Lunar escrita por maryah cullen


Capítulo 4
Capítulo 4: Opostos




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/53875/chapter/4

Caminhei lentamente em direção ao meu Fusca branco. Jaike parou ao meu lado e olhou com repugnância para meu carro.

 

—É isso que você dirige?

 

Ah, e com certeza ele dirigia um Aston Martin ou uma Ferrari, não é mesmo?

 

—Eu gosto muito do meu carro e ele serve perfeitamente bem para o que eu preciso.

 

Ele franziu o cenho, mordeu o lábio inferior e falou decidido:

 

—Você não vai andar nisso hoje, muito menos depois de ter desmaiado.

 

Eu ri. Que idéia absurda, ir a pé para casa. Eu não sabia o que isso ajudaria no depois de ter desmaiado.

 

—Estou falando sério, você não vai andar nessa sucata. Quantos anos ela tem, cinqüenta? Oitenta?

 

Ergui as sobrancelhas para ele, olhando-o incrédulo. Para começar, ele não me conhecia se achava que chamando meu carrinho de sucata ele ia me convencer a fazer algo. Depois, se eu não ia na “sucata de oitenta anos”, como eu ia?

 

—E como você espera que eu chegue ao hospital? Voando?

 

Ele franziu a testa por um segundo, depois me olhou cético e por fim, esclareceu.

 

—Eu vou te levar, no meu carro.

 

—QUÊ?! – Gritei, surpresa. - Você enlouqueceu? Você não pode me levar assim, no seu carro, não tem necessidade...

 

Eu gaguejava sem parar. Ele riu da minha reação.

 

—Me diga por que eu não posso.

 

Eu travei, respirei fundo e falei.

 

—Por que eu não vou deixar.

 

Ele riu de novo.

 

— Não acho que você tenha escolha.

 

Eu começava a enfrentar dificuldade de respirar.

 

—Você não me obrigaria a... Obrigaria?

 

Eu perguntei, incerta ao ver a cara dividida entre malícia e zombaria de Jaike.

 

— Você vai comigo. Olhe para isto! Está caindo aos pedaços! Cheio de ferrugem, vai quebrar no meio do caminho. Seus reflexos devem estar lentos, você ficou uma meia hora inconsciente, bateria essa coisa, que nem pode ser chamada de carro.

 

Meu queixo caiu enquanto eu procurava argumentos. Quer dizer, meu fusca estava em perfeito estado, apesar de ser um pouquinho, certo, bastante velho.

 

—Meu fusca! – Gritei, desesperada. Eu simplesmente não queria uma viagem de carro com Jaike. – Quem, como ele vai chegar ao orfanato?

 

—Ela estará lá, quatro e vinte da tarde.

 

Tentei meu último argumento.

 

—Estou em perfeitas condições de dirigir!

 

—Ah, por favor! – Ele bufou. – Você acabou de desmaiar.

 

Então cedi, derrotada, e caminhei para uma Mercedes preta reluzente.

 

Subi no banco do carona, tentando parecer digna e enfurecida. Não tive muito sucesso.

 

—Então, - Começou Jaike. – Sabe por que desmaiou?

 

Essa era uma pergunta interessante. Eu não comera nada suspeito, não estivera enjoada, não tive náuseas antes de desmaiar. Era verdade que estivera sob estresse, mas nem tanto. Estivera, na verdade, surpresa e irritada.

 

—Não sei muito bem. – Eu falei, tentando me lembrar, enquanto olhava Jaike. – Eu me lembro que... Que estava irritada, por estar falando com você. Estava muito, muito surpresa. Só.

 

Ele pensou um pouco, já saindo do estacionamento, mas olhando para mim, invés do pára-brisa.

 

 —Você não pode ter desmaiado por isso. O que aconteceu? Eu sei que você sussurrou “Miguel”, e então caiu.

 

Desabei era o termo mais correto. Fora tão súbito que eu duvidava que qualquer cientista soubesse explicar por que eu desmaiara.

