Inveja e Avareza escrita por Diego Lobo


Capítulo 10
Tudo




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Acordar nunca fora tão fácil para Cherry. Não conseguiu dormir nem um pouco durante a noite, ficou se perguntando coisas que ela já sabia a resposta, mas que não acreditava muito nelas.

— O que tem para o café da manhã? — perguntou ela para Christine.

A mulher se espantou com a pergunta repentina.

— Oh, a senhorita tinha algum pedido?

Ela deu de ombros, mexendo no cabelo de forma extremamente vaidosa.

— Nada muito calórico — disse revirando os olhos — Ninguém consegue manter o peso com tantos bolos pela manhã!

— Me desculpe, mandarei pararem com o bolo, e só me falar o que a senhorita deseja...

— Me surpreenda Christine, sei que vai achar algo saudável para me servir.

E assim ela apertou o passo, ignorando a mesa repleta de frutas e bolos deliciosos. Avançou direto para a limusine que a aguardava, ao som irritante de “clac clac” de seu salto.

— Bom dia senhorita Cherry, está com pressa hoje? — perguntou o motorista, que ainda lustrava a frente do automóvel.

— Vou tomar meu café da manhã na cidade, conhece algum lugar?

O homem apressou-se em abrir a porta para a garota.

— Sim, conheço um ótimo. Sua avó  é cliente há décadas!

— Perfeito. — Mas ela não dera mais atenção ao homem que se sentiu a vontade em contar um pouco da historia do lugar.

Seu celular vibrou e Cherry fora ligeira em atender. Era Dorothy, sua mais nova amiga. Nesses últimos dias ela tem gastado bastante do seu tempo no celular conversando. Quando não era com Dorothy era com Anna, uma réplica exata da outra.

— Aumenta! Eu amo essa musica! — ordenou ela para o motorista, que escutava uma música baixinho.

A música amenizou um pouco a voz estridente da garota do outro lado da linha. Eram os mesmos assuntos de sempre, roupas e garotos desejáveis. Cherry tentava se maquiar um pouco mais, enquanto Dorothy falava sobre seu histórico amoroso do mês passado. Chovia um pouco na estrada. Observou com desanimo o campo no horizonte, onde em algum lugar existia um gigantesco lago formado com a chuva noturna. Um espelho d'água maravilhoso.

“O lago de Alphonse” pensou, imaginando se o rapaz ainda visitava aquele lugar, ou a cabana onde se refugiava na infância. Mas Cherry tentou afastar aqueles pensamentos, afinal não fazia mais parte de sua realidade. Era um sonho que se passou.

— Cherry? — chamou a garota do outro lado da linha, que finalmente percebera que estava falando sozinha.

— Acho que é uma boa idéia sim. — respondeu Cherry rapidamente.

— Que bom que você acha isso! — falou a garota animada. Cherry respirou aliviada por ter acertado em sua resposta rápida.

Suas amigas a esperavam na cafeteria e usavam roupas parecidas uma da outra. Cherry estava incrivelmente mais produzida que as duas, mas o desconforto que isso a causava antes já não existia mais. Agora a jovem procurava seu reflexo em qualquer coisa para certificar-se de estar bem arrumada.

As duas a acompanharam até a escola em sua limusine. Seus olhos atentos aos alunos na entrada do lugar. “Nada de Alphonse”, constatou Cherry. Onde ele estava? Por que só escutava boatos do garoto e nunca o via?

Na sala de aula as duas se amontoaram à sua mesa, falando sobre seus problemas enquanto produziam um barulho irritante de metais estalando provocado pelas as várias joias que usavam no pescoço e braços. Cherry não estava prestando atenção, seus dedos espremidos uns aos outros demonstravam sua total falta de interesse nas duas. Olhava para frente, a porta da sala aberta mostrava os alunos chegarem pouco a pouca. David estava no corredor com sua namorada.

Ela estreitou os olhos como uma felina em ação. Os dois eram pura alegria e romance, interagindo com sorrisos e beijos. Não precisavam de mais nada. O sorriso que Cherry deixara no automático, para que suas amigas acreditassem que estava atenta a suas baboseiras, se desfazia aos poucos. “Afinal de contas quem é essa garota?” pensava, “De que buraco ela surgiu?”.

— Vocês duas estão colocando o nosso plano em ação? — perguntou ela de repente, interrompendo a conversa. As duas se remexeram em suas cadeiras extremamente animadas.

— Sim! —respondeu Dorothy estridente. — Conseguimos entrar na mesma aula de Química que ela faz!

Ana concordou com um sorriso provocante.

