Nós estamos juntos desde sempre. Desde que seus olhos se encheram de luz. Desde que seus pulmões foram preenchidos de ar. Antes mesmo de eu perceber minha existência...

Eu sempre vi o mundo através de seus olhos, sempre chorei junto dele, sempre sorri junto dele, nossa solidão se completava. Mas ele nunca admitiu nada disso. Ele não notava minha presença e pensava que estava sempre solitário, ele pensava que eu não passava de um ódio que havia se acumulado em coração com o passar do tempo.

Mas ele está errado!!! Eu observei tudo e eu senti tudo. Quando ele estava entediado, eu também estava. Nós dois passávamos dias inteiros nos divertindo mas algum dia, isso mudou. Ele encontrou outras pessoas para preencherem sua solidão e eu fui esquecido. Ou pelo menos ele tentou me esquecer.

Mas eu não podia ser esquecido, ele não tinha controle sobre mim pois eu não era uma mera parte de seu ser. Eu tinha minha opinião, eu gostava de algumas coisas, eu odiava outras e acima de tudo eu tinha vontade...de viver...

Vontade de fazer o que eu quiser, de explorar o mundo imenso que existe e de me divertir com ele. Mas já que eu não podia, eu preferi apenas aproveitar meus momentos com ele. Mas ele deixou de lado nossa diversão e começou a viver sua vida apenas por aqueles...que ele chamava de amigos.

Aquilo me irritava ao extremo:

–Como pode ele reconhecê-los como iguais e não eu? -Pensava furioso.

Eu havia abandonado o meu sonho de explorar o mundo e agora eu havia sido trocado. Inaceitável. Sendo assim, eu serei o que ele pensa que eu sou. Eu tomarei conta de seu ódio, eu moldarei esse ódio e o usarei como uma arma...contra ele mesmo...

Não passarei de um recipiente para a destruição e carregarei a chacina em meus braços. E assim o fiz. Demorou muito para juntar ódio o suficiente mas o momento finalmente chegou. Quando sua mente vacilou, eu me transformei na essência de seu ódio e assumi seu corpo. Pela primeira vez, eu me vi livre. Eu não estava vendo o mundo por seus olhos e sim pelos meus. Eu estava sentindo tudo aquilo na minha pele.

Era uma sensação tão boa:

–Viver é tão bom... -Sussurrei para mim mesmo.

Mas o ódio em meu corpo me impedia de aproveitar aquilo calmamente, eu necessitava de apagar aquela chama que queimava dentro de mim. E assim, eu propaguei a destruição por onde passei. Mas não foi o suficiente, a quantidade de ódio era pouquíssimo. E poucos minutos depois, ele já estava de volta. Inconformado, eu comecei a reunir ódio novamente e dessa vez eu reuniria muito mais:

–Um dia...tomarei esse corpo para sempre... -Pensava rancorosamente.

Muitos outras vezes aconteceram, muito ódio foi reunido. Mas houve uma vez peculiar, ele veio ao meu encontro, implorando por poder. Eu gargalhei:

–Depois de tudo o que fez, ele veio implorar...que cômico... -Pensava. -Mas serei um bom amigo, pegarei seu corpo e as entranhas de seus inimigos.

Eu diria que foi uma ótima troca. Consegui usar seu corpo por muito mais tempo do que jamais tinha. Matei pessoas o suficiente para ter uma represa de sangue. Coletei crânio por crânio com toda a minha felicidade. Aproveitei cada momento. E aqui estou eu...esperando pela minha próxima oportunidade de saciar meu tédio...:

–Viver é tão bom...mas matar é ainda mais...