 

—Eu... Eu acho que... – Hesitei, sem saber se deveria contar. Decidi que era melhor não esconder nada. – Antes de desmaiar, tive a impressão que fiquei muito mais pálida que o normal nas pontas dos dedos, essa palidez foi se espalhando pelos meus braços em segundos e então quando deve ter coberto todo o meu corpo, desmaiei.

 

O sangue fugiu do rosto de Jaike. Ele evitou meus olhos, olhando pelo pára-brisa, apertando compulsivamente o volante. Os nós dos seus dedos ficaram brancos, muito estranhos em contraste com seu bronzeado natural.

 

— Mais alguma coisa?

 

Sua voz tremia. Era algo misturado com raiva, tristeza, confusão e esperança. Muito, muito estranho. Que reação exagerada! Balancei negativamente a cabeça.

 

Olhei para frente pela primeira vez. Tínhamos acabado de estacionar no estacionamento do hospital Sales.

 

—Obrigada. Então... Tchau.

 

Ele acenou.

 

—Sim, tchau.

 

Subi apressada para meu quarto, voando pelas escadas, corri e fechei a porta atrás de mim.

 

Enfiei minha cabeça em baixo do meu travesseiro, correndo milhões de pensamentos por minha mente.

 

E pela primeira vez eu percebi o que eu estava sentindo: Eu gostava de Jaike. Que coisa improvável! Logo Jaike, aquele que antes eu tanto odiava! E agora, eu gostava de Jaike.

 

Eu gostava de Jaike. Era um fato.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Abri minhas cortinas e olhei o estacionamento do hospital Sales. Eram quatro e dezenove da tarde e não havia sinal do meu fusca. Não vinha ninguém pela estrada. Ele dissera quatro e vinte, mas não ia conseguir. Tudo bem, ele me trouxe aqui em uns oito minutos, o que indica que ele dirige muito rápido, mas ainda assim ele tinha que voltar para escola, pegar o meu carro e ainda trazer ele para cá. E ainda tinha que resolver o que ia fazer com o carro dele.

 

Girei o rosto para o relógio na parede do meu quarto. O ponteiro dos segundos estava quase terminando a volta. Será que eu me enganara com a hora? Cinco segundos para quatro e vinte... Quatro... Três... Dois... Quatro e vinte em ponto.

 

Virei o rosto novamente para o estacionamento, mas agora havia um fusca branco parado lá.

 

Olhei para os lados procurando uma Mercedes preta ou uma mecha de cabelos escuros se afastando, mas não havia nada. Só o meu fusca lá em baixo.

 

Desci e entrei no meu carro, para levá-lo ao estacionamento do orfanato. Encontrei dentro dele a chave na ignição, com um bilhete pendurado no meu chaveiro. Apanhei-o e dizia em uma caligrafia elegante;

 

 

 

Quatro e vinte.

 

 

 

Só? Virei o bilhete. Espremido em um canto, havia um PS.

 

 

 

Tente não desmaiar de novo.

 

 

 

Levei meu carro para o estacionamento subterrâneo, ainda analisando o bilhete e subi de volta ao meu quarto. Puxei uma gaveta da minha cômoda, peguei uma caixa pequena e de cristal e, com uma ultima olhada no bilhete, guardei-o dentro dela. Recoloquei a caixinha na gaveta e fechei-a.

 

Sentei na minha cama e fiquei um tempo ali, encarando o móvel, como se ele tivesse as respostas que eu precisava. Precisava, mas não as queria realmente.

 

Minha mente era um turbilhão de perguntas. Quando eu achei que ia explodir, alguém bateu na porta de leve.

 

—Entre. – Pedi.

 

—Mary? Está tudo bem? – Era Helen. Ela com certeza me vira subir com o bilhete na mão e viera ver como eu estava. – Eu vi você subindo, parecia preocupada...

