Roma XXVI escrita por Hash


Capítulo 12
Conteúdo Secreto




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/538816/chapter/12

Assisto os homens encapuzados de preto retirarem o corpo inerte de Calígula. Sua cabeça tomba para trás, vomitando sangue incessantemente. Sinto um gosto amargo na boca. Aqueles homens são como urubus. Eles pegam Helena com muito menos cuidado e a jogam sem cerimônia na maca. Ela geme de dor. Os urubus somem em um túnel pequeno ao lado da arena, cujo portão acabou de ser aberto.

O telão fica preto. Um nome surge: DAFNE. Uma mulher da primeira fileira se levanta com passos decididos, o barulho das sandálias ecoando. É loura, magra, branca, de olhos brilhantemente azuis, boca muito vermelha e estatura mediana. Suas pernas finas parecem prestes a quebrar. Tão delicada quanto uma boneca, uma boneca de cera. Parece uma colegial fantasiada.

Sem que ninguém precise arrastá-la, sem que Ariadne abra a boca, ela vai para o túnel. Minutos depois aparece no telão com um escudo e um tridente dourado que contrasta magicamente com seus cabelos longos, que cascateiam encaracolados por baixo do capacete até a lombar. A oponente está do outro lado, uma mulher morena e alta de cabelos lisíssimos arrumados em uma trança jogada por cima do ombro. No canto do vídeo é possível ver o camarote vip de Constâncio IV e seus convidados. Ele aponta para um homem, como se estivesse gritando. Os dois discutem. O outro homem é Morfeu. Ele desaparece pisando duro. Quando a câmera foca o imperador, ele sorri e a luta começa.

Antes que eu possa ver o primeiro golpe, saio sorrateiramente pelo salão. Uma ideia me vem à cabeça. Se o imperador e Morfeu discutiram, quer dizer que há alguma coisa errada. E se há algo errado, este é o momento para que eu aproveite. Lembro-me bem do caminho para o centro administrativo, que não é nada perto.

Sigo para o corredor, e abro a porta entreaberta. É o mesmo corredor em que ouvi a conversa reveladora sobre a Gladius. Deixo a armadura na beira de uma parede e o capacete do lado, atrás de um grande jarro romano. Bagunço os meus cabelos agora curtos, para que ninguém me reconheça. Atravesso a última porta do corredor, de onde sobe uma escada em espiral. Minhas sandálias deslizam pela superfície de mármore, mas me firmo no corrimão. Ao terminar o percurso, quase tonta, pego o elevador para o andar sete. Aperto o número com dedos trêmulos e espero, encarando minha imagem desgrenhada no espelho. Vejo-me em um salão comprido, onde algumas pessoas andam de um lado para o outro carregando pilhas de papéis. Sobre uma mesa jaz um chapéu antiquado, pego-o e coloco sobre minha cabeça. Na cadeira está um blazer, provavelmente de alguém que tirou-o quando começou a fazer calor. Com mãos leves, o furto. Esta é, afinal, a minha especialidade.

Ando rapidamente pela sala e viro no corredor, percorrendo-o, depois à direita, à esquerda, sobe uma pequena escada e me vejo no centro administrativo. Várias mesas estão vazias. No alto, uma tevê mostra cabelos louros lambuzados de sangue, balançando enquanto Dafne brande o tridente contra sua adversária. A luta parece longe de terminar, mas eis que Dafne atira a arma contra as pernas da oponente e termina a luta com um golpe magistral no pescoço. O telão exibe um nome masculino. Tomara que não chegue logo a minha vez. Na porta de Morfeu, vejo-o sentado na mesa conversando avidamente com alguém no telefone. Esgueiro-me no canto, protegida pelo grosso batente da porta, para ouvir a conversa.

— Sim, sim. É verdade. Nosso plano pode ir por água abaixo. — Silêncio. — Eu sei que deveria me tornar amigo dele, mas é uma tarefa complicada. Aquele temperamento egocêntrico o torna insuportável. Creio que você se daria melhor que eu. Este é o objetivo. Constâncio não pode nem imaginar

Segue-se um longo momento. Morfeu concorda várias vezes, e discorda veementemente no final.

— De jeito nenhum! Meu objetivo é ser o imperador. Eu estou velho, eu sei. Mas tenho mais vigor que muitos gladiadores daqui. — Silêncio. — É claro que não. Você prometeu me apoiar. Jurou, até! E é isso que vai fazer. Sabe do meu objetivo, e é meu único confidente. Tanto que mandei todos embora mais cedo visando alguma privacidade para nossa conversa. Vou atacar o Brasil, o país que acabou com a nossa glória e matou a minha mãe! Sim, é isso que vou fazer.

Por um momento de descuido, me desequilibro e bato com a mão no vidro. Pânico me invade. Caso ele me veja, o que será de mim?

Morfeu afasta o telefone da cabeça e corre o olhar por toda a sala.

— Vou mandar o Livro Secreto para você amanhã. — Murmura, batendo em um pacote da mesa. E desliga.

Ele se levanta abruptamente e sai da sala. Enquanto ele está de costas, deslizo para dentro dela e me oculto atrás de um armário. Pelo vão do armário, posso vê-lo dar uma risada enquanto olha na tevê e vai embora. Caso ele volte, não terei onde me esconder. Tenho que sair daqui, e rápido. Meus olhos encontram o pacote sobre a mesa. Está lacrado. Não, não posso fazer isso. Mas, lá está o Livro Secreto. O que ele seria? Algo muito importante. Morfeu não é um amigo de Constâncio, mas sim quer destrona-lo. Como seria? Será que... Aquilo deve guardar segredos de guerra, dos presidentes e imperadores. Como caímos nessa crise, por quê estamos aqui... Quando me dou conta, estou com o pacote ocultado no blazer andando de volta para o grande salão.

