Fechei a porta do quarto e me virei na direção da cama. Mike estava lá, jogado, "olhando" para mim. Peguei o pequeno bichinho de pelúcia coloquei-o em meu colo. Passei a mão no cabelo mais uma vez, na tentativa de deixá-lo ainda mais liso e ajeitado, e comecei a gravar o vídeo:

— Oi, pessoal, esse aqui é o vídeo de número 358 do canal "Coisas de Uma Escritora" do YouTube.

Primeiramente, quero agradecer aos dois milhões de acessos, significa muito para mim.

O vídeo de hoje é sobre aquelas coisas que ninguém aguenta mais em fanfics, sobre clichês e coisas que te matam a cada vez que você lê.

A primeira coisa: o maravilhoso, famoso, amado, querido e bendito coque-frouxo! Aquela linda história sobre uma garota excluída que ninguém repara, que só usa All Star, moletom, uma calça jeans velha e um coque frouxo. Admito: eu mesma amo essa roupa, mas não é essa a questão. O ser é zoado na escola a cada dia insignificante de sua vida. Daí, um dia, ela vai para o StarBucks com o lindo coque frouxo dela. Quando está na saída — BOOM! Ela tromba com um garoto gato, gostoso e popular por quem tem uma queda desde que estava na placenta da mãe, e então ele magicamente percebe que ela é diferente de todas as outras garotas por alguma razão. Cara, eu já vi isso tantas vezes em histórias que uma vez eu me vesti desse jeito e fui no StarBucks, e daí quando eu vi um cara realmente sexy, fui lá e fingi trombar com ele sem querer. Em resumo, eu saí de lá com meu moletom favorito ensopado de frappuccino, e o garoto só pediu desculpas e foi embora. Ele nem se dignou a me ajudar, ou perguntar se eu estava bem. Moral da história: coque frouxo, não façam isso em casa, a menos que não esteja indo tomar milkshake, chocolate quente ou sorvete.

Outra coisa insuportável é quando você vai lá procurar a sinopse da história, e lá mesmo você já sabe tudo o que vai acontecer. Tipo, o autor tenta te dar uma ideia geral do enredo, mas acaba falando que, durante uma guerra nuclear, duas pessoas inimigas se apaixonam, que a garota tem um pretendente e tem que dar um jeito de não casar com ele, e que então o casal foge para a Malásia e quando eles iam se casar na praia, outro avião cai no mar, causa um tsunami e eles morrem. O enredo pode até ser bom, mas não se pode dizer isso tudo na sinopse, pelo amor de Deus! Isso, sinceramente, é "odiável". Para não falar de: "Será que Maria Das Cruzes vai resistir ao fogo da paixão que se instala nela todas as vezes que olha para Raimundo? Leia para descobrir!". De verdade, essas frases são o fim. Isso também é muito "odiável".

Tomei fôlego antes de continuar.

— Mas daí, ha ha, daí vem uma personagem principal chata, que se acha por algum motivo que ninguém entende. Uma pessoa, menino ou menina, prepotente, rude e egocêntrica que fica dando chilique por qualquer coisa A FANFIC INTEIRA! Nem quando a tal pessoa encontra seu par perfeito, e a muda totalmente, ela deixa de ser chata. Cara, isso é "odiável". Extremamente.

E então têm os erros ortográficos. Oh meu Deus, os erros ortográficos são uma das piores partes. Você acha uma história sem procedentes de "coque frouxo", personagens estúpidas e nem todo o enredo entregue para você na sinopse, e a primeira coisa que você lê é: "Joaozinhu dice q qeria ír au parque d diversaum na sesta fera , pór isu a mae deli levo ele la"

Naquele momento, eu parei de falar e coloquei o rosto nas mãos. Era demais até para mim, que sabia que estava falando tudo propositalmente.

— E o autor, ainda por cima, tem coragem de reclamar de vácuo e falta de reviews — disse, erguendo um pouquinho a cabeça — Isso é desprezível, detestável, "odiável"... É tudo, meu Deus, é tudo.

Olhei para o bichinho de pelúcia em meu colo. Peguei-o e o ergui, de modo que aparecesse no vídeo.