 

Assenti. Se minha cabeça continuasse assim, eu ia tomar umas boas doses de remédio para dor de cabeça.

 

—O que aconteceu?

 

Pensei. Demorou um pouco para que eu processasse a pergunta. O que eu realmente queria era uma boa noite de sono.

 

—Eu desmaiei, depois tive uma conversa muito estranha com quem me deu carona e depois meu carro apareceu do nada no estacionamento.

 

Falei monotonamente, como se tudo tivesse acontecido com alguém que não era eu.

 

—Você desmaiou? Por quê?

 

Helen ficou atenta imediatamente, sua parte enfermeira entrando em ação. Suspirei. Quando se tratava de saúde, as conversas com a enfermeira eram muito chatas.

 

—Não sei, foi de repente. Mas não se preocupe, a enfermeira do meu colégio já me medicou.

 

Helen começou a analisar meus sinais vitais, passou a mão na minha testa, checou meu pulso.

 

—Qual o nome da enfermeira do seu colégio? – Ela perguntou.

 

—Jill. –Hesitei, sentindo que devia completar a informação. – Jill Thompinsom.

 

Helen concordou, murmurando algo que não entendi.

 

—É uma boa enfermeira. Ela teve indicação do Dr. George, sabe.

 

Eu estava ficando muito sonolenta, cansada, e pela primeira vez na vida quis ser deixada sozinha.

 

—Você parece estar perfeitamente bem, - Concluiu Helen. – Mas se você sentir qualquer coisa, não hesite em me chamar!

 

Ela saiu do meu quarto, finalmente. Deitei e fechei os olhos, querendo dormir.

 

Meu celular tocou. Era Karla. Relutantemente, atendi.

 

—MARY! MARY! ROUBARAM O SEU CARRO! – Ela gritava freneticamente. Afastei o celular da orelha, sonolenta. – ESTÁ ME OUVINDO? R-O-U-B-A-R-A-M- O- S-E-U- C-A-R-R-O!

 

—Calma Karla. Não roubaram o meu carro.

 

Falei, mas foi em vão. Ela continuou berrando do outro lado da linha, desesperada. Tentei de novo, desta vez gritando, ainda semi-inconsciente.

 

—CALMA KARLA! EU JURO, MEU CARRO NÃO FOI ROUBADO!

 

Ela não se acalmou.

 

—FOI SIM! EU VI, TENHO CERTEZA QUE ERA ELE...

 

Acordei.

 

KARLA!

 

Finalmente, ela calou a boca. Calmamente, eu expliquei.

 

—Meu carro não foi roubado. Eu vim de carona para casa e pedi que alguém trouxesse meu carro para cá...

 

Ela me interrompeu, aborrecida.

 

—Não era ninguém do colégio, tenho certeza, não existe no Sales alguém assim.

 

Isso me distraiu momentaneamente. Não fora Jaike quem trouxera meu carro?

 

—Quê?

 

Ela recomeçou a tagarelar na mesma hora.

 

— É isso que tenho tentado te dizer. Não tem ninguém no colégio com aquela aparência. Era uma garota alta, escultural, linda de morrer, cabelo preto, liso até o ombro e muitíssimo mais branca que você, mais branca que uma nuvem, mais branca que a neve. Ela era suave, mais forte. Era linda.

 

Eu não fazia idéia de quem era esta criatura, mas cheguei a pensar que meu carro realmente havia sido roubado até me lembrar que eu acabara de estacioná-lo.

 

—Karla, amiga, quem em sã consciência roubaria um fusca decrépito em meio aos carros superluxo do estacionamento Sales?

 

Tentei chamá-la a razão.

 

—Sei lá, talvez para desmontar as peças, ou outra coisa qualquer...     

 

—Não, Karla, não. Eu pedi que trouxessem meu carro para minha casa, eu acabei de estacioná-lo.

 

Houve um silêncio do outro lado da linha.

