The Scientist escrita por Alyeska


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Para Grace, minha querida prima chata que escolheu o cheiro dos cabelos da protagonista.
Amo-te, querida. ♥

Espero que gostem. ^_^



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Ele estava deitado de lado na cama, tentando dormir, apesar de ainda ser cedo. Com a idade as dores vieram, o impedindo de permanecer muito tempo de pé, mas ainda lembrava-se dos tempos de sua mocidade, a nostalgia apertando-lhe o peito. “Que engraçado”, pensou ele. “Sempre quis acreditar que não faria tais coisas, quando envelhecesse. Mas aqui estou eu, sentindo saudade de ser um menino. Esse deve ser o caminho, afinal de contas, que todos os velhos percorrem. Íngreme estrada essa, a do arrependimento.”

Gale Jackson começou a pensar em todas as coisas que afligiam seu coração, assim como tijolos derrubados em cima de uma planta. Prendendo e machucando.

Nunca teve filhos, pois não queria crianças barulhentas correndo pela casa, atrapalhando sua vida. Casou-se com uma mulher que não amava, e embora esta fosse doce e gentil, nunca chegou a se apaixonar. Nunca sequer tentou. Não por ela. Trabalhou demais; a maioria das dores que agora o importunavam tinha por causa todos os anos de estresse que ele tinha passado, e o muito tempo curvado sobre papéis em uma mesa. Estava quase cego depois de tanto ler e escrever relatórios, madrugadas afora.

A maior parte de sua vida foi passada confortavelmente. Na verdade, mais que isso, até, e Gale sempre se considerou abençoado. Hoje, prestes a deixar uma vida que já não valia à pena, ele via que o dinheiro lhe proporcionou muitas coisas, mas também o afastou de diversas outras. Mais do que poderia contar.

Quando sua mãe faleceu, sua amável esposa, que nunca perdia a esperança de ganhar o coração de seu amado, acreditou que ele se daria conta das coisas que estava perdendo, do carinho que precisava ser dado, da atenção que devia existir. Mas isso não aconteceu. Ele se enterrou cada vez mais fundo em seu trabalho. Questões de ciência, ciência e progresso, eram as únicas coisas pelas quais ele tinha interesse.

Por fim, depois de alguns anos de uma vida triste e apagada, a Sra. Jackson morreu. Ela queria com todas as suas forças que ele estivesse lá. Mas ele não estava. E isso era mais uma das coisas que despedaçava o coração do Sr. Jackson.

Ele se virou na cama, com dificuldade, de modo que pudesse olhar para o teto branco ofuscante do quarto de hospital. Sentia os tubos grudados no seu corpo, injetando remédios que faziam uma porção de coisas lá dentro. Coisas que o mantinham vivo. Voltou a pensar na juventude, mas não nos arrependimentos. Pensava em outra coisa... Em outra mulher. Ah, aqueles cabelos negros...

Os cabelos encaracolados dela tinham cheiro de baunilha, e a pele escura exalava um perfume de amêndoas. Ela tinha um sorriso tão contagiante que fazia qualquer um ter vontade de rir também. E aqueles olhos! Ah, Deus, os olhos da cor de chocolate, grandes, que davam um ar inocente a ela. Bem-humorada, humilde, ótima pra conversar. Tinha um riso fácil que o deixava encantado. “Como alguém pode estar sempre tão feliz?”, ele se perguntava. A única mulher que já amou na vida.

Tinha vontade de encontrá-la novamente, queria dizer tantas coisas. Pedir perdão por ter sido tão idiota, por ter estragado a única chance de felicidade que ele já teve na vida. Ele disse coisas horríveis a ela naquela noite. Quando ela perguntou o porquê de ele estar abandonando-a, ele se virou naquela direção e olhou profundamente em seus olhos, dizendo: “Você ainda não entendeu? Eu gosto de você, mas você é tão simplória que nunca vai alcançar nada na vida. Se conseguir passar de balconista de loja eu lhe dou os parabéns. Sinto muito, mas não é isso que eu quero pra mim.”

Assim que ele passou pela porta, ouviu os soluços abafados. Por algum motivo aquilo o irritou ainda mais. Saiu à largas passadas dali e nunca mais voltou. Agora sentia saudade das perguntas que ela costumava fazer a ele, quando não entendia ou não sabia de algo, pra depois, quando ele respondia, dizer com ar de admiração: “Você é nerd mesmo.” Sentia saudade dos segredos sussurrados, das lembranças compartilhadas, dos beijos roubados. As frases de “eu te amo” que ela dizia ainda o assombravam em noites de insônia, quando ele deitava e tentava pensar em qualquer coisa que não tivesse relação com ela.

