Parte II – You Are Dangerous

Há muito sozinhos no consultório de Bedelia, ela ofegava. A boca da psicóloga estava retorcida, tanto de nojo quanto de pavor de Hannibal. Um brilho em seus olhos indicava que aquilo era prazeroso para ele. Sempre fora. O homem morto no chão agora não era mais uma ameaça — nem mais uma diversão para o canibal.

— Qual o seu problema? — Sussurrou ela rudemente, com os olhos úmidos e os cabelos totalmente desalinhados. Era a única coisa lógica que conseguia dizer, mesmo não fazendo sentido algum perguntar.

— Ora, — fez um “não, não, não, não” com a língua — não se faça de boba.

Lecter sentou-se em uma das poltronas da sala e cruzou as pernas, observando-a. O lábio dela estava partido ao meio e sangue escorria para o seu queixo. Como o ferimento havia surgido, ela não fazia ideia. Bedelia avançava de costas para a janela, assustada, cujas longas persianas estavam abertas. Encostou-se no batente, novamente apoiando com as mãos o peso de seu corpo. A silhueta da moça era recortada na luz e seu rosto enegreceu. Ela respirava fundo e se restabelecia.

— Essa é a sua verdadeira face? — Perguntava mais para si do que para o assassino à sua frente. As palavras eram amargas e uma pequena gargalhada estava engasgada na garganta.

— Você conhece quem eu sou de verdade.

— Não perfeitamente.

— Você já me viu.

— Não realmente.

O homem que Du Maurier havia consultado, e que agora estava inerte no chão, possuía inúmeros problemas, e uma mente não forte o suficiente para escapar das garras de Hannibal. Dominado pelo predador e induzido pela ilusão de ajuda, acabara indo parar no consultório de Bedelia, convencido de que deveria ataca-la. Era a primeira vez que Lecter incitara alguém — ou a ele mesmo — a fazer algo contra ela. Por todos os anos, mesmo sabendo que não deveria confiar de todo no psicopata que a cercava, sentia-se protegida pelo canibal. Estava redondamente enganada.

Hannibal, com toda sua elegância, levantou-se e caminhou até o outro lado, sequer olhando para o corpo do homem que jazia ali. Sua psicóloga ainda estranhava suas repentinas mudanças de humor, as quais só eram reveladas por debaixo do véu humano que vestia. Parou de frente para Bedelia e estendeu a mão, tocando o seu queixo molhado de sangue.

— Não.

— Bedelia...

— Você não vai me persuadir novamente.

— Bedelia... — repetiu ele.

— Cale a boca, Hannibal. — Ela esqueceu-se completamente com quem estava falando, esquecendo também de seu medo. Afinal, ainda assim era uma mulher oprimida e necessitava colocar o que sentia para fora. — Fez isso para me assustar, para provar que eu não sou mais que você. Você é perigoso, eu sei. Se quiser, pode me matar agora mesmo, me enforcar com suas mãos. Seria íntimo, não? Seria extremamente prazeroso e muito melhor do que mandar outra pessoa. Eu estou sendo rude e você pode me matar se quiser — disse novamente, balançando a cabeça convictamente -, mas você ainda não o fez e não fará. Então... Só cale a boca. — Finalizou, colocando uma mão na testa.

Lecter sentia-se estranhamente orgulhoso de Du Maurier, mas sabia que um dia sua hora chegaria. Porém não via necessidade de matá-la tão cedo, poderia ser útil dali a pouco. Pelo menos era essa sua opinião por agora.