Quando a Chuva Encontra o Mar: Uma Nova Seleção escrita por Laura Machado


Capítulo 76
Capítulo 76: POV Theodore Kaiser




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O grande problema da vida é que o momento em que esquecemos da luta, é o momento em que ela resolve nos lembrar que é ela quem manda. Se você se deixar levar pela felicidade das coisas à sua volta, ela te puxa de volta, te lembrando que você é mortal, que nunca vai conseguir vencê-la.
Esse é o grande problema dos reis. Quando se está à frente de um país e de um povo inteiro, é fácil esquecer que você é tão frágil quanto cada um dos seres humanos cuja vida está nas suas mãos. Você pode mudar todo o caminho do futuro deles em questão de economia, de geografia, até mesmo de matrimônio. Você pode criar leis, construir pontes, atacar o terreno que decidir. Mas uma facada no coração mata tanto seus súditos quanto mataria você. Você também respira, você também pensa. E pior de tudo, você também sente. Você é, para todos os efeitos, tão frágil quanto qualquer outra pessoa. A coroa na sua cabeça não te impede de cair de joelhos quando alguém atira em seu peito. Nenhum manto, nenhum ouro te faz imortal.
Mas quando todo o reino daria a vida pela sua, quando todos os guardas reais dedicam todos os seus dias para lhe servir, é fácil esquecer que você é humano. É muito fácil pensar que está acima dos outros, que não é como as outras pessoas. São tantos privilégios, tantas regalias, tantos objetos brilhantes, que você se cega. Tudo vai acabar, seja você realeza ou não. Ao pó.
Eu tinha medo de deixar aquilo subir à minha cabeça. Eu tinha medo de não ser forte o suficiente para ficar de pé quando todos caiam de fraqueza. Eu não só precisava me lembrar de quem era como indivíduo, como tinha que me impor como regente. Eu era a única esperança de um povo quando a desgraça lhes atacava. E eu precisava me manter de pé, mesmo que tal desgraça também me afetasse. Eu só não podia esquecer de que me afetava, só não podia esquecer de que o sangue que corria em minhas veias era tão vermelho quanto o de meu povo. Eu precisava ser mais, sem esquecer que era do mesmo. E eu tinha medo de nunca ser bom o bastante para ser ambos.
Meu pai era. Ou seria, se as pessoas pelo menos tivessem lhe dado uma chance. Mas não deram. Pelo contrário, roubaram-lhe a vida antes que ele pudesse se provar digno de tal confiança. E agora eu era empurrado para o trono, contra a minha vontade, no momento em que eu mais queria me esconder. Quando eu mais queria desaparecer era quando eu precisava me levantar e mostrar que nada me abalava.
Mas aquilo tinha sim me abalado. E tudo em que eu acreditava tinha praticamente caído por terra. Eu já tinha imaginado várias vezes como seria quando tivesse que tomar as duras decisões que vinham com o peso da coroa na minha cabeça, mas nunca tinha considerado a possibiliadde de ter que tomá-las sem o meu pai ao meu lado. E o nó na garganta que aquilo me trazia me fazia querer com todas as minhas forças ser outra pessoa, qualquer um, não me importava. Qualquer pessoa seria melhor do que eu mesmo.
Quando recebi notícia de que o ataque rebelde ao castelo no meu país tinha me custado o meu pai, eu não aguentei. Minhas pernas fraquejaram e eu tive que me apoiar na parede do escritório do rei. Mais do que eu mesmo, eu nunca tinha pensado que a morte levaria meu pai. Nunca tinha nem me deixado pensar na possibilidade de um dia ter que lidar com aquilo, com aquela maldição da realeza. Era cruel demais, cru demais para mim. Eu não tinha esse sangue frio nem para me deixar imaginar. E ter que ouvir do rei de Illeá que eu nunca mais veria meu pai, nunca mais teria seus olhos em mim, aquilo era sufocante.
Eles se curvaram para mim, em respeito, enquanto eu ainda me apoiava na parede. Charles parecia doente com a notícia, mas ele não poderia entender a doença que eu sentia. Ele poderia ficar ali e se perguntar o que faria no meu lugar, mas nada se compararia com a realidade. A vida tem um jeito mesquinho de aprontar com você, de te puxar o tapete no momento em que você acha que já é invencível. E mesmo que você pense que suporta, não dá para imaginar uma dor tão grande até sentí-la em suas entranhas.
