A Dança das Lâminas Rubras escrita por João Emanuel Santos


Capítulo 7
A Caça ao Corvo de Estio - Parte Dois.


Notas iniciais do capítulo

Meu plano de publicar esse capítulo antes de ontem falhou!
Mas espero que gostem dele mesmo assim :)
Agradeço a paciência.



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Após a aparição eufórica de Gregório na estalagem, o mercenário havia pedido que eu e Sabrina o acompanhássemos até o porto do Ancoradouro do Lobo. Já era noite, mas caminhávamos sem dificuldade para enxergar as ruas e o resto do ambiente em nossa volta, pois as pedras brancas que forravam o chão refletiam as luzes do céu e das várias tochas espalhadas pela cidade.

Souverain, o que aconteceu? Conversou com o Rei? – disse Sabrina, olhando para Gregório com certa ansiedade.

–Sim, e graças a isso descobri uma forma de atravessar o Mar Parco. Eu sabia que valeria a pena gastar dez moedas de ouro naquela audiência – disse Gregório, rindo.

–E então? Como vamos atravessar o mar? – perguntei.

Gregório diminuiu os passos, olhando em volta para ter certeza que ninguém estava ouvindo nossa conversa. Na parte da cidade em que estávamos havia poucas pessoas nas ruas, era uma área entre o porto e o centro comercial, onde apenas algumas casas de mercadores delimitavam os caminhos.

O mercenário olhou para cima e para os lados, procurando as grandes torres de vigilância que guarneciam a parte interna da cidade. Assim que teve a certeza de não estarmos sendo ouvidos, Gregório começou a falar.

–Lembram-se do que Rei Lugaid disse durante nossa audiência? Ele disse que os portos de Impérvia são fechados para todos os barcos estrangeiros. Mas vocês não concordam que por maior que sejam as frotas dos reinos de Impérvia, é impossível vigiar todo o litoral do país?

Sabrina acenou com a cabeça, concordando.

–Existem alguns barcos que conseguem sair e entrar da Península Impérvia – Gregório fez uma pausa – Por meios menos conhecidos.

–Barcos de saqueadores! Eu devia ter pensado nisso antes! – disse Sabrina.

Em meu povoado, eu já havia escutado inúmeras histórias dos pescadores. Histórias sobre criminosos que se reuniam em bandos e navegavam pelos mares, saqueando e destruindo as cidades litorâneas. Esses grupos costumavam agir por conta própria, mas não era tão incomum que fossem contratados por um reino para destruir o litoral de um reino inimigo.

Eles eram os verdadeiros monstros do mar.

Os saqueadores.

–“Menos conhecidos”? É assim que você chama os saqueadores? – exclamei.

–Fale baixo Drystan – Gregório olhou para os lados outra vez – Voltando ao assunto, Rei Lugaid me disse que está organizando uma caça aos saqueadores desse país faz alguns anos. E depois de várias batalhas, apenas um barco de saqueadores restou para ser destruído. O “Corvo de Estio”.

–O Rei não conseguiu encontrar esse barco? – perguntou Sabrina.

–Aparentemente os barcos de Rei Lugaid que tentaram se aproximar do Corvo de Estio foram afundados– disse Gregório.

–Estranho. Saqueadores são apenas bandidos, não deveriam ser desafio para soldados treinados – disse Sabrina.

–Mas é por isso que o Corvo de Estio ainda não foi destruído. A tripulação é formada por desertores do exército real, eles são guerreiros experientes, e se o que Rei Lugaid me disse está certo, eles têm um ótimo barco – explicou Gregório.

Souverain, o que temos que fazer?

–Rei Lugaid disse ter encontrado a localização do esconderijo do Corvo de Estio, e que daqui a uma semana irá enviar toda sua frota para capturar os desertores. Mesmo assim, ele nos ofereceu um trabalho.

–Trabalho? – perguntei.

–Sim. Ele disse que se conseguirmos a cabeça do líder da tripulação do Corvo de Estio antes de uma batalha acontecer, arranjaria uma forma de nos levar até Impérvia – disse Gregório.

Sabrina ficou calada por algum tempo.

–Mas, se o Rei tem vários barcos e pode derrotar o Corvo de Estio, por que nos pagar pra fazer isso? – eu disse.