 

—Ah. – Ela falou, constrangida. – Então, acho que a gente se vê na escola, não é?

 

—É, - Falei friamente. Então tive uma idéia. – Espera! Karla, você tem o número do Jaike?

 

Ela vacilou. Ficou tanto tempo muda que pensei que tivesse desligado na minha cara.

 

—Não. – Ela disse por fim. – Não tenho, por quê?

 

Meu estômago afundou. Eu não só perdera tempo, como a magoara, me denunciara e me metera em um beco sem saída.

 

—Ah... Queria... Queria agradecê-lo por me trazer até aqui.

 

Inventei rapidamente. Eu na verdade queria perguntá-lo quem trouxera meu carro.

 

Percebi, na mesma hora, que fora a coisa errada a se dizer.

 

—ELE TE LEVOU ATÉ SUA CASA?

 

Ela recomeçara a gritar.

 

—Eu desmaiei, lembra?

 

Falei com voz fininha.

 

— E SÓ POR ISSO ELE TE LEVOU EM CASA?

 

Ela estava com muita raiva. Fui falando a verdade para acalmá-la. Ou parte dela.

 

—Ele faz parte da minha classe, viu quando eu desmaiei, ele me levou até a enfermaria, viu que eu ia num fusca e resolveu me trazer em casa.

 

Karla ainda estava furiosa, mas, pelo menos, parara de gritar.

 

—E o que vocês conversaram? Falaram sobre mim?

 

Arrogante, não?

 

—Te falo amanhã... Em Biologia, ok?

 

—Ah... A Helen está aí, não é? Ok, em Biologia.

 

Helen não estava aqui, mas eu realmente precisava dormir. Caí na cama e me deixei afundar em um sono muito gostoso.

 

Acordei uma hora depois, ou assim me pareceu, com o meu despertador tocando. Arrumei-me muito, muito lentamente, escolhendo minhas roupas com cuidado. Uma blusa azul, fina, pois não estava um dia muito quente e de mangas, uma calça jeans com a barra meio desfiada e bolsos traseiros, um tênis branco com estampa de estrelas roxas. Uma olhada demorada no espelho e vi que meu cabelo colaborava comigo: estava liso em cima e cacheado em baixo, como normalmente eu tenho que passar a escova cinqüenta vezes antes de ficar assim. Meu cabelo sempre fora meio ondulado, mais com cachos muito bem feitos.

 

Lutei comigo mesma, tentando encontrar uma razão para usar o delineador; como não havia nenhuma, meramente coloquei um brinco que achei bonito.

 

Desci as escadas para o meu café da manhã preferido no mundo todo. Lá estava Helen, minha querida mãe substituta e Nilza, minha tia... E muitas e muitas crianças do orfanato. Sentei-me em um lugar à mesa e me servi de suco de laranja, ovos fritos e bacon.

 

—Você está sorridente hoje.

 

Helen me falou.

 

—Está um lindo dia.

 

Falei. E estava mesmo; um céu azul muito claro e sem nenhuma nuvem, as árvores verdes muito verdes. Mas na verdade, eu estava sorridente por que, depois de uma boa noite de sono, eu ficara muito feliz com Jaike. A perspectiva de confrontá-lo, de perguntá-lo quem trouxera meu carro me garantia, no mínimo, uma conversa.

 

Engoli rapidamente meu café da manhã, nervosa.

 

Desci mais umas escadas correndo e saí do hospital.

 

Entrei rapidamente no meu fusca, ajeitando minha aparência no espelhinho retrovisor, e dirigi rapidamente para a escola.

 

Estacionei há umas cinco vagas de distância da Mercedes reluzente e entrei na escola feliz.

 

Espanhol. Pela primeira vez na minha vida, Espanhol era, literalmente, um saco. Um saco cheio de chatice e baboseiras em outra língua. Um saco cheio de perguntas em espanhol que você tinha que responder.

