Quando a Chuva Encontra o Mar: Uma Nova Seleção escrita por Laura Machado


Capítulo 44
Capítulo 44: POV Abigail Neumann




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Duck praticamente teve que me carregar até a cozinha do castelo. Não tinha quase ninguém lá, eles estavam todos usando a sala que tinha sido posta para aquilo perto da festa. Imaginei que acharam que seria bem mais fácil do que ter que ficar voltando lá o tempo todo.
"Uou, cuidado," ele falou, quando eu tentei procurar a maçaneta das portas duplas e elas se abriram do nada.
"A culpa não é minha," eu cambaliei até a primeira bancada que achei e me apoiei lá. "Elas que são mágicas e abriram quando sentiram a minha presença."
"Aham, claro," ele falou, se ocupando de sei lá o quê.
Estava tendo problemas com as mangas de seu blazer enquanto abria cada gaveta e armário de lá, então o tirou, deixando-o na bancada ao meu lado. Quando ele começou a dobrar as suas mangas até os cotovelos, percebi que seus braços eram cobertos de tatuagens.
"Uau, você andou brincando de canetinha?" Perguntei, praticamente hipnotizada por aquilo.
Meus dedos foram atraídos pela sua pele, virando seu braço para eu conseguir enxergar melhor, sem eu nem perguntar se ele deixava.
Mas ele deixou. Ficou lá de pé, se virando quando precisava.
"Você é um sete?" Perguntei, fazendo-o puxar o braço de volta.
"Por que pergunta?"
Dei de ombros. "Não consigo imaginar ninguém da casta da Enny conseguindo um trabalho com os braços estragados."
"Não tem nada estragado aqui," ele falou, um pouco ofendido. "E eu trabalho de terno, nada que mostre meus braços."
"Entendi," me encostei na parede, ainda o observando.
Ele continuou sua busca até que achou uma xícara e colocou na bancada.
"Você prefere leite com ou sem café?" Perguntou.
Eu dei de ombros, meus olhos cerrados.
Ouvi vagamente ele mexendo em algumas coisas e uma máquina começando a funcionar. Quando ele se apoiou do meu lado, levei um susto e abri os olhos de novo.
"O que leva uma menina como você a beber tanto?" Ele perguntou, me observando.
Dei de ombros de novo. Estava tentando fazer minhas células acordarem e reagirem, mas não era tão fácil.
"É complicado," falei, finalmente, e suspirei alto.
"O que é complicado?"
"Isso," abri meus braços, "minha vida. Não é fácil."
"É, imagino que não seja fácil mesmo ter milhões de fãs pelo mundo dispostos a ouvir qualquer droga de música que você solta só para ganhar mais dinheiro."
Foi como se suas palavras duras tivessem sugado toda a embriaguez de mim.
"Ei, eu me importo com a minha música, tá?" Falei, ofendida.
"Você tem, o quê? Vinte anos? E continua escrevendo música de adolescente!"
"Eu não tenho vinte anos, tenho 17!"
"Bom, tem corpo de vinte," falou, se virando para ir até a máquina de café que tinha parado de fazer barulho.
Seu comentário me desconsertou por um segundo, mas logo voltei ao que eu queria falar.
"Independente disso," falei, levantando um dedo no ar, "não é fácil, tá? Fãs vêm e vão, é complicado. E parece que eu estou sempre presa a uma montanha russa."
"Como assim?" Ele perguntou, sem se virar para mim.
"Um dia todo mundo me ama, no outro eu tropeço na rua e já está todo mundo falando que eu não sei andar, não sei cantar, por que que as pessoas se importam comigo?" Suspirei alto. "É uma batalha constante para se manter relevante. E parece que nunca é o bastante, que quando você acha que chegou no topo da montanha, tem outra menina que chegou mais alto."
Ele se virou para mim, xícara na mão. "Açúcar?" perguntou, e eu concordei com a cabeça.
"E não é só isso," continuei. "Mesmo quando eu acho que estou bem, mesmo nas melhores fases da minha carreira, sempre tem alguém me xingando e é como se todo mundo só estivesse esperando a minha queda."
"Te garanto que tem coisas piores na vida," ele falou, colocando a xícara nas minhas mãos.
"Como o quê?" Perguntei, assoprando o café e sentindo seu cheiro intoxicar minha mente.
Como eu amava café!
Olhei para Duck e ele deu de ombros. "Como perder seu pai," parecia que ele tinha que lutar contra tudo dentro dele para me falar aquilo.
"Seu pai morreu?" Perguntei, sem conseguir me controlar.
"Quem dera," ele falou, balançando a cabeça. Senti um impulso de bater nele por falar aquilo, mas ele acabou se livrando dos meus tapas quando explicou o que queria dizer. "Ele desapareceu no meio do trabalho. E ninguém nunca mais ouviu falar dele."