O mundo ao meu redor continuou girando de um jeito embaçado pelo resto da noite. Maxon repetia que estaria ali para o que eu precisasse, que eu estava convidado para ficar o tempo que quisesse. Mas no fundo, eu sabia que tinha que voltar. Estaria caminhando diretamente para o último lugar da terra aonde queria estar, mas teria que fazê-lo. Eu ainda tinha a impressão de que se me mantivesse afastado, poderia negar que tudo aquilo era verdade. Poderia mentir para mim mesmo as cem vezes que fossem necessárias para transformar o que dizia em verdade. Era um mundo de distância. Eu estaria longe o suficiente para imaginar o que quisesse, para poder me enganar quanto fosse necessário.
Mas eu não era só um filho órfão. Eu não tinha só perdido a pessoa mais importante do mundo para mim. Eu tinha também me tornado a pessoa mais importante para uma nação inteira. Uma nação que dependia de mim, que precisava de alguém para guiá-la. Eu era o rei, o regente, o líder. Eu era o guia na escuridão. Mesmo que eu fosse tão cego quanto todas as outras pessoas, eu precisava fingir que via e contar a todos sobre o futuro brilhante que nos esperava.
Não conseguia imaginar uma dor maior do que ter que me levantar quando todos os meus ossos se envergavam, suplicando pelo luto. Mas quanto mais pensava em quem dependia de mim, mais conseguia bloquear o pesar de toda a situação. Quanto mais focava nas decisões que eu precisava tomar, mais esquecia da tragédia que tinha acontecido fora do meu controle. Eu mandava, eu teria que reinar. Eu não tinha tempo para sofrer.
Passei a noite de sábado para domingo completamente em claro. Meu corpo não conseguia se cansar, meus olhos se mantiveram o tempo todo alertas. Fiquei sentado na mesa, olhando para a janela horas sem fim. Não sabia nem o que via, só sabia que não conseguia fechar os olhos, não conseguia me mexer. Tinha medo de fazer qualquer mínimo movimento e uma tristeza enorme se apoderar de mim, não me deixando ser forte como eu precisava.
O sol foi nascendo e eu fui questionando cada vez se tudo aquilo tinha mesmo acontecido. Eu não tinha provas, mas tão pouco as queria. O frio do vento que vinha da janela foi me vencendo e acabei por baixar o olhos e respirar fundo.
Eu era outra pessoa agora, eu tinha que ser. Minha vida nunca mais seria a mesma e não tinha o que eu fazer. Não podia olhar para trás, não podia passar meus dias como uma criança que esperneia para que as coisas não mudem. As coisas mudaram, coisas que não estavam ao meu alcance. O único controle que eu tinha era do que ainda viria a acontecer. O passado tinha passado rápido demais para eu impedi-lo. Mas o futuro ainda tinha que ser escrito.
Me levantei de uma vez e saí do meu quarto. Marchava completamente alheio aos meus próprios passos, não sabia o que ia fazer. Mas minhas pernas sabiam, meu coração sabia. Minha mandíbula travada, meus punhos fechados, tudo em meu corpo estava rígido e contraído, sempre com a apreensão de que se eu me deixasse levar, seria consumido por sofrimento e pesar.
Não me anunciaram no escritório do rei, todos à minha volta pareciam mais apreensivos ainda, com medo de me contrariar. Ninguém queria piorar a minha situação. Eu era um rei convidado, mas ainda era rei. E um que carregava a pior das bagagens. O caminho estava livre para eu ir para onde quiser, então entrei no escritório sem cerimônias.
"Eu preciso de uma coisa," falei, minha voz fraca com o nó que ainda estava presente em minha garganta.
Maxon se levantou com a minha presença e Charles fez o mesmo.
"Qualquer coisa," o rei disse.
Engoli em seco uma vez, tentando bloquear qualquer pensamento que me criasse dúvida.
"Eu voltarei para a Alemanha hoje," disse, com o máximo de convicção que conseguia. "Mas levarei a minha rainha comigo."
O rei franziu a testa bem rápido, logo se recompondo. Não dei tempo para que me questionasse, me virei para Charles e tentei encará-lo o mais duro que podia para que não lhe deixasse opção.
"Eu quero a vossa permissão para pedir Lady Melissa em casamento."


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