Gregório sorriu.

–Você é um garoto muito inteligente Drystan – o mercenário fez uma pausa - Rei Lugaid me disse que estava nos contratando para evitar perdas numa batalha contra o Corvo de Estio. Mas como você pensou, não faz sentido ele contratar alguém para assassinar apenas o líder dos desertores. Ao menos não quando o Rei tem força mais que suficiente para matar toda a tripulação.

–É uma armadilha para o Corvo de Estio. E nós somos a isca – disse Sabrina.

–Armadilha? Como assim? – perguntei.

–Pense sobre, Drystan. Se o Rei realmente soubesse onde o Corvo de Estio está escondido, já teria enviado sua frota para destruí-lo. E eu pude confirmar isso quando o Rei não me deu a localização do esconderijo, e sim a localização de um contrabandista que poderia me levar até lá com um barco de pesca – disse Gregório.

–Então ele nos manda atrás dos saqueadores, depois manda barcos para nos seguir e destruir o Corvo de Estio – disse Sabrina.

–Exatamente.

–Mas por que ele precisa de nós para ir até esse contrabandista? Ele não poderia só mandar um guarda disfarçado, ou um servo? Qualquer outra pessoa? – eu disse.

–Não sei os motivos do Rei para não ter feito isso. Mas desconfio que esse tal “contrabandista” deva conhecer bem o exército da cidade. Isso explicaria o Rei precisar de estrangeiros para fazer o serviço – disse Sabrina.

–Bom, é desnecessário dizer que o Rei não pretende nos pagar por fazer isso, muito menos nos levar até Impérvia. Se ele realmente fosse fazer um dos dois, teria sido honesto comigo – disse Gregório.

–Então como vamos fazer para ir até Impérvia? – perguntou Sabrina.

–Nós vamos fazer o que Rei Lugaid nos pediu para fazer. Vamos até esse contrabandista, depois vamos até o esconderijo do Corvo de Estio. Mas não vamos matar o líder dos saqueadores. Vamos contratar os serviços dele – disse Gregório.

–Você é louco? São saqueadores! Vão nos roubar e matar assim que entrarmos no esconderijo, talvez até antes! – exclamei.

–Não se preocupe, Sabrina e eu sabemos nos defender – disse o mercenário, sorrindo.

–Por que temos que ir pra Impérvia por mar? Não podemos simplesmente ir pra lá andando? – eu disse.

–Não podemos. A Península Impérvia é separada do continente por uma cadeia de montanhas colossais, é impossível atravessar essas montanhas. Não à toa a península se chama Península “Impérvia”. A península “Inacessível” – explicou Gregório.

–Mas, mesmo assim Gregório, saqueadores são perigosos! – eu disse.

–Drystan, estamos acostumados a lidar com esse tipo de pessoas em nossas viagens – disse Sabrina, me olhando com o cenho franzido. Os olhos da mercenária eram ao mesmo tempo belos e desafiadores, cheios de certeza.

–Eu sei que é perigoso Drystan. Mas prometo que não vamos deixar os saqueadores fazerem algo ruim a você. – disse Gregório.

Tudo o que pude fazer foi me calar, pois percebi que não tinha motivos para questioná-los. Senti-me agradecido por Gregório e Sabrina não pensarem em me abandonar ali, apesar de minhas reclamações.

–Além disso, se os saqueadores forem muito fortes e nós três tivermos que correr deles, você vai acabar ficando pra trás e poderemos fugir enquanto eles te capturam – disse Gregório, rindo.

–Isso não teve graça! Explorador de crianças!

Após nos explicar seu plano, Gregório continuou a nos guiar até o porto do Ancoradouro do Lobo, onde o contrabandista morava.

O porto era absurdamente grande. Antes de alcançarmos as docas, passamos por várias casas que pertenciam aos pescadores e comerciantes portuários da cidade, mas surpreendentemente, as casas dessas pessoas eram construídas com a mesma qualidade que as demais. Após as casas, ficavam armazéns que serviam para guardar os inúmeros produtos que chegavam todos os dias ao Ancoradouro do Lobo. E por fim, chegamos até as docas, onde todos os barcos de Estio repousavam.