Ele tentava se manter o mais longe possível do que ele falava, como se quisesse evitar ter que pensar nas suas próprias palavras.
"O que ele fazia?" Perguntei de trás da minha xícara, tentando não demonstrar o quão curiosa eu estava para saber o que fazia ele ser daquele jeito.
"Ele era piloto do exército," explicou, olhando à nossa volta. "Mas sobre a sua vida, imagino que seja ruim mesmo. Mas tem coisas piores. Pensa que no final do dia, mesmo que você esteja no seu pior, ele ainda é bem mais confortável do que o melhor de muita gente."
"Confortável é a palavra," falei, tomando outro gole de café. "Às vezes eu gostaria de trocar de vida com alguém que achasse a minha tão incrível."
Ele revirou os olhos, me irritando profundamente.
"Ei, é verdade, tá? Eu não tenho ninguém na minha vida. Até os meus pais só querem saber de como eu poderia fazê-los ganhar ainda mais dinheiro."
"Ouvi dizer que você era emancipada," ele falou, me fazendo perder o que ia dizer.
"Como você sabe?" Perguntei, meu sorriso crescendo. Ele tinha lido sobre mim?
"Enny gosta de você," ele disse, me desanimando. "Meio viciada."
"Engraçado, não parece," falei.
"Mas é," ele me observava terminar meu café.
Quando percebeu que já não tinha mais nada, pegou a xícara da minha mão e a levou até a pia.
Eu mesma já estava sentindo saudades daquele sentimento de poder fazer tudo que o álcool tinha me trazido.
Mas ele não sabia que eu estava já bem mais sóbria. Eu ainda poderia me deixar levar e culpar a bebida.
Quando ele se virou de novo para mim, resolvi pensar menos e só fazer o que me desse na telha. Agarrei-me à sua camisa com as duas mãos, puxando-o para mim. Ele pareceu surpreso, mas foi ele mesmo que me beijou, acabando com os últimos centímetros entre a gente.
A urgência do beijo estava clara nas suas mãos firmes na minha nuca e na minha cintura, e a eletricidade que seu toque me passava estava me contagiando. Eu coloquei minhas pernas em volta dele, puxando-o mais forte para mim, beijando-o mais forte, como se desse para a gente ficar mais perto um do outro.
Mas ele não parecia se importar. Pelo contrário, suas mãos passavam pelas minhas costas, deixando claro que ele me queria tanto quanto eu queria ele. Não sei quanto tempo ficamos nos beijando, mas a certe altura, senti sua mão embaixo da minha blusa na minha barriga, subindo pela minha pele fria.
"Com licença," ouvi e ele rapidamente se afastou de mim.
Uma mulher loira e muito bonita estava nos olhando. Usava roupa de cozinheira, me lembrando que nós não estávamos em nenhum lugar escondido o suficiente.
"Lady Abigail," ela disse, afastando uma mecha de seu cabelo que caía nos olhos.
Percebi que a palma de sua mão tinha várias cicatrizes e me perguntei o que poderia ter acontecido com ela. Se tivesse aparecido antes do café, acho que teria perguntado. Mas naquela hora, eu não precisava de nada mais para estragar minha reputação.
"Eu-"
"Não quero ouvir," ela falou, me cortando. "Eu não quero saber o que vocês estavam pensando, na verdade, não quero nem lembrar do que estavam fazendo," ela olhava para baixo, como se ainda estivesse se recuperando da imagem, mas subiu seus olhos para mim. "Eu falo por experiência quando digo que é melhor vocês pensarem antes de continuar o que quer que isso seja. Se é o que vocês querem, Lady Abigail, saia da seleção antes de ir em frente com isso."
Concordei com a cabeça, apesar de estar pensando que aquilo não estava nem perto do que eu queria de verdade.
"Não se preocupem comigo," ela continuou. "Não vou mencionar uma palavra disso para ninguém. Se preocupem com vocês."
"Me desculpe," Duck falou, mantendo uma distância considerável de mim.
"Não precisa se desculpar, só ouça o que eu estou falando. Não vale a pena se esconder."
Ele concordou com a cabeça também, olhando para baixo. Depois pegou seu blazer e saiu pela porta, acenando com a cabeça para a mulher e depois virando seus olhos para mim.
Tinha alguma coisa atrás deles, mas eu não sabia o quê. Ele foi embora antes de eu perguntar ou tentar ao menos pensar em outra coisa para falar.
Quando estávamos sozinhas, a mulher começou a limpar a máquina de café em silêncio. Eu não sabia se falar alguma coisa fosse ajudar na situação ou piorar, e a dúvida estava me matando.
"Como você se chama?" Acabei por perguntar, querendo mostrar que me importava com seu conselho, que queria conhecê-la.
Ela se virou para mim e sorriu. "Marlee," falou.


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