Bastarda escrita por Lena Saunders


Capítulo 9
Aquele do Continente


Notas iniciais do capítulo

Ok ok, como muitas leitoras estão perguntando sobre isso: a idade da Kyra muda em alguns capítulos. Nesse, por exemplo, ela já começa com treze anos e o Aires com quatorze, ele é um ano mais velho do que ela, ok?

Muito obrigada por todos os seus lindos comentários, e por todo o apoio.
~Lena



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Eu me despedi de Valkíria mais cedo do que o normal naquela manhã. Eu fora convocada para a equipe de expedição em busca de Aires e Gale.

Gale era um garoto franzino, com cobelos negros espetados e olhos da mesma cor. Tinha doze anos e era lembrado pelas sardas que pontilhavam seu nariz pequeno e arrebitado. Andava sempre com os ombros curvados e os pés arrastados. Seu rosto era quase tão bonito quanto os dos dois irmãos mais velhos.

Seu dragão era enorme, com escamas metálicas e cinco ou seis fileiras de dentes pontiagudos e cortantes como facas.

Eles estavam desaparecidos à quase uma semana, mas pessoas não desaparecem do nada em Seiryn. Se alguém some por mais de dois dias, seu corpo é arrastado de volta pela maré. Sempre sepultamos nossos mortos.

E, aqueles que voam para fora da ilha costumam avisar para alguém. Mas Gale não fizera isso. Ele simplesmente desaparecera com seu dragão.

Aires também não era visto há dois dias, assim como seu dragão.

Ele encontrou Astryd, um adorável fotodragão, em algum momento entre meus nove e dez anos, mas apenas o revalara publicamente algum tempo depois.

Isso é bem comum na ilha. Quando pessoas com menos de quinze anos encontram seus dragões elas os mantém em segredo até o próximo aniversário. É uma forma de apresentar o dragão "socialmente". Os outros dragões o cheiram e decidem se vão acolhê-lo ou recusá-lo. Astryd foi acolhido por todos, o que é bastante raro.

Então, com os dois garotos e seus dragões desaparecidos, fui forçada à adentrar a floresta para tentar seguir seus rastros. Mas era perca de tempo.

Aires não estava mais na ilha. Eu podia sentir sua ausência da mesma forma que podia sentir a presença de Valkíria.

Passei a tarde naquela busca inútil com meu grupo, que consistia em Hayla, Greta e Ygritt. Embora as duas últimas quase conseguissem acompanhar o ritmo que eu impulsara, Hayla sempre ficava para trás. Então precisávamos interromper a caminhada e esperar Ygritt buscá-la.

– Você está bem, Kyra? - Greta perguntou, enquando Ygritt buscava Hayla pela milésima vez.

– Claro. - Respondi. - E você, Greta, como tem passado?

– Bem, eu acho. Sinto falta de quando você ia em casa.

Fiz uma careta.

– Já faz o que? Três anos? - Ela perguntou.

– Algo assim.

– Eu sinto muito por não ter te contado sobre o casamento. Não era minha intenção.

Tentei engolir minha raiva juntamente com as lembranças amargas da festa de casamento dela e de Alistair. Quase me engasguei.

– É, mas você fez. De qualquer forma, está tudo bem.

– Não. Não está. Eu queria ter te levado para viver conosco. Queria que você tivesse uma família além de Heike, mas Alistair não permitiu, eu sinto tanto, Kyra...

– Por que ele não permitiu? - Interrompi. - Ele aceitou todas as outras meninas e Aires, por que não eu? Por que sou uma bastarda?

– Oh não. Acho que você faz ele se lembrar de Delkar, só isso.

Ela parecia desolada. Tentei me lembrar que Aires era, de certa forma, seu filho, que ela se importava com ele e que ele estava desaparecido.

– Quem é Delkar? - Tentei mudar de assunto.

Greta pareceu confusa e então a compreensão cruzou seu rosto.

– Foi na noite em que você nasceu. Heike já deve ter te contado sobre esse dia. Ele era nosso chefe, irmão mais velho de Alistair. Os dois estavam juntos na taberna, mas Alistair atendeu meu pedido. Ele veio ajudar a lidar com Hans e deixou o irmão lá e...

– Ele morreu, não foi? - Interrompi-a - Foi uma das pessoas assassinadas por aquele velho louco, não foi?

– Sim. - A palavra saiu tremida por sua boca. - E Alistair assumiu o governo desde então. Ele não foi criado para isso. Ele se esforça, e está se saindo bem na minha opinião, mas é desgastante para ele. De qualquer forma, não era isso que eu queria dizer. Só quero que você saiba que é bem vinda para nos visitar.

Certo. Então, por tabela, eu havia sido responsável pela morte do irmão dele. Se ele estivesse lá, poderia ter ajudado Delkar, mas estava ocupado me salvando. Eu não tinha nada contra Greta, mas não conseguia ficar no mesmo ambiente que Aires e, seu marido, Alistair, me odiava. Eu nunca poderia visitá-los em paz.

– Claro, talvez eu passe lá qualquer dia. - Eu menti, enquanto Ygritt voltava com Hayla.

No fim da tarde, quando nosso turno acabou, voltei para Valkíria ao invés de ir para casa.

Os dias haviam derrubado um ao outro, hora após hora. Eu vira o sol nascer e se pôr da mesma praia por quase dois anos, ao lado de Valkíria. Mas isso estava prestes a mudar.