— E você, Mike, o que acha de erros ortográficos? — Fiz uma pausa, como se o estivesse ouvindo — Isso é verdade. Gente, Mike disse que as pessoas deviam parar de preguiça e procurar um beta, em vez de ficar matando os leitores do coração a cada meia palavra. Quer dizer, o Nyah! disponibiliza a Liga, e o que as pessoas fazem?! "Não preciso de um beta, eu manjo dos paranauê sozinho!" E é por isso que tem tanta merda no mundo. Mas isso quem disse foi o Mike! Eu só traduzi.

Sabe outra coisa "odiavelmente odiável", Mike? Mesmo que isso não seja sobre as coisas que você lê em fanfics, e mais sobre o autor em si. Amigos que não entendem seu entusiasmo por causa de uma história que você está escrevendo. Eu não aguento mais passar por isso. Quer dizer, semana passada eu cheguei para a minha amiga, a Marina, e disse: "Ah, meu Deus, sabia que o Herold vai morrer na minha fic?", e ela me perguntou: "Quem é Herold?". Eu, já um pouco sem paciência com ela, falei: "Um personagem da minha fanfic", e Marina, santo Deus, disse: "O que é uma fanfic?". Depois disso, dei a conversa por encerrada. Sério, gente que não escreve ou lê, e que não consegue ao menos esconder a falta de entusiasmo, é simplesmente "odiável", também.

Meus braços estavam ficando cansados, então pousei Mike confortavelmente em meu colo.

— Outra coisa que me tira do sério — continuei — é um enredo sem sentido. Ou mesmo detalhes, sabem? Tipo, a garota diz que odeia chocolate, que tem ânsia de vômito só de pensar. Daí leva um pé na bunda e compra toda uma prateleira de super mercado disso! Como assim? Ou então um cara diz que odeia mentira, mas a cada duas falas dele, três — isso, três — não são verdade. E ele nem justifica, entende? Não há um motivo aparente para mentir, mas dane-se, vai fazer isso mesmo assim. Isso é "odiável".

Difícil é quando você procura um gênero comédia ou romance e, logo no primeiro capítulo, vem pencas e mais pencas de sexo. Tipo, você quer uma comédia romântica, não uma suruba. Mas é isso o que escrevem. O casal nem se conhece direito, mas quem se importa? Daí ela fica grávida em uma noite, e eles são obrigados a casar ou algo assim. Sem necessidade; se quer engravidá-la, pelo menos podia esperar até eles terem um tempo de convivência, né?

Fiz uma pequena pausa para recuperar o fôlego, mas logo continuei.

— Daí vem outro tormento de todo autor: vácuo. Eu pelo menos não conheci ninguém que não tivesse no mínimo o dobro de leitores fantasmas do que ativos, fora os que leem um capítulo ótimo — cheio de ação e com três mil palavras, daqueles que vai dando desespero no final porque você precisa de mais —, mas só comentam algo como: "legal", "amei" ou "continua". Isso é muito, muito "odiável".

E tem aquelas pessoas que repetem palavras. Em uma frase, a pessoa coloca, por exemplo, "Joãozinho" umas milhares de vezes, como se pronomes não existissem. Isso é insuportável, e muita gente faz. Para não falar de quando frases rimam. Tipo: "Em um dia de sol, Joãozinho estava sozinho em casa, e então Joãozinho decidiu mandar brasa, e convidou Pedrinho e Miguelzinho para brincar na casa de Joãozinho". Até porque o Joãozinho é rebelde, e não precisa perguntar para a mãe se os amigos podem ir brincar com ele.

— ANA NICOLE! — ouvi a voz alta da minha mãe em algum lugar, provavelmente a sala — ANA NICOLE!

Fechei os olhos com força, pensando em apagar o vídeo e começar tudo de novo, só para meu nome horroroso não ser ouvido, mas desisti ao ver que tinha quase dez minutos gravados, e pensei que não me lembrava de metade do que tinha dito mais.

— O que foi, mãe? — gritei, esperando não ter de sair do quarto.

— Nada, querida, só para dizer que cheguei do trabalho! ─ Resisti bravamente ao impulso de falar um palavrão. Odiava meu nome, por um motivo bem óbvio: Ana Nicole era... podre.

Voltei o olhar novamente para a câmera.

— Então, gente, já foi um tempo bem longo. Espero que tenham gostado do vídeo. Manda tchau, Mike!

Peguei novamente meu urso e fiz com que balançasse o braço gordinho.

Daí, soltei-o e desliguei a câmera, terminando de gravar.