Todos menos o Corvo de Estio.

Havia vários tipos de barcos ancorados nas docas. Barcos de pesca, como os que eu vira em meu povoado. Barcos de guerra, grandes e largos, feitos de madeira escura, com espaços para dezenas de remos em cada lado e com grandes velas brancas. E barcos de comércio, que serviam para transportar mercadorias e animais.

Mas no horizonte distante do porto, pude ver algo que me deixou verdadeiramente intimidado.

Nas águas do Mar Parco, ancorado no extremo esquerdo do porto, estava o grande barco de guerra, um “Colosso”. Em dias futuros, eu pude ver de perto os barcos imensos fabricados na parte central do continente, na República Titânia. Barcos com quarenta e cinco metros de comprimento, e cinco metros de largura. Com noventa remos em cada lado e capacidade para transportar mais de quatrocentos soldados.

Esses eram os barcos de guerra da República Titânia. Esses eram os “Colossos”.

E apesar da grande distância entre mim e o Colosso que estava no Ancoradouro do Lobo, ainda pude ver as sombras de sua incrível estrutura.

–Estranho – disse Sabrina, em voz baixa – Os únicos guardas que vi no porto são os que estavam vigiando as torres. Não deveria haver guardas protegendo os barcos?

–Sim, muito estranho. Mas vamos evitar uma conversa até chegarmos ao nosso objetivo. Eu acredito que estamos sendo seguidos – disse Gregório.

O mercenário tinha razão, pois o porto estava silencioso e praticamente deserto. Mesmo que fosse noite, aquele lugar deveria estar cheio de vida num dia normal. Ao invés disso, a meia dúzia de pessoas que vimos parecia nos encarar como se fôssemos criminosos, nos seguindo com olhares de caçador.

Após algum tempo, chegamos até o ultimo cais da parte direita. A madeira da plataforma rangia toda vez que dávamos um novo passo. Não havia nenhum barco de batalha ou de comercio ancorado próximo àquele cais, apenas um pequeno barco de pesca flutuava pelas águas negras e tranquilas do Mar Parco. E na beira do cais, sentava um homem, olhando para o reflexo da lua na água, com uma caneca vazia e um cantil ao seu lado.

–Desculpe interromper sua noite, Senhor, mas eu gostaria de... – dizia Gregório, tentando iniciar um diálogo com o homem.

–A noite está estranha – disse o homem, se levantando e em seguida se virando para nós – Eu não sou um “Senhor”, infelizmente. E eu não gosto de noites estranhas, porque é geralmente nessas horas que coisas ruins acontecem.

O homem usava uma camisa de linho branca com mangas longas, suas calças eram surradas e cinzentas. Ele era pequeno e tinha uma barriga saliente que denunciava hábitos poucos saudáveis. Seus cabelos eram negros e trançados, virados para trás. Sua barba tinha um aspecto sujo e parecia estar molhada, exibindo gotas de bebida que eram visíveis mesmo na escuridão da noite. Ele usava um cinto que guardava uma faca grande no lado esquerdo.

–E então? O que um casal de estrangeiros e um moleque querem me falar numa noite estranha como essa? – disse o homem, coçando a barba.

–Como sabe que somos estrangeiros? – perguntei. Incapaz de segurar minha vontade de falar.

–Anos de experiência, moleque - o homem se virou para Gregório – Pelos mantos negros que vocês estão usando, eu diria que pretendem fazer alguma coisa ruim essa noite.

–E você entenderia de coisas ruins? – disse Sabrina, com um tom desafiador.

O homem sorriu para a mercenária. Ele tinha dentes mais amarelos e escuros do que o das pessoas normais.

–Já que o senhor decidiu ser direto, eu também serei – disse Gregório.

O homem levou a mão direita até a faca que estava presa em seu cinto.

–Não tenho intenções de brigar. Eu estou procurando o Corvo de Estio, e me disseram que você é o único que pode nos levar até lá - disse o mercenário.

–Quem disse isso? Rei Lugaid? Os guardas? Os soldados? – perguntou o homem, ainda com a mão sobre sua arma.

Gregório pegou uma bolsa de moedas e atirou no ar, para que o homem a pegasse.

–E isso importa? – disse Gregório.

