Não te esqueças de mim escrita por Aline Vataha


Capítulo 1
Capítulo Único




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O garoto ia todo o dia para a estação. Quando as aulas acabavam, ele corria sempre pelo mesmo trajeto, quase sempre esbarrando nas mesmas pessoas. Os que não conheciam a situação se sentiam incomodados, já que as calçadas eram estreitas e ele era muito rápido e desengonçado, chegando a quase empurrar uma idosa para a rua, mas os que o conheciam pouco prestavam atenção.

Não era incomum para as pessoas usarem ele como algum tipo de relógio, já que o seu horário de aparição era impecável: 12:30 de segunda à sexta, sempre apressado e com a mochila presa por apenas um dos braços, balançando perigosamente às suas costas. Aos finais de semana, ele ia mais cedo, por volta das 10 horas e ficava lá até o entardecer. Se fizesse chuva ou fizesse sol, ele sempre estava lá.

Naquele dia, como de costume, ele chegou ofegante na antiga estação de trem. Sentou-se no seu canto habitual, em baixo de uma árvore. Havia um lugar em que a grama não nascia, tantas vezes em que ele já sentara lá. Sua mãe brigou muito com ele por causa das calças sujas de terra, mas parou depois de algum tempo. Abraçou sua mochila e pregou seus olhos nos trilhos, esperando o próximo trem vir. E sempre que chegava, não importando de qual região ele vinha, ele prestava extrema atenção nas pessoas que saíam. Algumas delas já haviam se tornado conhecidas, acenando para ele quando iam embora.

O guarda da estação, como o de costume, levou um copo d’água para ele. O garoto bebeu com gosto, sempre agradecendo e sorrindo. E o bom guarda, como sempre, sorria sem jeito, parecia que ia perguntar alguma coisa, e então voltava para o seu lugar.

Ninguém sabia direito como aquilo começou. Todos concordavam que ele havia surgido numa mudança de estação, junto com o término da guerra, há vários anos atrás. Ele ainda aprendia o que era ser criança quando se sentou lá pela primeira vez, e embora estivesse bem mais velho agora, a expressão inocente e determinada em seu rosto havia permanecido a mesma.

O garoto esperou, esperou e esperou, sempre de olho no fluxo de pessoas. O vento soprava com suavidade, mexendo no seu cabelo com delicadeza. Várias flores de cores e tipos diferentes dançavam com o ritmo do vento, parecendo animadas. E o garoto, no entanto, continuava a esperar, seu rosto numa expressão cristalizada.

A flor mais velha de lá, cansada de ver o garoto fazendo sempre a mesma coisa, decidiu se manifestar. Era uma áster amarela, muito grossa e mal-educada, que tinha convivido com o garoto muito mais tempo do que gostaria. A irritação da flor era por parte compreendida, já que muitas vezes o garoto bloqueava o sol, mas grande parte do desagrado dela vinha de um rancor cego, que podia ser dirigido a qualquer um.

– Ei, garoto! – Disse com uma voz ríspida.

– O que foi? – Respondeu sem olhar.

– O que foi?! É assim que você fala comigo?! Acha que é melhor só porque você tem pernas?

– Áster, não faça isso... – Começou uma rosa vermelha.

– É, Áster, ela tem razão – Disse a irmã gêmea dela.

– Quietas! As duas! – Gritou. – Já não bastava ter que conviver com vocês, vou ter que ouvi-las falar também? – Elas se encolheram. – Tsc... Francamente... Se eu tivesse pernas, eu esmagaria as duas antes de ir embora...

O garoto continuava a olhar para a estação, assistindo outro trem partir. Seu olhar passou nos rostos dos homens que saíam, mas não encontrou o que procurava.

– Garoto – Começou Àster, repleto de veneno na voz. – Você sabe qual é a definição de loucura?

Ele abaixou os olhos, fitando a flor.

– Acho que sei.

– E então? Isso não te preocupa? Não vai fazer nada sobre isso?

Ele franziu ligeiramente a testa, sem saber o que responder.

– Você devia ir se tratar, garoto. Está louco por esperar tanto tempo. Vá logo para casa, e saia da frente do meu sol. Não é só porque você tem pernas que você tem o direito de me matar de fome.

O garoto franziu mais ainda a testa. A áster se alegrou, sentindo-se satisfeita com o que estava fazendo.

– Eu me pergunto – Disse uma miosótis ao longe, muito sábia. – Se a esperança e a loucura não são primas distantes. Podem ser muito parecidas algumas vezes, mas são definitivamente coisas muito diferentes.

O garoto sorriu ao ouvir aquilo. Sim, a flor tinha razão. Não havia nada de mau no que ele estava fazendo. Não estava enlouquecendo. Tinha apenas esperança de que ele finalmente achasse o caminho pra casa, voltando pelo mesmo trem em que foi embora. E quando isto acontecesse, ele seria a primeira pessoa na qual ele veria.

E assim ele continuou a esperar por muito mais tempo, dia após dia, ano após anos, ignorando os lamentos da flor amarela e aguardando alguém que nunca voltaria para casa.


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