Roma XXVI escrita por Hash


Capítulo 4
Luta com autômatos




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Não fizemos nada no dia anterior. Acho que deixaram esse tempo para assimilarmos tudo. Acordo cedo para o treinamento. Isso está me preocupando muito. Rômulo com certeza vai me machucar de alguma forma, e eu sei que ninguém fará nada para impedir. A única maneira é tentar ficar longe dele, mas alguma coisa me diz que eles influenciarão desavenças entre os concorrentes para criar um ambiente de mais competitividade, e ódio, é claro.
Desço da cama. Meus pés tocam o piso frio e enviam um arrepio por todo meu corpo. Olho para baixo. Meus pés são excessivamente brancos e pequenos, minhas pernas são finas, mas meus músculos são resistentes e possantes. A força nunca será uma aliada minha, mas a velocidade, essa sim. Meus joelhos estão cobertos de cicatrizes, e uma ferida que eu já havia esquecido ainda está em processo de cicatrização, em meio à uma mancha arroxeada e doentia.
Levanto-me, impulsionada pelas molas do colchão. Nunca dormi em algo tão bom, e tão caro, e daqui à uma semana eu não estarei aqui. Esta é uma certeza. Eu vou tentar, claro, mas uma sensação de impotência atravessa a minha mente me angustiando. Eu não tenho sentido para viver, de qualquer forma. E a morte é inevitável. Mesmo que eu viva cem anos, ela caminha ao meu lado esperando uma momento de fraqueza e... Devora-me. Não deve ser tão ruim assim, entretanto.
Não vejo Helena em lugar algum. Talvez esteja no banheiro. Não vejo a hora de ter água quente e sabão novamente em contato com a minha pele. Será difícil retirar a crosta de dias de sujeira da minha pele, mas uma água quase fervendo deve dar conta do recado.
Ao lado da porta, no chão, estão dois conjuntos de roupas diferentes das de ontem. Pego-as. São de um tecido leve e branco. Uma regata branca, roupas de baixo e uma calça legging preta, além de um par de tênis de couro aparentemente muito resistentes. Ótimos para correr. Helena sai do banheiro enrolada em uma toalha, ainda com o cabelo molhado e cheirando à sabonete de limão.
Ansiosa? Pergunta.
Nem um pouco. Respondo. E você?
Sem chance. Ela aponta para o conjunto de roupas. Roupas novas? Esse pessoal é eficiente, tenho que admitir. Vá já tomar banho, é o melhor que tomei em anos.
Forço um sorriso e entro no banheiro, carregando as minhas roupas. Uma névoa branca está se dissipando pelo ambiente, o banheiro tem azulejos amarelos e uma grande ducha. Tiro as roupas e ligo a ducha, um jato potente de água quente vem ao encontro do meu corpo. A água que escorre dos meus cabelos é marrom e gordurosa, absolutamente nojenta.
Lavo os cabelos e me esfrego com uma esponja da melhor forma que posso. Aquilo não é capaz de tirar os calos, machucados e cicatrizes, mas deixa minha pele dez vezes melhor.
Ao sair do banho, já vestida, encontro Helena gritando com um homem na porta. Não posso ver quem é, pois metade do corpo está atrás da parede, mas reconheço a voz de Rômulo.
Não vou perder o treinamento por causa de bebezinhas que ficam duas horas no banho. Já está na hora! Berra ele.
Dá um tempo! Intervém Helena. Metade de nós vai morrer semana que vem nesse massacre ridículo, fique preocupado com isso!
Eu quero é ganhar. Ele dá um empurrão em Helena, que se desequilibra mas não cai.
Em seguida ela dá um chute na porta. O que se segue é um grito e um uivo de dor.
Meu nariz, sua desgraçada! Prepare-se para assinar seu testamento!
Então boa sorte, ela fecha a porta bonitão.
Eu olho paralisada para Helena.
