O retorno do menino do espaço escrita por Celso Innocente


Capítulo 19
Sendo criança




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— Paulinho, me empresta uma caneta e uma folha de caderno — pedi a meu irmão caçula.

— Vai escrever uma cartinha de amor pra Beth? — Perguntou-me ele, rindo.

— Nada disso! — Neguei — Vou fazer uma redação pra escola.

— Como foi à prova, filho? — Quis saber mamãe. — Muito difícil?

— Excelente!

Apanhei a caneta e a folha de caderno, que Paulinho me arrumou, sentei-me diante da mesa da copa e escrevi:

Quando terminei, corri à casa de Beth, a fim de lhe contar meu sucesso, mas como ela não se encontrava, pois teria ido fazer um trabalho escolar na casa de uma amiga, retornei à minha casa, onde resolvi ir direto ao banho.

No dia seguinte, aproveitei para levar a redação à escola, saindo de casa às duas e meia da tarde, assim estaria lá próximo ao horário do recreio.

Entrei no corredor seguindo até a sala da diretora.

— Olá Regis — cumprimentou-me ela. — Estava te esperando. Fez a redação?

— Aqui está — entreguei-lhe.

Deu uma rápida olhada e disse:

— Está ótima assim! Não se preocupe, pois em redação a gente não dá nota. Agora sim, você pode se considerar na sétima série no início do próximo ano letivo.

— Até que enfim, acho que vou voltar a ter uma vida normal.

— Pode ir agora e obrigado.

Relutei um pouco, permanecendo sério e ela percebeu.

— O que há? — Perguntou-me ela.

— Posso ficar na hora do recreio?

— É lógico que sim, menino! Aqui é a sua escola!

— Posso visitar a classe de dona Regina?

— Vá lá! Será bom que você conheça as outras crianças.

Segui até a sala de dona Regina. Quando parei na porta, ela, que estava sentada, me convidou:

— Entre, Regis.

Fui até ela, que se levantando, me segurou pelos ombros e disse:

— Crianças, esse é o Regis. Já lhes falei sobre ele. Ele foi meu aluno há alguns anos e agora vai voltar à nossa escola. Como é que a gente faz quando recebe uma visita?

— Boa tarde Regis — saudou-me a classe em coro. — Seja bem vindo.

— Obrigado. Dona Regina é a melhor professora do mundo.

— Não me deixe tímida — pediu ela.

— Não é bajulação. É a verdade.

— Crianças, Regis é um menino especial. Ele fez uma lonnnnga viagem e agora voltou pra ficar. Ele é um menino muito bom e simples. Aliás, está precisando arrumar muitos amigos. Vocês topam incluir Regis, em suas listas de bons amigos?

— Simmm! — Disse a classe em coro.

— Os amigos que eu tinha, hoje estão mais velhos do que eu. Creio que continuam meus amigos, mas não os tenho visto. A maioria já nem estuda mais nesta escola[1].

Em seguida soara o sinal, anunciando o horário do intervalo para recreação e todos, inclusive eu, saímos para o pátio, onde encontrei a mesma turminha do dia anterior e mais, praticamente toda a classe de dona Regina. Eu até parecia alguém muito importante no meio daquela turma de crianças, onde todos tinham praticamente o meu tamanho.

O assunto mais comentado era sem dúvida, minha longa viagem ao espaço e minha presença na televisão. Embora, eu tentasse desviar o assunto, para conversas sobre a vida de crianças... Na Terra.

Percebia claramente, que aos poucos, minha vidinha simples estava voltando ao normal, vindo a ser o mesmo menino feliz de antigamente.

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Como já citei, aos poucos minha vida ia voltando à rotina infantil: andava de bicicletas; ajudava mamãe em alguma atividade doméstica; fazia diversas visitas à casa de Beth e ela, geralmente retribuía; pelo menos uma vez por semana visitava minha escola, sempre próximo ao horário do recreio; jogava o mesmo vídeo game Atari, o qual ganhara a muitos anos na NASA; brincava, geralmente com meus irmãos maiores, ou, na maioria das vezes sozinho, pois ainda não fizera nenhum amiguinho novo, com exceção das crianças da escola. Nenhum deles, porém, residia próximo à minha casa[1], pois as crianças de meu bairro, geralmente estudavam na escola Casa da Amizade, por ser mais próxima.