–Há! Não mesmo! – disse o homem, pendurando a pequena bolsa em seu cinto e tomando um gole da bebida que estava em seu cantil – Subam no meu barco, vou levar vocês até aqueles bandidos. Se vocês são ou não servos do Rei, isso é problema de vocês. E do Corvo.

Gregório saltou até o barco, depois ofereceu uma mão para ajudar Sabrina. Eu fui o ultimo a descer, pois ainda estava desconfortável com a ideia de ir até o esconderijo dos saqueadores.

Após soltar as cordas grossas que prendiam o barco ao cais, o homem pulou no transporte e tomou um remo em cada mão, começando a nos afastar lentamente do Ancoradouro do Lobo.

E assim continuamos por um bom tempo, flutuando através do tranquilo Mar Parco, próximos à costa oeste.

–Rei Lugaid já enviou homens até o Senhor? – perguntou Gregório.

–Já te disse que não sou um “Senhor”! E sim, Rei Lugaid já me enviou vários de seus soldados– disse o contrabandista.

–E o que o Senhor fez com esses soldados que o Rei enviou?

–Você é um pé no saco. Por que insiste em me chamar de “Senhor”? Pareço um nobre? Da ultima vez que chequei eu parecia um gordo bêbado, não um nobre – o contrabandista soltou uma risada que se perdeu em meio a tosses - Eu os levei até o Corvo. O que mais eu faria?

–Isso não faz sentido. Se o Rei já enviou homens atrás do Corvo de Estio, como não sabe a localização do barco ainda? – perguntou Gregório.

–Há! Todos os homens e barcos que eu levei até o Corvo estão no fundo do Mar Parco!Aqueles bandidos são difíceis de matar – disse o contrabandista.

–Então é por isso que os homens do Rei ainda não te prenderam – disse Sabrina.

–É. Tanto o Rei quanto o Corvo precisam de mim. O Rei precisa que alguém o leve até o Corvo – o contrabandista tossiu novamente, com mais violência – E o Corvo precisa que alguém forneça novos equipamentos para ele.

–Você leva armas pro Corvo de Estio? – perguntei.

–Não, moleque. Eu já disse, eu levo os soldados do Rei. E assim que o Corvo e seus bandidos matam esses soldados, pegam os equipamentos novos que estão nos corpos sem vida deles – o contrabandista riu – Viu? Todos saem ganhando nessa relação.

Gregório continuou a conversar com o contrabandista, mas eu decidi parar de prestar atenção no que os dois falavam. Ao invés disso fixei meu olhar no litoral, até que as costas planas deram lugar a terrenos que se elevavam a grandes alturas, dando a impressão de que tínhamos um grande paredão de terra em nosso lado direito. A viagem continuou de forma rápida, por conta da calmaria nas águas do Mar Parco e da boa iluminação que o céu estrelado nos oferecia. E em algumas horas, chegamos ao esconderijo.

–Bem vindos, ao lar do Corvo – disse o contrabandista, apontando para uma grande caverna que se iniciava junto ao paredão natural.

A caverna tinha seu contorno esculpido em rocha, mas não podíamos ver nada na parte interna do grande buraco, pois a noite ainda demoraria a passar. Por conta disso, tudo o que víamos era um grande vazio negro. Mesmo assim, o contrabandista direcionou o barco de pesca para a caverna.

–Moleque, pegue aquela tocha que está no canto do barco e acenda ela – disse o contrabandista.

–Acender? Como? – perguntei.

O contrabandista suspirou.

–Tem um pote com óleo e duas pedras perto da tocha. Molhe a ponta de borracha da tocha no óleo, depois pegue aquelas pedras que estão ali no lado e bata uma na outra, pra que uma faísca acenda a tocha.

Tentei fazer o que o contrabandista me pediu, mas não obtive sucesso em produzir faíscas com as pedras. Quando estávamos entrando cada vez mais dentro da caverna, Gregório estendeu as mãos para que eu entregasse as pedras para ele, e em apenas uma tentativa, o mercenário acendeu a tocha. Foi algo ridiculamente simples, mas me senti impressionado.

–Pronto, agora segurem essa tocha o mais alto que puderem – disse o contrabandista.