 

Peguei uma decididamente fácil, de resposta óbvia e respondi.

 

Eu estava tão desligada que Soraya, que fazia aula comigo, me deu um olhar de esguelha quando eu perguntei, em inglês, se podia ir ao banheiro.

 

Um pouco assustada (com certeza era a primeira vez que eu usava inglês na frente dela), a Señora Bolive me autorizou a sair.

 

Entrei no banheiro e lavei o rosto com força. Ouvi um cantarolado no momento que sai do banheiro, pronta para responder as perguntas da Señora Bolive. Kenny vinha carregando um papelzinho na mão, cantarolando feliz.

 

—Oi, Kenny.

 

Falei. Eu sabia que Kenny era o novo “namorado” da Mellyza.

 

—Oi, Mary. Você viu a Mellyza hoje?

 

Isso era um bom sinal?

 

—Não, e você? Você não se declarou para ela, ou coisa assim?

 

Ele sorriu feliz.

 

—Ela falou alguma coisa sobre mim?

 

Seus olhos brilhavam.

 

—Ah, sim! – Falei, que obviamente deveria dizer a verdade. – Eu estava na enfermaria sabe, coisa pouca, ela entrou como um furacão e disse que você a chamara para sair! Incrível! Vocês ainda estão juntos, não é?

 

Ele riu e acenou.

 

—Incrível mesmo... sei que o meu irmão, Kevin, gosta muito de uma das amigas dela... Não é você, é?

 

Por que, por que ninguém a achava me suficiente para despertar interesse de alguém?

 

—Não, não sou. Mas – Pedi o conselho dele. – Por que todo mundo diz isso? “Ele não poderia mesmo gostar de você...” “... não é você, é?” Quer dizer, por que ninguém pode gostar de mim?

 

Ele me olhava incrédulo. Corou um pouco, riu e disse.

 

—Bem, é que você é tão linda, que se um menino gosta de você, ele simplesmente não tem chance. Nem os alunos mais velhos, nem alunos desse ano como Miguel Prewett, nem mesmo Jaike Rain...

 

Jaike. Era engraçada a reação que esse nome provocava em mim.

 

Eu gargalhei. Eu? Bonita? Por favor.

 

—Kenny, você é tão engraçado! Nunca ouvi uma coisa mais hilária...

 

E, acrescentei para mim mesma, além de hilária, deprimente.

 

Ele não riu. Encarava-me sem piscar.

 

—Bem, foi legal conversar com você, Kenny, mas tenho que voltar para a sala de aula... A Señora Bolive, sabe.

 

Ele sorriu. Então eu me lembrei, com um sobressalto, que ele era um ano mais velho que eu. Mellyza tinha razão em achá-lo legal; ele era realmente divertido.

 

—Eu também vou falar com a Señora Bolive. Eu tenho que entregar esse bilhete para ela.

 

Kenny e eu entramos na sala de aula, eu sentei no meu lugar e Kenny entregou o bilhete a Señora Bolive, saindo em seguida.

 

Soraya me puxou para o lado e cochichou, enquanto Señora B. lia o bilhete, urgentemente.

 

—Mary, o que você estava fazendo com o Kenny?

 

Vi Juliet se inclinar, sob o pretexto de ver melhor o que escrevia, mas pretendendo escutar minha resposta.

 

—Nada, só conversando. – Respondi com sinceridade. –Sério.

 

Ouvi um sussurro se espalhar rapidamente. Parecia algo como “Krow e Lane.”

 

Cada uma que me aparece...

 

Finalmente, finalmente, o sinal tocou, mandando os alunos se retirarem. Estava na hora de Biologia.

 

Soraya me acompanhou e encontramos com Karla quando estávamos próximas a sala.

 

—Ei, Karla - Sussurrou Soraya. –, você viu Mellyza? Encontramos Kenny e ele não tinha notícias dela.

 

Karla esbugalhou seus olhos já enormes e respondeu temerosa.