– Tem certeza que consegue fazer isso? - Perguntei uma última vez.

Valkíria rolou os olhos.

"Kyra, apenas ande logo. Nós duas sabemos que eu consigo. Mas, se você está com medo..."

– Você sabe que eu não tenho medo de nada!

Era parcialmente verdade. Aos meus treze anos eu já superara quase todos eles. Quase.

Olhei para o oceano à minha frente. Toda aquela água, pronta para entrar em meus pulmões, tomar todo o ar que lá havia e me matar lentamente...

Eu precisava encontrar Aires antes que uma semana se passasse. Antes que seu rastro sumisse para sempre.

Eles estavam perdendo tempo e energia tentando encontrá-lo, mas eu sentia onde ele estava. Era quase como fome ou sono, me puxando para ele.

– Vamos logo com isso. - Resmunguei.

Valkíria ronronou de empolgação e se abaixou para que eu pudesse montá-la. Ela era maior do que um cavalo e já havíamos voado juntas diversas vezes, pela parte fechada da floresta, mas nada poderia ter me preparado para aquilo.

No segundo em que me acomodei em suas costas ela tomou impulso e se jogou no ar, suas asas batendo com força, nos movendo para cima e para frente.

Eu costumava pensar que suas asas não tinham nada de especial, mas eu estava errada. Conforme Valkíria crescia elas se tornavam maiores e mais fortes. Durante a noite, elas pareciam sumir na escuridão, como fumaça. Ela se tornava quase invisível.

Eu estava voando. Não em uma altura baixa, como na ilha. Oh não. Eu estava voando tão alto que sentia que poderia alcançar o sol. Olhei para baixo, por um segundo de fraqueza, e vi o mar se afastar. A vertigem percorreu meu corpo e eu me segurei em Valkíria com mais força. Há nossa frente, o sol se punha e a noite fria e confortável nos incentivava a continuar.

Ouvi sua risada, doce e melodiosa.

Eu me sentia mais livre do que jamais havia sonhado. Nós poderíamos ir para qualquer lugar agora. Fugir de tudo e de todos.

Valkíria era forte e veloz, mas não era invencível. Posou no primeiro pedaço de terra que encontrou, horas depois, para recuperar o fôlego.

Desmontei, meu machado em uma mão e meu escudo na outra. Agora, com treze anos, eu já era suficientemente hábil para lutar com uma mão, embora batalhas longas me deixassem exausta.

Valkíria caminhou até a beirada do mar para ver que tipo de peixes haviam ali. A noite já caíra e, mesmo sabendo que ela estava ali, era difícil vê-la.

Nós estávamos no continente mas a praia e a floresta se assemelhavam às de Seiryn, tanto que, por um momento, me perguntei se não estávamos na mesma ilha. A dúvida durou apenas um segundo.

O dragão surgiu da floresta, correndo tão rápido que não pude reagir direito. Ele pulou em minha direção e eu me atirei à areia, rolando pelo chão. Quando me recuperei do choque, vi Valkíria pronta para atacá-lo.

– Valkíria. Não. - Gritei.

Não havia como ela vencê-lo. Ele era um adulto, imensamente maior do que ela, com o couro mais duro que existia.

Ela me olhou confusa, e recuou. O dragão arqueoou as costa, rosnando para mim. Todas as suas pernas se retesaram e sua mandíbula coberta de dentes se abriu em minha direção. Um homem alto saiu do mesmo lugar de onde ele surgira.

Ele arqueoou a sobrancelha e sorriu o sorriso mais cruel que já vi. Agradeci aos deuses pela aparente camuflagem natural de Valkíria.

Sua espada era maior do que meu braço. Eu tinha um machado e um dragão, mas não era estúpida. Com treze anos seria surpreendente se eu não me fatiasse com minha própria arma.

Ambos, Valkíria e meu machado estava longe demais. Minha arma fora arremessada longe quando caí.

– Valkíria, vá embora. Agora. - Gritei.

"O que?!"

– Agora, Valkíria.

Ela olhou para mim, pude ver apenas o brilho de seus olhos.

"Eu já disse que não choramos, Valkíria."

"Certo. Eu vou voltar. Eu prometo."

Valkíria estava... Me ouvindo? Em sua cabeça?

O homem já estava quase ao meu lado, caminhando em passos rápidos. Parecia confuso com minhas palavras, mas determinado a me alcançar.

Ouvi Valkíria bater as asas e se afastar, voando. Ao menos ela estaria em segurança.

– Bem, bem, bem. O que temos aqui, Dor? É meio novinha mas será bonita quando crescer. Ah, veja, ela tem um brinquedo.

Ele se abaixou e pegou meu machado, com um sorriso de puro escárnio.

Acabei sendo escoltada por "Dor". Pouco criativo, na minha opinião. Claro que, por escoltada, quero dizer que ele me arrastou com uma de suas patas. Eu sempre detestei dragões de terra.

O homem alto me trancou em um pequeno cômodo de uma cabana de pedras, grande e bem estruturada. Fui amarrada à uma cadeira e meu machado foi abandonado em um lugar alto demais para eu alcançar, preso na parede.

Obviamente, aquele cara estava me subestimando, mas eu não podia culpá-lo. Eu parecia apenas uma garotinha com um machado que mal conseguia levantar. Parecia.


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