Depois ele conheceu a mulher que foi sua esposa. Os pais dela eram influentes, tinham dinheiro e acreditavam que ele tinha futuro, que poderia aumentar a fortuna da família. Casaram-se. O sonho dela era ser mãe, mas ele não gostava de crianças; obedientemente, a Sra. Jackson acatou a decisão do esposo. Ela vivia implorando ao marido que eles viajassem, mas ele era um homem muito ocupado, por isso nunca ia; ela, para lhe fazer companhia, sempre decidia ficar em casa. Quando eles eram convidados a festas familiares, ele dizia que era chato, que preferia ficar em casa; ela ia sozinha. Quando ele pedia que ela o acompanhasse a algum evento da empresa, por causa das aparências, ela sempre respondia que sim, com um sorriso alegre no rosto.

No fundo ele nunca tentou amá-la, mas ainda assim gostava dela. Sentia um remorso esmagador no peito por tê-la feito infeliz, já que não era culpa dela as idiotices que ele fez. Ele não devia ter descontado tudo nela. Não queria que as coisas tivessem sido daquele jeito. Ele sempre tentava silenciar o que sentia pela morena se enchendo de trabalho, se cercando de dinheiro, mas no fim o coração falou mais alto. No fim, a ciência e o progresso, seus incansáveis companheiros, não venceram a guerra. Seu coração batia rápido.

Ele olhava para o teto quando ouviu uma voz hesitante.

- Posso entrar?

Era uma mulher, já idosa. Ele não a reconheceu de imediato, mas então olhou nos seus olhos. Era ela. A única mulher que ele amou estava ali. Os cabelos quase completamente brancos, as mãos enrugadas, a silhueta não tão fina como antes. Mas os olhos ainda eram os mesmos. Os olhos da cor de chocolate e o mesmo jeito de sorrir.

- Claro que sim.

Ela entrou e se aproximou da cama. Ele estava completamente surpreso. Não esperava que ela fosse vê-lo, no final de tudo. Ele tinha ido procurá-la uma vez, há muitos anos, mas quando a viu sair da casa acompanhada de um homem, com uma menininha nos braços, desistiu. Achou que não seria justo com ela dizer que ainda a amava. Não depois que ela tinha construído toda uma vida.

- Me disseram que você estava aqui. Disseram que você passou muito mal ontem. Algo como um infarto.

Ele acenou com a cabeça, dizendo que sim. Ela cruzou os braços, como se estivesse com frio, mas não havia ar-condicionado ali. Nem as janelas estavam abertas.

- Você está bem? – ele perguntou, com a voz falhando, as lágrimas ameaçando vir à tona. E ele nunca foi de chorar.

- Sim. Estou. – ela deu um pequeno sorriso. Não retornou a pergunta, pois sabia o quão ridículo era perguntar a alguém que está à beira da morte se ela está bem.

- Que bom. – ele ficou aliviado, apesar de o coração ainda estar batendo forte. – Fico feliz.

Ela olhou pra ele e teve a sensação de que era a despedida. Viu naqueles olhos mais uma vez o amor que um dia tinha acontecido entre eles, a saudade que ele tinha, o remorso que guardava. Ela também sentia tudo aquilo. Não conseguiu mais segurar as lágrimas nem o desejo de abraçá-lo o mais forte que podia. A verdade é que apesar de ter formado uma família e de ser feliz, ela ainda o amava.

Aproximou-se mais da cama, sentando-se na beirada desta, e envolveu-o com seus braços, enquanto ele retribuía fracamente o abraço. Também já não segurava mais as lágrimas. Sabia que tudo isso já estava no fim, não fazia mais sentido fingir ser forte. Depois de um longo instante eles se soltaram.

- Você sabe... – ele procurou seus olhos – você sabe que eu faria tudo diferente...

Ele não conseguiu terminar. Tinha pensando tanto nesse dia, em cada palavra que diria, mas naquele momento sentia que estava fazendo papel de bobo.

- Eu sei... – ela disse simplesmente, segurando sua mão. – Eu sei, Gale.

- Eu sei que fui eu que estraguei tudo, mas isso não me impede de me arrepender. – ele pensou um minuto, com os olhos marejados. – Eu quero que você saiba que foi muito difícil ficar sem você.

- Ninguém disse que seria fácil, não é mesmo? – ela disse, com um sorriso fraco.

- Mas ninguém nunca disse que seria tão difícil assim. Se eu fizesse ideia... – ele balançou a cabeça, com a voz triste. – eu jamais faria isso. Eu jamais te deixaria.

- Eu sei.

Eles simplesmente ficaram lá, de mãos dadas. Ela entendendo o quanto fez falta na vida dele, e ele percebendo que ela o perdoou. No final das contas, mesmo depois de tudo o que aconteceu, ela ainda o perdoou. O coração martelava o peito.