 

—Acho que está em Trigonometria, não é?

 

Soraya apressou-se a aclamar a irmã.

 

—É, com certeza.

 

Karla tinha agora o ar impaciente e meio petulante. Falou rapidamente, virando-se para mim.

 

—Ouvi um boato sobre Krow e Lane. Que Krow?

 

Fiquei confusa. Lane era eu e esse boato era o sussurro que eu ouvira agora a pouco. Seria possível...?

 

—Como assim que Krow?

 

Ela me analisou com olhos de águia.

 

—Não é o Kenny, é? Por que você sabe que Mellyza gosta dele... Nem o Kevin, por que... bom, por que também não.

 

Eu fiquei confusa.

 

—O que você quer dizer? Eu não estou gostando ou ficando ou namorando, ou seja lá o que você ouviu com Krow nenhum! Karla, sinceramente, Kenny e Kevin são bonitos, mas não fazem o meu tipo.

 

Ela me olhou com curiosidade.

 

—E qual é o seu tipo?

 

Deixa eu te dar uma pista, pensei, pele acobreada, cabelo preto espetadinho, olhos verdes, o nome começa com “Jai” e termina com “ke”. Jaike.

 

—Quando eu o vir, te falo.

 

Karla tornou-se sorridente agora, muito mais feliz e eu pude adivinhar sobre que tema íamos falar agora.

 

—Então? – Começou ela. –Jaike levou você para casa no carro dele. E aí?

 

—Não foi uma conversa muito animada, -Comentei, tentando me lembrar de um detalhe qualquer. – Eu tinha acabado de desmaiar, lembra? Conversamos basicamente sobre meu desmaio, só.

 

O sorriso caiu um pouco dos lábios de Karla. Ela estava decepcionada.

 

—Ah.

 

No entanto, Soraya me encarava boquiaberta.

 

—O que foi?

 

Perguntei. Ela fechou a boca e me indagou, ignorando minha pergunta.

 

—Quem te levou para casa, Mary?

 

Inclinei a cabeça de lado.

 

—Jaike.

 

Ela encarou meus olhos, temerosa, e nesse mesmo segundo (com um forte baque do meu coração) Jaike entrou.

 

Sentado ao meu lado, dividindo a mesa dupla como sempre, eu podia cochichar enquanto Duncan Thompinsom não chegava.

 

—Então – Sibilei. -, quem levou carro para casa se não foi você?

 

Ele arregalou os olhos verde-água para mim.

 

—Como sabe que eu não...?

 

Eu sorri travessamente.

 

—Karla me ligou, dizendo, ou melhor, berrando que uma garota roubara meu carro. Afinal, quem era a garota pálida de cabelos pretos que trouxe meu fusca?

 

—Minha irmã, Elizabeth. De mau-humor, Beth levou o seu fusca para o orfanato...

 

Interessante. Algumas perguntas se formaram em minha cabeça.

 

—Posso perguntar uma coisa? Ou melhor, várias coisas?

 

Ele sorriu.

 

—Claro.

 

Gravado na testa dele, eu quase consegui ler “só não prometo responder”.

 

—Para começar; Por que Beth é tão branca e você é moreno? Por que meu carro não estava na garagem cinco segundos para quatro e dez, e quatro e dez já estava, se não havia carros na rua? Por que você ficou pálido quando eu descrevi meu desmaio? Elizabeth é sua irmã de sangue? E você ouviu boatos sobre Krow e Lane?

 

Ele ficou paralisado por um segundo, e então respondeu.

 

—Ouvi alguns boatos sobre Krow e Lane, mas eu vi Kenny beijando Mellyza agora a pouco e sei de quem Kevin gosta, já o Kenzi é muito pequeno.

 

Ri para ele.

 

—Kenzi tem quinze anos e não é tão pequeno assim. Ele já aparenta a idade do irmão mas velho. E você só respondeu uma das minhas perguntas.