— Sentamos pertinho da garota, somos amiguinhas já! — riu sarcástica.

Cherry parecia satisfeita.

— Muito bem. —disse ela ajeitando seus cabelos. — Enquanto isso eu faço a minha parte, se é que me entendem!

As três riram. Ela não sabia como conseguira falar aquelas palavras, nunca imaginara dizer tais coisas. Com um sinal de mãos ela mandou as duas se sentarem em outro lugar, pois David deveria ficar perto dela.

— Oi pra você! —chamou feliz quando David sentou logo atrás.

Ele retribuiu o sorriso de um jeito impossível e angelical.

— Bom dia Cherry!

— Acabei de perceber que esqueci minhas lentes, vou precisar de alguém ditando as palavras. Conhece alguém disponível? — perguntou com falsa inocência.

David riu, e estava quase levantando quando o professor anunciou:

— Hoje vamos assistir a um filme sobre a Segunda Guerra Mundial, relatório ao final da aula na minha mesa, por favor.

Os alunos gemeram em protesto.

— Bem, acho que não vai precisar ler nada não é? — concluiu o jovem, apanhando algo para escrever enquanto o professor apagava as luzes da sala de aula.

Cherry sorriu para ele concordando, e voltou-se para o professor amaldiçoando o filme estúpido. Teria que pensar em outra coisa.

O plano consiste em duas partes. A primeira envolvia a participação de suas amigas, que no intervalo levariam a namorada de David para bem longe. A segunda parte pertencia a Cherry, que teria que usar de seu encanto para seduzir o rapaz enquanto tinha um tempo só para eles. Tempo que acreditava conseguir naquela aula.

 Ela digitou uma mensagem para as amigas:

“Vamos tentar novamente amanhã!”

Aquela situação não a agradava. Cherry teve que ligar para David de noite, antes era ele que o fazia, e passar pela situação desconcertante de escutar:

“Er... Cherry vou precisar desligar, Polly esta na outra linha...”

Pela manhã ela tentaria mais uma vez. Não iria desistir de David tão fácil. Não quando descobrira por meio de suas novas amigas que Alphonse andava dando festas e saindo com verdadeiras caravanas de garotas.

Novamente despertara cedo demais. Borrifava perfume em si mesmo quando Christine entrou delicadamente.

— Sua avó mandou lhe entregar isso. — disse a mulher animada estendendo uma sacola de uma loja cara e conhecida.

— Chegaram bem rápido de Paris. — exclamou a garota surpresa.

— É claro que o fato de sua avó ser cliente fiel à loja ajudou bastante.

As duas riram baixinho.

Cherry se sentia incrível. Sua pele estava tão macia que ela mesma acariciava seu rosto sem mesmo perceber. Nos últimos dias sua avó lhe presenteara com vários produtos cosméticos, depois de perceber o interesse da neta com sua aparência. Lembrou-se de Jenny, sua ex amiga que adoraria ver a verdadeira transformação em que Cherry estava passando.

— Você está linda! — gritou uma de suas seguidoras em total surpresa.

Já estava na escola, as árvores, as tantas que cercavam o lugar, exibiam folhas e flores de uma cor intensa e fantasiosa. Era uma verdadeira primavera. As “seguidoras de Cherry” eram formadas por garotas que com algum tempo começaram a acompanhar Cherry e suas duas novas amigas. Uma coisa levou a outra, e quando ela deu por si havia oito delas. Não sabia o nome nem da metade.

Já não precisava mais se esforçar para quase nada, suas amigas providenciavam tudo. Chegava a ser assustador que aquelas garotas se entregassem tão fácil a uma pessoa, que era tão normal quanto elas. O clima florido parecia despertar o prazer dos tantos jovens ao redor; os casais se sentiam mais apaixonados com o maravilhoso visual. Os padres orientadores tinham certo trabalho para separá-los e os mandarem para suas respectivas salas.

Cherry passou pela escada principal, olhando de lado para um casal especifico que ela tinha certo interesse doentio. David e Polly.

— Meninas, vai ser hoje. — anunciou confiante, enquanto suas seguidoras se olhavam com sorrisos pretensiosos e uma animosidade visível.

Seus dedos batiam na mesa em um ritmo de anseio por algo. Quando a porta finalmente se abriu e David entrou na sala, ela corrigiu sua postura torta e colocou um sorriso no rosto.

— Bom dia David! — disparou.

Ele sorriu como sempre fazia.

— Bom dia Cherry! Posso ver que esta bem animada hoje, não?