- Você é incrível. – ele disse, com um misto de encanto e satisfação ao perceber que ela não havia mudado, diferente dele mesmo. – Completamente incrível.

- Eu não fiz nada demais. – ela baixou os olhos; nunca sabia como reagir a elogios. – Você que é muito amável.

- Você que é. Você não faz ideia do quão amável é. Sério. – ele disse, ao perceber que ela ria ceticamente.

Ela olhou nos olhos dele. Demonstravam ternura.

- Eu ainda amo você. – Gale dizia enquanto as lágrimas faziam seu percurso pelo seu rosto envelhecido. – Eu queria poder voltar atrás, pra bem antes de eu partir, e consertar isso. Pro começo. E mesmo sabendo que você pode não sentir a mesma coisa, eu...

- Mas eu sinto. – ela disse, secando as lágrimas dele. – Eu ainda amo você. Nunca deixei de amar.

Ele fechou os olhos, sorrindo com a declaração.

E então o sorriso se transformou em uma expressão de dor.

- Gale? O que está acontecendo? – a confusão transparecia na voz dela.

Quando ela o viu levar a mão ao peito, entendeu. Ele estava indo. O desespero tomou conta de seu corpo, e ela começou a gritar os enfermeiros, os médicos, qualquer um que pudesse ajudar. Ele tentava dizer algo a ela, mas as dores o impediam de falar com clareza. Ela, por sua vez, não prestava atenção no que ele tentava dizer; tudo o que ouvia era o sangue pulsar nos seus ouvidos.

Por fim, o médico chegou ao quarto e pediu que a senhora se retirasse. Ela se negou com veemência. Ele ainda tentava dizer algo, e só quando soltou um gemido agonizante particularmente alto é que o médico, a mulher e dois enfermeiros, que já estavam chegando para começar a realizar os procedimentos cabíveis, prestaram atenção.

- Eu... – as dores estavam cada vez mais fortes. – Eu não quero... que vocês façam nada. Eu quero... – uma pontada forte lhe atingiu no meio da frase. – ir. Eu quero ir.

Ela balançava a cabeça, freneticamente.

- Não. Não, você vai conseguir. Você vai... – o choro se tornou convulsivo e ela cobriu o rosto com as mãos.

- Não faz sentido continuar. Não há ninguém pra mim aqui. Eu não quero arrastar esse sofrimento. – ele suava frio. – Por favor.

Ela olhou em seus olhos e percebeu que ele sofria profundamente. Não queria que ele se sentisse assim. Balançou a cabeça duas vezes, rapidamente, dando a entender que concordava.

- Doutor, eu apenas quero um calmante pra passar por isso sem dor. – ele ouvia o choro de sua amada.

- O senhor tem certeza destas decisões? – ele acenou com a cabeça. – Então eu apenas lhe peço que assine uma declaração, enquanto os medicamentos são preparados.

Os papéis foram trazidos, assim como os remédios. Depois de assinada a papelada e de aplicarem uma dose de algo que o fazia se sentir sonolento, ele pediu que os médicos saíssem. Eles ficaram sozinhos mais uma vez. Durante vários minutos que pareceram uma eternidade, eles apenas se observaram. Mas depois os olhos dele começaram a pesar, e ele sentia que não demoraria mais a acontecer. As dores estavam mais distantes, agora.

- Eu amo você. – ele disse, lutando contra o impulso de dormir.

- Eu também te amo.

Ela segurou o rosto dele entre as mãos, acariciando-o, e deu-lhe um beijo nos lábios, suave como uma brisa, que lhe acalmou a alma. Depois se deitou ao seu lado na cama, segurando sua mão. Queria ficar com ele nesse momento. Sua expressão ficava mais suave à medida que o tempo passava, que as dores diminuíam, que ele se perdoava e se entregava ao inevitável.

- Eu estou voltando... – ele disse baixinho, sorrindo. – eu estou voltando pro começo. Voltando a ser como nós éramos antes... como eu era.

Ela também sorriu. Os olhos dele se fecharam. A respiração ficava mais lenta.

- Eu te encontro lá, depois. – a voz dela era um sussurro. – Eu prometo.

- Isso é ótimo... ótimo.

Ela apertou mais sua mão.

E então ele não falou mais nada.

Nunca mais.

Quando os aparelhos começaram a apitar, ela soube que ele nunca mais falaria.

Ela saiu do quarto, quando os médicos convidaram-na a sair, com a certeza de que não deixaria de amá-lo.

Ele não tinha saído do seu coração.


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Notas finais do capítulo

Até a próxima...



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