Nos primeiros dias, sempre fôra assediado por emissoras de televisão, rádio e jornal, querendo ouvir minha história, inclusive meu segredo, que uma vez revelado à mamãe, não tinha mais tanto interesse e eu comentava com qualquer repórter.

Uma manhã de domingo, ao me levantar, encontrei papai na cozinha com uma toalha de banho nos ombros, um sorrisinho fingido nos lábios e no quintal uma cadeira exposta. Olhei para ele com jeitinho assustado e o coração batendo mais forte. Percebi sua confirmação com o leve balançar da cabeça em sinal afirmativo.

Em menos de dez minutos, já havia tomado meu banho matinal, escovado os dentes e participado de um rápido desjejum (apenas café com leite e dois pequenos biscoitos).

Sempre fugindo de meu carrasco, sai pela porta da sala e ao tentar abrir o portão, ouvi sua voz forte:

— Regis...

Voltei meus olhos para o fundo do quintal e lá estava ele próximo à cadeira com a mão levantada e um breve sinal com o dedo indicador, fazendo gesto de “venha aqui”.

— Vou à casa da Beth — engasguei-me ao falar.

— Domingo, antes das sete da manhã, a Beth ainda está dormindo — retrucou-o.

Aproximei-me assustado, perguntando:

— O que o senhor quer?

— Sente-se. Faz muito tempo que precisamos fazer isso.

— Não vai cortar meu cabelo! Não quero passar o resto de minha eternidade parecendo um soldadinho americano.

De fato, fazia muito tempo que ele não nos punia assim. Lá no passado, pelo menos uma vez por mês, ele preparava tal cadeira, punha a tal toalha em nossos ombros (isso mesmo: nossos. Meu e de todos meus irmãos, só poupando a felizarda da Letícia) e com sua cruel maquininha, raspava quase todos nossos “lindos” cabelos, sempre usando o pente zero ou no máximo, para os filhos maiores, o número dois, nos deixando uma fila de meninos, parecidos realmente com os soldados do exército americano.

Aquilo sempre foi meu maior castigo, pois apelidado por meus amigos Luciano e Sara de principezinho francês, adorava meus cabelos cobrindo as orelhas. Fato que quase nunca acontecia, pois sua maquininha cruel e barulhenta nunca deixava.

Sentado naquela cadeira de tortura, tal máquina caminhava por minha cabeça e as moitas de cabelos castanhos caiam sobre meu colo... Eu às vezes os pegava e sentia-os desfarelando entre meus dedos, até parecendo me dizer adeus, antes de cair sobre o chão de terra batida de nosso quintal e depois ser levado pelo vento malvado.

Tive sorte, pois, alguns dias antes de ser levado ao mundo susteriano, creio que por sabotagem de meu irmão Luis, aquela destruidora de charme masculino, veio a apresentar pequeno problema mecânico, fazendo um verdadeiro caminho de rato na infeliz cabecinha de Paulinho e por isso nosso carrasco, acabou desistindo de tal tortura aos demais.

Agora ali, quase nove anos depois, ele já não punia os demais irmãos, pois sendo eles um pouquinho maiores, negava tal punição com veemência. Mas eu, o menorzinho, ainda teria que me sujeitar a seus instintos ultrapassados.

— Seu cabelo está muito comprido e precisa de cuidados — tentou justificar ele.

— Meu cabelo está como há oito anos. Está do jeito que eu gosto e é assim que vai ficar!

Sentindo pequena derrota, substituiu o pente da assassina, dizendo:

— Vamos usar o pente número quatro pra darmos uma aparada.

— Nem quatro e nem oito papai! — Neguei convicto. Dei-lhe um beijo na face e ainda conclui.

— Te amo muito e vou lhe poupar desse trabalho.

[1] Há oito anos tinha um montão deles, mas todos cresceram.

[1] O Marcos Trench só tinha o curso fundamental: da primeira à oitava série (que, aliás, hoje foi reformulado para primeiro ao nono ano, aumentado mais um).


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Notas finais do capítulo

Agora os números são precisos: faltam apenas seis capítulos para darmos uma solução à vida feliz do jovenzinho Regis.



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