 

O queixo de Jaike caíra.

 

Ele me encarava. Por que todo mundo estava fazendo isso comigo?

 

Antes que ele pudesse responder, o professor Thompinsom entrou na sala, carregando um caderno velho e de aparência pesada, uma caneta-pincel e uma lista de chamada nos braços.

 

—Hoje, - Começou o professor. – Quero que vocês copiem tudo que eu escrever no quadro e copiem o exercício, valendo nota.

 

Abriu o caderno no meio, em uma página marcada, pegou a caneta-pincel preta e escreveu com letra de forma: CÉLULAS MONOMULÉCULARES.

 

Jaike e eu paramos de conversar e copiamos tudo no quadro, mas tanto ele como eu terminamos bem rápido e voltei minha atenção para ele.

 

Quando eu ia pedi-lo para começar a responder, olhei diretamente nos seus olhos e perdi o fio da meada. De novo, lá estava aquele maravilhoso ardente, que mudava levemente a cor dos seus olhos.

 

—Mary.

 

Ele falou. Observei o trajeto perfeito da linha de seus lábios formarem um “M”, um “a” um “r” e um “y”. Concentre-se! Ordenei-me. Respostas. Isso, respostas.

 

—Jaike. – Pausei. –Você ainda não me respondeu.

 

Seus lábios crisparam, ele franziu a testa e retrucou aborrecido.

 

—Nunca prometi responder.

 

Eu ri. Eu sabia.

 

—Ah, vamos! Ao menos responda mais uma...

 

Ele pensou um pouco e respondeu:

 

—Elizabeth é minha irmã de sangue, por inteiro. Você disse só mais uma. – Acrescentou, quando me viu abrir a boca novamente.

 

—Tudo bem. – Sorri. – Você disse que Kenny estava beijando Mellyza?

 

Ele também sorriu.

 

—Sim, estava. O que você acha disso? Kenny mais Mellyza, Kevin mais Soraya...

 

Krow e Webber... Perfeito.

 

—Ótimo. Eles são tão fofos juntos... Gêmeas e os Krow juntos...

 

Ele ergueu uma sobrancelha.

 

—Ah, qual é! Você mesmo admitiu que os Krow são lindos, gentis e dedicados! Graças a Deus Kenzi herdou isso, por que a pequena Kelly é legal à maneira dela, mas é meio estran... Jaike, você está bem?

 

Jaike estava boquiaberto, me encarando, com os olhos ligeiramente sem foco.

 

—Hã? Estou – Ele respondeu. – Mary, você gosta do Kenzi?

 

Não. Pensei. Não, droga, por que estou apaixonada por você.

 

—Não.

 

O sinal tocou e eu saí para o Intervalo.

 

Karla e Soraya me acompanharam até a saída e encontramos Mellyza no caminho.

 

—A onde você se meteu?

 

Perguntamos a ela. O sorriso dela chegou às orelhas quando ela respondeu.

 

—Com Kenny.

 

Soraya e Karla se entreolharam animadas, mas eu retruquei.

 

—Não na primeira aula. Kenny não tinha te visto na primeira aula.

 

O sorriso de Mellyza desmanchou rapidamente. Ela perdeu a cor e seus lábios tremeram.

 

—Não contem para ninguém, tudo bem?

 

Nós três respondemos “tudo bem” ao mesmo tempo.

 

—Vamos para a Escada.

 

Mellyza deslizou pelos corredores, atravessou a sala de informática em um rodopio e parou, trêmula, na escada do terceiro andar.

 

—Fiz um piercing.

 

Senti meu queixo cair, vi Soraya deslizar pela parede, caindo sentada no chão, ouvi Karla arfar.

 

Formaram-se túneis nos meus olhos. Parecia que eu estava me afastando dali, contemplando a cena de longe, de muito longe.

 

Ouvi parcialmente a voz de Soraya ao meu lado.

 

—Quê?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Lunar" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.