Asleep escrita por Mariii


Capítulo 1
Capítulo 1




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Tudo se passava como um sonho. Ou melhor, como um terrível pesadelo.

Eu tinha uma leve consciência das paredes brancas passando pelos cantos dos meus olhos enquanto a maca onde Sherlock estava era levada para a emergência. Via tudo como um vulto se afastando de mim. Ele segurava minha mão e seus olhos não saíam dos meus. Eu sabia o que ele queria me dizer.

"Não aguento mais, Molls... Não me deixe mais sofrer..."

Sing me to sleep

Sing me to sleep
I'm tired and I
I want to go to bed

Não houve tempo. A doença o tomou de tal forma que não tivemos tempo hábil para nada. Nada. Dores tomavam seu corpo e em semanas eram poucos os movimentos que ele conseguia fazer, como o frágil segurar de meus dedos agora.

Desviei os olhos dos dele para encarar o médico que nos acompanhava. Pude ver o singelo balançar de cabeça, quase imperceptível. Eu o perderia. Não haveria mais chances, não haveria mais tempo.

Tempo. Uma única palavra. Um único desejo. Um mundo inteiro para mim.

Toda nossa vida passou como um flash em minha cabeça. Engraçado que dizem que isso acontece com quem está partindo, e não com quem fica. Lembrei de nossas trocas de farpas, de como ele me magoou de forma grosseiras tantas vezes. Ele dizia coisas horríveis que machucavam.

Meus olhos se enevoaram com a lembrança de como Sherlock começou a ceder, de como disse que eu era a que mais importava. Aquele dia... Fora naquele dia que percebi pela primeira vez que talvez eu pudesse tê-lo. E eu o tive.

Senti lágrimas se formando quando alguém me parou, uma enfermeira talvez. Havíamos chegado ao limite, eu não poderia acompanhá-lo na cirurgia. Soltei seus dedos com pesar, sentindo-os deslizar de minhas mãos e torcendo silenciosamente para que esse não fosse nosso último contato. Alguém me amparou enquanto eu me lembrava de nosso primeiro beijo.

As portas se fecharam quando Sherlock fechou os olhos.

--- ---- ---

Não lembro como fui parar em um quarto e me via sentada em uma poltrona. Enrolei-me em mim mesma como um gato, deixando que as lágrimas caíssem por meu rosto. As lembranças continuavam a vir como raios doloridos. Sherlock dizendo que me amava. Os toques sutis de seus dedos passando por meu corpo. As palavras doces, que eu jamais esperava ouvir. O calor, o suor de nossos corpos se misturando. E então... Seu primeiro desmaio, seguido do diagnóstico. O fim do nosso mundo. O momento em que meu conto de fadas desconstruía o "felizes para sempre".

Sua voz soou em meus ouvidos, tão clara quanto no dia em que ele me disse:

- Deixe-me ir quando for a hora.

Estávamos deitados lado a lado em nossa cama, após uma crise de dores que ainda trazia espasmos ao seu corpo. Eu brincava com seus dedos e não queria encará-lo. Não queria ter essa conversa. Não queria precisar dela.

- Eu sei que você tentará de tudo, Molls. Deixe me ir quando for preciso.

- Não sei se eu consigo... - Disse em um sussurro. - Eu não quero que você vá...

As lágrimas nos tomaram e eu me aconcheguei em seu corpo, passando o braço por sua cintura. Nós ficamos assim por toda aquela noite, sabendo o que aconteceria e pensando em formas de acordar do pesadelo.

Sing me to sleep

Sing me to sleep

And then leave me alone

Don't try to wake me in the morning

'Cause I will be gone

--- --- ---

Já era tarde quando o trouxeram para o quarto. Ele estava pálido, mas parecia sereno apesar de tudo. O médico passou por mim, ainda em suas roupas cirúrgicas e segurou minhas mãos enquanto balançava a cabeça. Eu conhecia aquela expressão, a vi muitas vezes em minha profissão.

- Fique ao lado dele. Talvez ele tenha alguns minutos de consciência. - O suspiro dele acompanhou minhas lágrimas. - Nós o perdemos, Molly. Não há... Não há o que fazer.

Virei-me para encarar a escuridão da janela. A escuridão que era minha vida agora. Eu havia tido o mundo e agora ele escorria pelas minhas mãos. Quente e frio. Doce e amargo. Como a noite que me envolvia, misteriosa.

Esperei que arrumassem Sherlock na cama e aproximei-me dele, segurando sua mão e a acariciando levemente, como fazia em seus momentos de dor.

- Eu amo você. - Comecei meu desabafo sem saber se ele me ouviria, mas eu precisava dizer. - Desde o dia em que coloquei os olhos nos seus. Você, com aquela postura tão fria e distante, e eu apenas uma garota querendo ser amada. As suas palavras grosseiras me magoavam ao mesmo tempo em que me instigava a quebrar essa armadura que você mantinha. Nunca fui tão feliz, Sherlock. Nós nos divertimos, não? Até mesmo com as suas tentativas falhas de cozinhar. - Enxugo as lágrimas que molham meu rosto enquanto um sorriso escapa dos meus lábios, causado pelas lembranças. - Ou então nos eventos sociais que você odiava ir. Nós sempre dávamos um jeito de ficar bem. Ficaremos bem agora, não ficaremos? Por favor - eu sussurro -, diga que ficaremos. Eu sempre confio no que você diz para mim. - As palavras saem tão baixas que tenho dificuldades de ouvir a mim mesma. As lágrimas e o aperto que sinto em minha garganta me impedem de continuar falando.

Don't feel bad for me

I want you to know

Deep in the cell of my heart

I will feel so glad to go

- Molls? - A voz dele é fraca, e mesmo assim me assusta. Eu quero ouvi-la todos os dias pela manhã. Todos os dias quando for dormir. Todos os dias. Apenas. Eu quero que esse momento dure para sempre. - Nós vamos ficar bem. - Ele sussurra para mim, em sua rouquidão. - Ainda que separados por algum tempo. Deixe-me ir, Molls. Lembre-se da sua promessa. Amo você... Mas eu realmente quero ir. - Há dor em sua voz, uma dor que faz com que eu sinta meus pedaços caindo ao chão.

Vejo-o fechar os olhos à minha frente, entrando novamente em um sono profundo. Aproximo-me ainda mais dele e beijo seus cabelos. Meu coração se desfaz em partes pontiagudas que me machucam, mas eu sei que estaremos juntos de alguma forma em algum outro lugar. Um dia.

- Vá, meu amor. Espere por mim...

Sinto seus dedos se fecharem nos meus apenas por um segundo antes do fim. O som dos seus batimentos ficam contínuos e eu sei que já não existem. Afasto-me quando o quarto é invadido por médicos e enfermeiras. Sou levada novamente como em um sonho e volto a me encolher em minha poltrona. Sinto a onda de dor invadir meu peito, parecendo mais do que posso aguentar. Não percebo quando alguém vem até mim até que uma picada é sentida em meu braço. Um calmante, provavelmente.

Em meio aos meus devaneios antes que a noite me carregue, tenho a impressão de que vejo Sherlock parado próximo a janela escura do quarto.

- Nós ficaremos bem. - Ele sorri pra mim e, perdido em seu sorriso, meu universo se desfaz em uma confortável escuridão. Eu confio nele.

There is another world
There is a better world
Well, there must be
Well, there must be
Bye


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Notas finais do capítulo

:'(



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