–Por quanto tempo? – perguntou Gregório.

Assim que Gregório terminou de falar, várias luzes se acenderam dentro da caverna, formando várias linhas que iluminaram pouco a pouco o lugar. Foi então que o vimos. O Corvo de Estio e sua tripulação.

–Pode apagar se quiser – disse o contrabandista, rindo.

Os homens que acenderam as tochas, que agora iluminavam a caverna, nos olhavam como se fôssemos suas próximas vítimas de saque. Vários saqueadores apontavam arcos para nós, com as cordas esticadas e suas flechas em posições. Outros simplesmente seguravam suas espadas e escudos, enquanto nos ameaçavam com insultos que ecoavam pelo ambiente.

–Pessoas animadas, essa tripulação do Corvo de Estio – disse Gregório.

Souverain, talvez não tenha sido uma boa ideia vir até aqui – disse Sabrina.

–Nós vamos morrer! – exclamei.

–Se acalma moleque! Enquanto eu estiver aqui eles não vão atacar vocês – disse o contrabandista.

Os homens gritavam, enlouquecidos, como se estivessem prestes a nos abater.

Era impossível ignorar o barco, Corvo de Estio. Pois ele estava na nossa frente, e era grande em altura e comprimento. Naquele momento não dei a devida atenção à aparência do barco, pois estava com muito medo de ser morto. Apenas notei que sua madeira era escura, assim como os outros barcos de guerra de Estio.

–Silêncio! Silêncio, seus bastardos filhos de baleias! O capitão está aqui! – gritou uma voz, silenciando toda a tripulação de saqueadores.

Ergui minha cabeça para enxergar o topo do barco, e lá estava ele, o capitão do Corvo de Estio. O líder dos desertores. Ele tinha o corpo coberto por uma longa capa de pele cinzenta. Não pude ver seu rosto com clareza, mas percebi que ele mantinha a barba raspada e que seu cabelo era curto, de cor castanha.

–Ali está ele, o homem que vocês queriam ver. Corvo, essas são as pessoas que não conheço. Pessoas que não conheço, esse é o Corvo – disse o contrabandista, remando até uma pequena porção de terra que levava até uma plataforma de madeira, onde os saqueadores aparentemente moravam – Agora que meu trabalho está pronto, desejo a vocês uma boa sorte.

–Espera! Não vai embora! Eles vão nos matar! – eu dizia, enquanto Gregório me segurava e o barco se afastava.

–Você é muito dramático Drystan – disse Sabrina.

–Ei! Corvo! Eles não parecem ser homens do Rei, então talvez nenhum barco venha até aqui! – gritou o contrabandista, quando já estava a uma boa distância do Corvo de Estio.

Corvo se limitou a acenar com a cabeça, se virando e caminhando em nossa direção. Ele tinha olhos severos e uma grande cicatriz que passava por sua testa. Seu rosto era quadrado e seu queixo era forte.

Corvo possuía uma aparência intimidadora.

–Certo! Essa é a parte em que vocês se explicam – disse Corvo, com uma voz absurdamente fina.

Assim que escutei a voz do saqueador, perdi completamente o medo.

–Ei, Sabrina, ele fala estranho igual a você, isso é outro sotaque? – sussurrei no ouvido da mercenária.

–Não, a voz dele só é muito fina mesmo. E eu não falo estranho! – disse Sabrina, com a voz baixa.

–O que vocês estão falando aí? Eu posso escutar vocês! – disse o Corvo, com sua voz fina.

Não pude evitar soltar um riso abafado.

–Ei! De quem você está rindo? – disse o Corvo, colocando os punhos fechados no próprio quadril.

Sabrina se virou para o lado e começou a tremer, com o rosto escondido.

–O que foi Sabrina? – perguntei.

–Não vou aguentar – disse a mercenária, como se engasgasse com as próprias palavras.

O Corvo se aproximou de nós dois e encarou Sabrina, enquanto levava a mão até o cabo de uma espada, presa em seu cinto.

–Qual é o seu problema? Hein? – disse o saqueador. Sua ultima palavra soou como o grito de um rato prestes a morrer.

Sabrina se virou para o Corvo, com a mão direita na própria boca.