O simples peso do livro sob o blazer me faz ter arrepios. Faço todo o percurso de volta, e o prédio parece estar deserto. No fim de um corredor, vejo de relance os sapatos de Morfeu indo na direção em que eu também devo ir. Ele com certeza está indo para o grande salão, ver nosso desespero. Espio para tentar vê-lo, e ele dobra para o outro corredor. Sigo-o, e desço as escadas em espiral silenciosamente. Espero que ele vá para o grande salão antes, à fim de evitar um encontro. No corredor, tiro o chapéu e o blazer e os jogo dentro do jarro. A entrada é fina, impossível de enxergar o fundo, entretanto, ele é alcançável pelos meus braços finos. Alguém musculoso dificilmente o faria. Coloco a armadura e o capacete, segurando o pacote nas costas.

A porta range, e alguém começa a abri-la. Desesperada, amasso o pacote, enrolando o livro com capa de brochura, e o atiro dentro do jarro. Quando a porta abre, é um dos assessores que pergunta:

— O que está fazendo aí?

— Estava — penso por um instante — procurando o banheiro.

— Hum... — Ele franze o cenho. — Pode ir no seu dormitório, não acha?

— Ah, posso? Desculpe.

— Vá logo. — Diz ele, ríspido. — Pode ser chamada a qualquer instante.

Assinto e corro para o banheiro. Lavo minhas mãos e o rosto. Volto para a cadeira e me sento, olhando fixamente no telão um dos homens dar o golpe final com a espada no estômago do adversário. Ele grita e levanta os braços. Com certeza não é o que estava no nosso grupo. Sorridente, mas mancando, ele dispensa o serviço dos urubus e segue para o pequeno túnel. A multidão grita seu nome, Daniel. Antes que a tela exiba o nome do próximo, Morfeu invade o palco.

— Sugiro que lutem com bravura, como este. — Ele sorri maliciosamente. — Os vencedores vão para a festa, os perdedores para o nosso cemitério. Um cemitério de honra, dentro de nossas dependências. Bom, não?

— Ah, com certeza querido. – Intervém Ariadne. — Só gostaria de anunciar o próximo lutador.

— Sim, claro. Mas não será preciso. Trago ordens diretas do Imperador. Já informei o outro grupo que o lutador será Hércules. — Ele sorri. — Portanto, sua oponente lutará agora.

Engulo em seco. Não sei quem é Hércules, mas talvez seja o meu oponente.

— Mas por quê? — Pergunta Ariadne.

— Quieta. — Diz Morfeu, como se fosse para um cão. Ariadne se encolhe. — Não se questiona as ordens do Imperador Constâncio IV. Jamais.

Se ele diz isso, então por que brigou com Vossa Majestade? Este é uma pergunta que martela a minha cabeça.

— Pois, então... — Começa Ariadne, com um tom de voz fora do habitual, submisso. — Diga, por favor.

— Ela. — Ele aponta para nós.

— Quem? — Perguntam alguns, em uníssono.

— O Imperador deseja ver logo a luta entre Hércules e Cassandra Ferron. — Diz ele. — Já!

Levanto-me, apontando o dedo em seu rosto.

— Seu mentiroso descarado! Acabou de brigar com Constâncio, essa não passa de uma vontade sua!

— Discutimos brevemente, admito. Mas por que eu queria adiar esta loucura! Mas ele é o Imperador, sempre está certo e é inflexível, portanto você irá para a arena. Por bem, ou por mal! — Ele fala. — Guardas!

O guarda vem até mim e seguram meus braços, me arrastando. Desvencilho-me deles com ferocidade, sacudindo meu corpo.

— Parados! — Grito, e eles, surpreendentemente, me obedecem. — Se vou morrer, quero caminhar em direção a morte com minhas próprias pernas!

Ando rapidamente em direção ao túnel. O coração batendo cada vez mais forte, dores na cabeça e no corpo. O que é isso? Pareço prestes a derreter. Passados alguns metros, encontro um grupo de pessoas e uma espécie de estrutura sustentando várias armas.

— Você pode escolher . — Murmura uma mulher.

Respirando lentamente, corro o olhar pelas armas. Vários punhais, facas, machados, facões e uma extensa variedade de espadas. Algumas aljavas e arcos também estão dispostos ao lado. Agarro uma lança prateada, cujas pontas são revestidas de um cristal mortalmente afiado e vermelho e um escudo desenhado com o que aparenta serem deuses romanos. São relativamente leves, e aparentemente resistentes. Meus olhos param em um bracelete de ouro de formato estranho, mas muito belo.

— O que é isso? — Pergunto.

— Um bracelete, e uma faca. — Um homem o pega. — Para torna-lo mortal, é só fazer assim. —Ele puxa um pequeno pino. Automaticamente, o bracelete fica plano, exibindo um punho de metal bordado e uma lâmina muito fina.

— Posso? — Pergunto.

O homem olha para o lado. Seus companheiros conversam no canto.

— Eu não deveria estar fazendo isso, mas... Pode. Pegue-o.

Ele o coloca em meu braço, e caminho até a arena. Um terreno de grama sem árvores, com algumas grandes elevações e depressões. Do outro lado, meu coração gela, Hércules carrega uma espada enorme e um escudo maior ainda, e parece manuseá-los como se fossem feitos de pluma.

De repente, grossos canos começam a expelir água e a inundar a maior parte da arena. A batalha começou.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!