— E como não estaria? O dia está mágico! — falou um tanto empolgada, apontava para janela que exibia uma árvore de folhas rosadas.

— Realmente esta! — confirmou igualmente empolgado. — Perfeito pra uma partida de futebol!

Ela tentou resistir à vontade de revirar os olhos. Antes que o professor carrancudo começasse a dar sua aula, o celular de David apitou baixinho. O rapaz olhou a pequena tela e exibiu uma cara desanimada.

— Notícia ruim? — perguntou ela fingindo não saber do que se trata.

— Polly terá que sair mais cedo... parece que é algum problema em casa.

Ela arregalou os olhos.

— Espero que não seja nada sério.

— Ela disse que não é, mas vai precisa sair mais cedo mesmo assim...

Cherry concordou com um gemidinho.

— Entendo...

O desapontamento evidente no rosto de David deixava a certeza de que ele gostava realmente da garota e aquilo despertou uma culpa no peito de Cherry. Mas a imagem de Alphonse saindo com outras garotas veio a sua cabeça como um veneno mortal, então ela afastou qualquer arrependimento que pudesse atrapalhar os seus planos.

— Se quiser, podemos passar o intervalo juntos. — deu de ombros. — Não sei você, mas eu tenho tanta coisa para conversar!

David riu consigo mesmo.

— Como nos velhos tempos? — perguntou com um sorriso derrotado.

— “Como nos velhos tempos”? — repetiu ela — Você fala como se fossem séculos atrás.

Os olhos dele descansaram no rosto de Cherry e aquilo quase a destruiu.

— Vai ser legal. — assentiu, voltando sua atenção para o professor que começara a dar sua aula.

O tempo, como ela já esperava, passou incrivelmente devagar. Serviu apenas para que refletisse um pouco sobre o que estaria prestes a fazer

No intervalo David dispensou os amigos que vieram a seu encontro, e isso a deixou satisfeita.

— Eu sempre invento uma desculpa diferente pros caras, já estão reclamando. — admitiu.

— Eu só quero você emprestado por alguns minutos, não vou te tirar do seu precioso futebol!

Ele soltou uma gargalhada prazerosa.

Desceram algumas escadas, sempre conversando muito, e passaram por vários corredores até finalmente pararem. Não havia mais ninguém ali, o que era perfeito para os planos de Cherry.

Ela encostou-se de costas na parede em uma menção de descansar sua cabeça, até deslizar lentamente até chão. David fez o mesmo.

— E então? — disse ele de repente. — Não vai me contar como o casal mais invejado da escola acabou se separando...

Os olhos da garota ganharam um estranho cansaço, como se aquele assunto tirasse suas energias. Mordeu os lábios a procura de palavras.

— Nunca daria certo — ela suspirou — Todos sabiam disso, mas eu estava cega demais pra perceber.

David olhava para frente em algum ponto imaginário.

— Que estranho...

— O que? — perguntou intrigada.

— Eu jurava que tinha tudo pra dar certo.

Cherry não podia deixar o assunto se desviar tanto assim, tinha uma meta, mas falar sobre Aplhonse conseguia mexer com ela.

— Nem tanto quanto você e Polly. — sorriu tristemente.

Deu certo. David se comovera com o comentário, e a expressão de tristeza de Cherry partira seu coração.

— Cherry... Você com toda certeza vai encontrar alguém. — Ele tentava controlar o impulso de abraçá-la. — Você é uma pessoa maravilhosa!

Ela balançou a cabeça lentamente.

— Sou uma pessoa terrível David... Você não imagina o quanto.

Seus olhos embaçados não conseguiam enxergar o rapaz de cabelos castanhos e tão atraente, completamente comovido. Ela apertou os olhos e as lagrimas desceram rapidamente.

Os dedos calorosos de David foram ligeiros em enxugar o rastro quente da lágrima. Mas não se ateve a somente isso. Ele sentia toda a perfeição daquela pele, que já não sentia a algum tempo, hipnotizado em apenas um toque. Cherry encontrou os olhos perdidos do garoto a sua frente, claramente em um conflito pessoal.

Ela daria um fim naquele conflito. Segurou delicadamente o rosto de David, com um movimento simples foi fácil trazer seu foco para seus próprios olhos. Os dois realmente se olhavam.

David se inclinou para frente como para um precipício mortal, enquanto Cherry fechava seus olhos. Seus lábios se tocaram então, como ela queria que acontecesse, como havia planejado.

Em um mês, Cherry conseguiu se tornar extremamente popular. Todas as invejavam novamente, e o mais importante, David era seu. Ela finalmente tinha tudo.


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