Ah, meu Deus. Não acredito que você disse isso.
Pois acredite. Ela bufa.
Não, é sério. Aqui é perigoso. Rômulo é perigoso. Se ele pegar uma de nós duas, a coisa vai feder. Para nós, é claro. Esse pessoal não tem sentimentos.
Você acha que eu não sei disso? Ela grita. Eu estou aqui! Eu sei o que eu estou passando tanto quanto você, então não me venha com lição de moral, garota! Ela aponta o dedo para minha cara. Dou uma passo para trás.
Me desculpe. Digo, abaixando a cabeça. Você está irritada e...
Não. Interrompe. Me desculpe você. Ela seca uma lágrima. Eu preciso de um abraço.
Dou um passo para frente e a puxo para perto de mim, envolvendo-a com os meus braços.
É importante ter uma amiga aqui. Diz ela.
Pra mim também.
Então... Ela se afasta. Vamos para o treino?
Seguimos pelo corredor até o salão comum. De lá, entramos por um portal branco onde a assessora, Ariane, aponta freneticamente.
É por aqui! Berra a mulher minúscula.
Entro pelo portal onde me deparo com a sala de treinamento. Parece bem mais ampla do que no dia anterior. Quatro pessoas estão à nossa frente. Três homens e uma mulher.
A voz estridente de Ariane volta a ecoar.
Pessoal! Estes são os professores que darão a aula de hoje. Cada grupo com um deles. Ela se aproxima da mulher. Está é Débora, a professora de luta com facas. Encarregada do grupo 1. Ela aponta para o próximo homem, de cabelo curto e barba. Este é o encarregado do grupo 2, Ícaro, de combate corpo-a-corpo. Ela apresenta outros dois homens, Lucian e Davi, professores de luta com espada e arco-e-flecha.
Ícaro nos encaminha para uma sala retangular. Não há nenhuma arma, mas o chão é acolchoado para lutas.
É desnecessário aprender vários tipos de luta, na minha opinião. O único jeito que se aprende a bater, é batendo. Tenho alguns empregados que vão ajudar vocês nisso. Penso que já que são ex-presidiários, tem algum talento para matar, fugir, sequestrar. E este foi um dos fatores determinantes para a realização da Gladius Innovatore. Onde podemos achar pessoas que podem morrer, que merecem morrer, que sabem lutar e tem algum motivo para ganhar, mas que já estão sob o controle do estado? Na cadeia, é claro.
Não queremos maricas. Queremos homens e mulheres fortes, prontos para lutar pela vida com fogo nos olhos! Não se esqueçam que a nação precisa disso! Depois da primeira Gladius Innovatore, o nosso império vai se por de pé novamente e seremos grandes e temidos ainda mais como fomos antes. Sem mais tardar, que venham as lutas. Se não se incomodarem, me sentarei e assistirei à tudo.
Ando, sozinha, até um ponto onde um homem sem rosto está parado. Quando me aproximo, percebo que é uma máquina. Ela começa a falar, com voz mecânica.
Cassandra Ferron. Dezenove anos. Um metro e sessenta de altura. Cinquenta e cinco quilos. Solteira. Natural de Nova Roma. Deseja lutar, senhorita?
É claro. Respondo.
Iniciação. Murmura a máquina. Em seguida, começa a se mover com movimentos surpreendentemente humanos.
Ele joga o cotovelo na minha direção. Deslizo para baixo, e ele atinge de raspão o meu ombro. Rolo para o lado para evitar um chute e atinjo a perna da máquina com o pé direito, com toda a força. Tem uma consistência firme, semelhante à carne. Semelhante demais. Me levanto, esquivando a todo momento. Respiro por um segundo, e é quando uma joelhada atinge em cheio meu estômago. Gemo de dor, ao cair de costas. A máquina continua avançando na minha direção, com movimentos humanos assustadores. Rolo para o lado no momento em que ele se prepara para dar um chute na minha cabeça.
