longo silêncio, enquanto na única janela da sala pingos de chuva estalavam no vidro.

         - Infelizmente. – Disse Eros após um tempo. – O último ataque deixou a rainha insegura de nos manter aqui. Enquanto ela não tiver certeza de que tudo está bem, não poderemos voltar.

         - Mas... E aqueles que perderam seus mundos? Como farão pra voltar? – Perguntou a garota na cama enquanto com a manga da roupa limpava os olhos úmidos.

         - Parece que aconteceu um milagre. – Dizia Lee em um tom sério. – Algo ou alguém conseguiu restaurar os mundos que foram destruídos. – Nesse instante Nina se lembrou de Riku. Ele era um escolhido da Keyblade, será que foi ele quem havia salvado tudo e todos? – Então não haverá problema todos voltarem para suas casas. – Encerrou o garoto enquanto puxava os cabelos negros de cima dos olhos.

         - E... O que vocês queriam falar sobre a minha saúde? – Ela não parecia muito interessada com isso, mas era apenas para não dar a impressão de desleixada na frente dos amigos. Os garotos de entreolharam e daí Eros a olhou com medo.

         - Ninguém sabe como ou o por que... – Eros começou a falar enquanto estalava cada dedo de suas mãos. – Mas... O seu coração está machucado.

         - Machucado...? – Ela não entendeu. Pensou então sinceramente que se gostamos de alguém, como nosso coração poderia estar machucado? Será que isso não tinha nada a ver?

         - Sim... Quando você dormiu enquanto chorava, naquela hora que eu te trouxe durante o ataque de Heartless, a enfermeira foi correndo ver o que houve com você. Ela concluiu que... O seu coração está manchado com trevas.

         Choque. Foi como a garota ficou no momento em que ouviu a palavra “trevas”. Como isso poderia ter acontecido? Qual teria sido o deslize pra tocar o coração da garota dessa forma? E desse jeito ela percebeu que para se tornar um Heartless era um passo pequeno, afinal, Heartless não são aqueles que têm o coração consumido por sentimentos ruins e trevas?

É, ela estava incrivelmente bem a beira do precipício.

         Era uma manhã bem fria. A neblina tomava conta das ruas do reinado e todas as portas e janelas das casas estavam trancadas. A noite anterior havia sido de muita chuva, o que piorou ainda mais aquele clima gelado. O único barulho que era possível escutar era o da roda das diligências e as ferraduras presas as patas dos cavalos, onde dentro das carruagens alunos e mais alunos da escola provisória criada no castelo Disney eram transportados até certa área do reino.

         - Oh, oh! – Diziam vários homens em sinal de fazer os cavalos diminuírem a velocidade. As crianças saltavam do transporte e corriam até uma imensa escadaria, que dava a um hall grande e limpo, em cores beges e com o chão muito bem encerado. Era possível ver o próprio reflexo no chão, mas não era isso o que importava agora. Todos carregavam malas com rodinhas, mochilas, muitas bagagens. Foram até o final daquele lugar, onde havia um balcão de recepção e um homem com roupas azuis.

         - Os trens estão à espera. – Disse ele.

         - Certo. – Disse a rainha Minnie um tanto séria, aconchegada em um casaco branco por cima do vestido vermelho real.

Todos andaram até a plataforma onde havia cinco trens. Cada um numa cor diferente cada um com um destino. Os alunos começaram a conversar se despedindo tristemente enquanto a rainha observava a situação com pesar. Garotas choravam e se abraçavam, os garotos apertavam mãos e davam sorrisos amarelos, oras, foi um bom tempo de convivência entre eles. A um canto, não muito diferente de todos estava Nina, Eros e Lee, ambos com um rosto desanimado e sem coragem pra dar as últimas palavras naquela hora triste.

         - A gente se vê, né? – Disse a garota enrolando os cabelos castanhos dentre os dedos envolvidos por simples luvas brancas.

         - Eu espero que sim. – Comentou Eros sem animação.

         - Vai dar tudo certo gente, nós vamos conseguir voltar para cá um dia. – Lee tentava ser otimista, mas seu rosto triste não ajudava muito a aquilo parecer verdade. Os três não tinham ânimo pra conversar, até que o forte apito de um dos trens soou forte pelo lugar, assustando muitos. Aquele era o sinal da partida. A rainha estava organizando quem deveria embarcar em que locomotiva até que o trio de amigos percebeu que sequer voltariam juntos, cada um estava destinado a um trem de cor diferente naquelas plataformas. Nina não agüentou e puxou os dois amigos em um forte abraço e se segurou bravamente para não chorar mais uma vez. Soltou ambos e então saiu correndo para o trem em cor azul, que a aguardava para ir. Eros entrou em um trem na cor vermelha e Lee em um verde, sentando-se ao lado da janela. Eles mal tiveram tempo de esquentar o banco e de repente mm tremor: a locomotiva finalmente começava a andar. A fumaça saia, enchendo a estação em uma cor branca forte. A rainha Minnie acenava enquanto via os trens irem embora por um trilho especial, que logo mais a frente atravessariam um portal, o caminho para conectar mundos. Os trens foram indo, até que se viram envolvidos por uma forte luz branca e de repente... Pareciam estar no espaço. Nem mesmo um momento triste como aquele poderia fazer alguma criança não se impressionar com a visão. Estrelas, planetas, mundos! A visão não deixava de ser magnífica, porém com um toque melancólico. Uma forte luz branca novamente envolveu um trem, era a parada em um mundo para uma criança descer por lá. Nina então se lembrou que o seu caminho era o mais longo, e que possivelmente seria a última a saltar daquela locomotiva. O segundo trem foi envolvido também pela luz branca, e mais uma criança a dizer adeus de seus amigos. Tristeza, possivelmente seus amigos já deveriam estar chegando em casa, então resolveu ao menos admirar aquele momento de céu e planetas infinitos. Para sua surpresa, Eros estava no trem ao lado e ele abriu a janela e começou a gritar:

         - EU VOLTO! EU VOU BUSCAR VOCÊ E O LEE! EU PROMETO! – E então o trem do garoto foi envolvido em luz e também sumiu. Ao seu lado havia um último trem, mas a distância entre os dois era enorme, mas a garota pode ver claramente: Lee estava ali dentro. Sentiu-se na obrigação de mandar o recado e também abriu sua janela de vidro e um grande vento entrou, mas não a impediu de gritar.

         - LEE, LEE! – E ele rapidamente notou a garota gritar, mesmo com a grande diferença de espaço. – O EROS DISSE QUE VAI VOLTAR! E VAI NOS BUSCAR! ELE PROMETEU! – Lee apenas sorriu, mas naquele instante ambas as locomotivas foram envolvidas por luz, indicando a grande separação entre eles. Uma separação temporária, pois agora havia uma promessa entre eles a ser cumprida: a promessa do retorno.