–Ei, Sabrina, você está passando mal? – perguntei.

–Você é surda? Eu fiz uma pergunta! Não vai responder? Hein? – disse o Corvo, fazendo com que sua voz fina ressoasse pela caverna.

Sabrina largou a mão e começou a rir descontroladamente, na frente do saqueador. Era a primeira vez que eu vira a mercenária agir dessa forma. Sua risada era de certa forma encantadora, mas passava uma imensa impressão de deboche, algo que o Corvo não demorou a perceber.

O líder dos saqueadores sacou sua espada.

–Sabrina! – gritou Gregório, como se estivesse a repreendendo.

A mercenária tentou controlar sua risada.

–Senhor Corvo! Espere! – disse Gregório, gesticulando com as mãos – Por favor! Perdoe meus companheiros! Nós temos assuntos muito mais importantes e urgentes a serem tratados!

–Ao menos um de vocês retardados tem a decência de mostrar respeito a mim. Diga o que quer antes que eu entregue essa mulher aos meus homens e atire essa criança ao mar – disse o Corvo.

–O Senhor deve preparar seu barco para fugir! Eu tenho motivos para acreditar que Rei Lugaid está enviando uma grande força até aqui! – disse Gregório.

–Que história é essa? Meu contrabandista acabou de dizer que vocês não são homens do Rei. E mesmo que os barcos de Rei Lugaid venham até aqui, meu barco, o Corvo de Estio nunca se prepara para fugir, apenas para lutar!

–Por favor, não há tempo para explicar, o Senhor precisa sair daqui antes que os barcos do Rei cheguem – Gregório tentou se acalmar, diminuindo o tom de voz – Além disso, eu gostaria de contratar seus serviços. Gostaria que o Senhor nos levasse até a Península Impérvia.

Hein! – gritou o Corvo, fazendo com que Sabrina tivesse que segurar outra crise de risos – Uma coisa de cada vez! – o Corvo caminhou alguns passos em direção a seu barco - Está vendo este barco? Ele é o maior barco de Estio, tem capacidade para transportar trezentos homens. É o meu barco, e é o barco mais forte desse reino!

–Maior barco de Estio? Isso não é verdade – eu disse, por distração.

–Fique quieto seu pequeno monstro! Eu estou me segurando para não te afogar agora mesmo! – guinchou o Corvo.

–Drystan, por favor! O que há de errado com vocês dois?– disse Gregório.

–Mas ele está enganado! Esse barco aí é igual aos outros barcos de guerra que nós vimos no porto. Mas eu vi um barco muito maior, ancorado no fim do porto – eu disse.

–Isso não é hora para ofender Senhor Corvo! – disse Gregório.

–Espera aí! – Corvo estendeu a mão para o mercenário, para que ele parasse de falar, depois caminhou até mim – Tem certeza que viu esse barco, garoto? Tem certeza que não se confundiu por causa da distância?

–Como eu poderia me confundir? O barco estava muito longe, e mesmo assim dava pra perceber que tinha o dobro do tamanho desse seu barco aí – eu disse.

–Drystan! – exclamou Gregório, já desesperado pelas ofensas que eu e Sabrina havíamos feito.

O Corvo permaneceu em silêncio por algum tempo.

–Isso é mal. Muito mal. Eu não pensei que aquele Rei de merda fosse conseguir um barco desses tão cedo – O Corvo se virou para seus homens – Vocês! Preparem o Corvo de Estio! Nós precisamos sair daqui o quanto antes!

–Capitão, o que vamos fazer com esses três? – perguntou um dos saqueadores.

–Os amarrem ao mastro, decido o que fazer com eles depois que escaparmos dessa situação de merda – disse o Corvo.

Sabrina se aproximou rapidamente de nossa bagagem, para tentar pegar suas espadas.

–Não resistam! – disse Gregório, olhando para nós com o olhar mais sério que eu já o vira fazer.

Nós o obedecemos.

–Temos que sair daqui – o Corvo removeu sua capa de pele - Aquele Rei de merda, está mandando um Colosso para nos matar.


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Notas finais do capítulo

Obrigado por ler e acompanhar, toda crítica será bem vinda :D
Próximo Capítulo: A Caça ao Corvo de Estio - Parte Três.