Preparo-me para levantar, enquanto a máquina se recompõe. Já de pé, corro em ziguezague pelo chão acolchoado e delimitado por faixas pretas. A máquina vem em minha direção, correndo. Tenho que deixar de fugir e esquivar .Tenho que atacar. Aquela máquina deve ser programada para fazer os movimentos, e surpreendê-la deve ser a melhor forma de vencer. Ele deve esperar que eu me esquive. Mas uma ideia passa pela minha mente. Corro em direção a ela e dou um salto, atingindo o peito do autômato com os pés. Ela cambaleia, e eu caio por cima dele socando a cabeça com os punhos, sentada sobre a barriga da máquina. Ela parece ter parado de se mover.
Me ponho de pé, e é quando uma mão agarra meu tornozelo. Minha ação foi instintiva. Reuni todas as minhas forças e esmaguei o rosto do autômato com o pé livre, com uma força esmagadora. Corro para longe, temendo que ele possa se mexer, mas ele não se mexe.
Muito bem. Ícaro vem na minha direção, batendo palmas vagarosamente. Você foi a primeira a derrotar o autômato. Admito que não esperava.
Forço um sorriso. Olho para os outros. Rômulo está golpeando um autômato com os punhos, a perna já dilacerada. Helena se esforça para se desvencilhar dos braços de um autômato, mas ele a imobilizou. Ando em sua direção, mas Ícaro segura o meu braço.
Relaxe. Ele não vai mata-la.
A cabeça! Grito. Acerte a cabeça, Helena!
Ícaro me puxa com o braço, envolvendo meu rosto e tapando minha boca brutalmente. Ele cuspe enquanto fala.
Essa é a primeira regra se você quiser vencer. Não ajude os seus oponentes!
Me desvencilho dos seus braços.
Eu faço o que eu quiser! Replico. Eu tenho certeza de que não vou ganhar. Estou ciente disso. Se eu quiser ajudar meus oponentes, tanto faz... Meu final sempre será o mesmo. O túmulo. Ou talvez um buraco em um terreno baldio. Mas aí já não importa mais. Então me deixe em paz!
Ícaro parece pasmo. Mas logo recupera sua expressão de durão.
Que seja.
E o que eu devo fazer agora, vossa excelência? Me curvo, em um gesto teatralmente exagerado.
Temos mais autômatos , se você quiser. Anuncia.
Sem chance.
Também tem eu. Diz ele.
Me viro. O que ele quis dizer com isso?
O quê?
Lutar. Comigo. Lutar comigo.
Paro por um instante. Não consigo assimilar muito nada nos últimos dias, então concordo.
Vamos.
Ele me arrasta pelo pulso até uma espaço livre.
Lembre-se sempre de examinar os movimentos de seu adversário. Você foi bem com o robô. O sistema realmente não esperava que você o enfrentasse enquanto ele estivesse correndo, e o reparo no sistema demora oito décimos de segundo. Tempo suficiente para acabar com a festa de qualquer um. Ele se move de um lado para o outro, com os braços e a pernas abertas.
Hum... Eu sei disso. Tento imitar seus movimentos.
Mas eu tenho certeza que... Ele agarra o meu tronco e centésimos de segundo e me gira à 360 graus envolta do seu braço, atirando-me no chão em seguida. Bato as costas dolorosamente . O impacto tira o ar dos meus pulmões de uma só vez. Você não esperava por isso.
Foi um golpe baixo. Digo, enquanto inspiro, ainda caída. O ar parece preencher cada tecido do meu corpo gradativamente.
Você estava na cadeia. Diz ele. Deve estar acostumada a golpes baixos.
Giro minhas pernas, batendo em seu joelho com a ponta dos pés. Ele cai, mas se apoia com as mãos antes que o rosto chegue ao chão. Um reflexo muito rápido. Ele me olha com o canto do olho. Abro a boca.
Você também.


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